sábado, 1 de janeiro de 2011

Drácula de Bram Stoker

Bram Stoker's Dracula, 1992 / Dirigido por Francis Ford Coppola

Com Gary Oldman, Keanu Reeves, Winona Ryder, Athony Ropkins, Sadie Frost, Richard E. Grant, Cary Elwes, Bill Campbell e Tom Waits


(3/5)

Em 1982, Francis Ford Coppola fez um filme chamado O Fundo do Coração. Feito para cobrir o provavel rombo que Apocalypse Now, seu filme anterior, provocaria em sua produtora, a American Zoetrope, o musical psicodélico estrelado por Teri Garr seria originalmente filmado em locação e com orçamento irrisório. A história mudou, Coppola reconstruiu Las Vegas em estúdiu e gastou 27 milhões de dólares. Acontece que o filme foi o maior flop da sua carreira, tendo feito apenas 636.793 dólares nos Estados Unidos. Ao contrário do seu filme anterior que foi um estrondoso sucesso. Após O Fundo do Coração, Coppola nunca mais conseguiu um grande sucesso, nem de crítica, nem de público. As grandes excessões são O Poderoso Chefão - Parte III e este Drácula de Bram Stoker. Em ambos os casos os filmes foram grandes sucessos de bilheteria, mas não obtiveram êxito por parte da crítica.

O fato é que O Fundo do Coração levou Coppola à falência. Todos (salvo O Poderoso Chefão III os outros filmes feitos pelo diretor até Drácula... foram para pagar as suas dívidas, e nenhum deles teve êxito. (Rumble Fish, por exemplo, estragou bonitinho o que The Outsiders havia conseguido -- lucro.)

Mas em 1992 a situação era diferente. O cineasta de Detroit radicado em Nova York estava de vento em popa, vinha de um estrondoso sucesso comercial, havia conseguido uma batalhada de indicações ao Oscar, apesar de não ter levado nenhuma. Havia conseguido um bom orçamento por parte da Columbia Pictures para o seu próximo projeto, que provavelmente acabaria com as suas dívidas: uma adaptação fiel do livro Drácula, do autor irlandês Bram Stoker. Portanto, contar a sinopse do filme é contar a do livro.

Mas por que eu comecei o texto dessa forma? Simples. Não é à toa que o trabalho de Coppola pós-Apocalypse Now tenha sido tão açoitado pela crítica. Realmente a qualidade dos seus filmes caiu muito. Feitos realmente na base do desespero, "nas coxas". E os danos causados por essa fase de falência parecem ter sido irreversíveis, conforme pode ser comprovado em seus dois últimos trabalhos, Velha Juventude e Tetro, que apesar de serem artisticamente belos... não foram bem recebidos pela crítica. Drácula não é uma excessão.

Drácula de Bram Stoker conta a história dolorosa do Conde Dracul (ou Vlad) (Gary Oldman, espetacular). Durante a Idade Média, foi um defensor irrepreensível da cristandade diante da invasão turca. Na época, o exército deles era praticamente invensível, mas com a "providência divina" (vamos chama-la assim, por hora) sua própria força de vontade, Drácula os derrotou. "Os vingativos turcos", em represália, mandaram uma falsa mensagem para a sua esposa, Elisabeta (Winona Ryder), afirmando que ele estava morto. Elizabeta era o amor da vida de Drácula, assim como Drácula era o amor da vida dela. Ela se mata atirando-se no rio. Ao descobrir esta verdade horrorosa, Drácula renega a Deus e jura sobreviver ao túmulo, vagando como morto-vivo através de "oceanos de tempo", até reencontrar seu verdadeiro amor.
Agora, quatro séculos depois, em 1897, Mina (Winona Ryder, de novo) está noivada com Jonathan Harker (Keanu Reeves). Seu casamento será realizado assim que ele voltar de uma viagem de negócios. Ele está substituindo o corretor de imóveis R.M. Reinfeld (Tom Waits, extremamente parecido com Ron Perlman) numa grande venda. O comprador: Conde Dracul. O que aconteceu com Reinfeld? Ele "enlouqueceu" nesta mesma viagem, com destino a Transilvânia, onde fica o castelo de Drácula. Já no castelo, Jonathan descobre-se num lugar estranho, com um habitante mais estranho ainda. Ao mesmo tempo, descobrimos que Mina é a reencarnação de Elizabeta. Obviamente Drácula irá atrás dela, fazendo o que for preciso para ter em seus braços frios e mortos a sua amada além da vida. Suas ações respingarão em quem estiver por perto. Pobre Jonathan.

Sendo bem franco, os trinta primeiros minutos de Drácula de Bram Stoker são simplesmente sensacionais. Coppola adota um visual gritante, extremamente gráfico e estilizado. A Transilvânia de Coppola é vermelha-sangue, cheia de sombras. E é exatamente aqui, onde a sobrevivência do filme do filme depende muito mais das imagens do que dos atores, onde existe a melhor fatia do filme.

Filme este que caminha rápido de mais, e é esquizofrênico. Em pouco mais de duas horas de duração Drácula se divide em três atos e, cada um deles, tem um rítmo diferente. Esta diferença de rítmo não possibilita uma uniformidade em seu torno. No primeiro ato temos um suspense de gelar o sangue. Uma atmosfera grotesca, com poucos diálogos, movimentos de câmera elegantes e edição singular. É exatamente nesta primeira metade onde a personagem de Keanu Reeves, que está em boa forma aqui, ganha mais espaço e, indo além, é necessária. Sim, porque nas duas próximas partes Jonathan se prova totalmente dispensavel. Ele só volta na terceira parte, e mesmo assim, apagado.

Na segunda parte do filme, Coppola e seu roteirista Hart passam a analisar a relação amorosa de Drácula, que acaba se mudando para Londres, e Mina. O filme deixa de ser um filme de horror grotesco e visualmente extravagante, passando a ser uma história de amor platônica e de teor sexual altíssimo. Aliás, o sexo em Drácula de Bram Stoker é um elemento essencial para a trama. Tanto quanto o sangue. São derramados litros e litros neste filme. A próxima vez em que veremos tantos litros de sangue serem derramados será apenas em Kill Bill Vol. 1, no já longínquo ano de 2003.

Com os surtos psicóticos sexualísticos de Lucy (a fogosa Sadie Frost), melhor amiga de Mina, e a entrada de Anthony Hopkins como o estranho professor Van Helsing, dá se início ao terceiro e último ato do filme. Aqui a historinha de amor de Drácula e Mina é mandada para as cucuias e Coppola retoma as estravagâncias visuais, transformando o filme numa espécie de road-movie épico, flertando com o western, com direito a perseguições a cavalos que Sergio Leone ficaria orgulhoso em dirigir. Não são poucas as vezes em que Coppola pede o auxílio de mapas para situar o espectador na história.
O principal problema de Drácula de Bram Stoker, ao contrário do que eu pude sugerir no início da crítica, não é a direção de Coppola. Se você compreendeu isso, você está errado. Provavelmente por que eu escrevo mal, ou por que você é dislexo. Um pouco dos dois, talvez. Mas o importante é que a direção de Coppola é a melhor coisa que o filme pode oferecer ao espectador. O problema, como eu ia dizendo no início do parágrafo, é o roteiro do até então inexperiente James V. Hart. Hart enche a história de dead ends que, simplesmente, enchem o saco. Esses dead ends começam cedo na história, e imprimem, como dito anteriormente, uma narrativa ligeira demais. Com trinta minutos de filme você jura que já se passaram, no mínimo, uma hora. Esse pecado é fatal para o filme. Estraga o todo. Talvez isso seja um problema carregado no livro e foi transportado para o cinema. A adaptação é fiel de verdade. Por exemplo: o livro é quase todo epistolar. O filme também fornece informações provenientes de diários, cartas. Até gravações em áudio são utilizadas.

E esse todo era para ser ótimo. Aliada a boa direção de Coppola (que é bom diretor de atores, mas isso não é novidade para seu ninguém), há a simplesmente brilhante direção de fotografia de Michael Ballhaus (diretor de fotografia qual, devo dizer, sou um grande fã). Os dois, se não eu não estiver enganado, pagam tributo há grandes filmes de horror. Por exemplo, quando Drácula está voando em direção à sua vítima, atravessando a cidade, pátios, etc., a câmera voa pelos objetos, persegue pessoas, etc. É exatamente o mesmo tipo de coisa que Sam Raimi faz no fantástico A Morte do Demônio. Se eu estiver certo, e -- sem ser arrogante, mas já sendo -- creio que estou correto. O filme também nos presenteia com uma trilha sonora fabulosa, de Wojciech Kilar.

Em Drácula de Bram Stoker existe uma enorme galeria de personagens. Alguns simplesmente dispensáveis, descartaveis. Tem gente demais, a escala é cósmica e a direção de Coppola é apaixonada e viva. Francis vira vítima da sua própria filosofia: "Qualquer coisa dirigida em larga escala ou feita com paixão é um convite ao caos." Às vezes é ruim está correto.

E o filme põe em prática o que Cher já pregava: love hurts.

Por Victor Bruno

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