segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Sobre Rick Gervais e Sinéad O'Connor

Ontem à noite, antes do fim da festa do Globo de Ouro, Rick Gervais disse algo de tirar o sono de qualquer padre, pastor, freira, fiel, crente... enfim, de dar pesadelos ao papa. Gervais, um comediante ateu, cáustico e anárquico, disse “Obrigado Deus por me fazer ateu.”

Na verdade a frase quase passou despercebida para quem – assim como eu – assistiu na TV. A NBC tentou cortar o áudio e as imagens da festa antes que Gervais pudesse concluir a frase, mas ainda bem que existem os anunciantes e toda a frescura “de gala” que existe nesse tipo de cerimônia, e nós pudemos escutar (e até rir, por que não?) da fala do mestre de cerimônia Gervais.

Agora, isso revela um tipo de comportamento preconceituoso e recalcado da rede de televisão NBC. E não somente da NBC, mas do povo norte-americano em geral. Se fosse no Brasil, Gervais provavelmente seria linchado. E por um motivo tolo e infantil. “Meu Deus, Deus foi ofendido! Queima!” Assim falaria 70% da população brasileira. Tsc, tsc. Isso é uma vergonha. Eu achava que o comportamento recalcado da HAFP pararia apenas nas indicações. Não parou. Agravou-se para as premiações e culminou nessa cena deprimente que nós – telespectadores – fomos obrigados a testemunhar.

Tudo bem, temos algo para pensar. Não foi a primeira vez que um comportamento “anti-cristão” (seja lá o que isso for) foi transmitido em rede mundial. Na verdade, não foi a primeira vez que um pensamento contra os dogmas da Igreja causou polêmica. Na verdade Sinéad O'Connor, em 1992, deixou qualquer um – ateu ou não – de cabelo em pé. A talentosíssima cantora irlandesa foi convidada para ir ao Saturday Night Live (programa que, por acaso, é transmitido pela mesmíssima NBC) como atração musical. Em dado momento do programa ela cantou uma versão a cappella de “War”, de Bob Dylan. O'Connor tem em sua mente, conforme ela mesma já disse, que a canção de Dylan é uma crítica à Igreja Católica e os seus famosos abusos infantis. OK. Sinéad fez algumas mudanças na letra, para se ajustar a sua visão e...

No fim da música Sinéad O'Connor saca uma foto do papa João Paulo II e a rasga enquanto diz “Let's face the real enemy”. (Vamos encarar o inimigo real.) Preciso dizer que esse ato causou um alvoroço entre as pessoas? Isso é claro, óbvio e notório. Não me admiraria se durante as pesquisas que fiz para escrever este texto, soubesse que pessoas foram as ruas chamando a cantora de “Anticristo”, ou se explodissem bombas na frente da sua casa. De fato, achei um vídeo de um show de Kris Kristofferson em que Sinéad é convidada para cantar “Sister Sinéad”. Enquanto ela entra no palco, alguns aplaudem, outros vaiam.

Essas vaias representam, mais uma vez, o comportamento “moralista” que as pessoas, às vezes, insistem em ter. Mas, Sinéad realmente deu o que falar. Ao rasgar a foto de um Papa como João Paulo II ela está apenas ofendendo milhões de pessoas mundo afora. O'Connor foi, a vida inteira, uma pessoa de comportamento forte. Ela é careca por opção. Uma pessoa que adota esse visual por puro e simples gosto deve ser – no mínimo – respeitada. Mas, OK, não vou discutir o visual que ela adota. Vou discutir sua ação. A Igreja Católica tem todo um histórico de abuso infantil e pedofilia. Não começou ontem, nem no século passado. Isso vem desde os tempos remotos da Idade Média. (Dois livros do autor de ficção John Sack abordam esse tema.) Sinéad tem todo o direito do Mundo de criticar essas ações nojentas da Igreja. Mas o problema foi como ela resolveu dar o puxão de orelha no clero. O'Connor simplesmente resolveu rasgar a foto do papa mais influente e popular de todos os tempos, como se ele tivesse alguma culpa de seus padres e cardeais, bispos, etc, serem canalhas bastardos pedófilos. (Certo, ele tem, mas isso não importa.) É óbvio que quando ela rasga essa foto, Sinéad está fazendo uma metáfora a toda a corrupta Igreja Católica. É só uma questão de raciocínio. Mas quem diz que o povo cego, xiita, alienado pelas ideias que a TV sensacionalista passa, vai conseguir compreender isso? Sinéad passou anos e anos sendo açoitada por essa ação que ela tomou. O fato de criticar a pedofilia... é louvável, mas a maneira inconsequente que ela tomou, foi – praticamente – um suicídio.

O que eu quero dizer com isso? Muito simples. A televisão, quando muito, é incrivelmente recalcada e moralista. Isso não é de hoje. O que vimos ontem, com Rick Gervais, não é nenhum tipo de novidade. É um fato alarmante e triste. Mentalidade ridícula. E só quem perde com isso são as pessoas, cada vez mais alienadas.

Fui claro? Óbvio que não.

Por Victor Bruno

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