Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (crítica II)

Para Victor Bruno, a última parte da saga de Harry Potter não é nada demais, nem nada de menos. Apenas o suficiente

Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2

A saga de Harry, Hermione e Ron chega ao fim e Douglas Braga não gosta nada da sua conclusão

Especial David Fincher: A Rede Social

Na última parte do Especial, relembre o que Victor Bruno escreveu sobre A Rede Social, mais recente filme de David Fincher

Especial David Fincher: O Curioso Caso de Benjamin Button

Victor Bruno faz uma análise de O Curioso Caso de Benjamin Button, no penúltimo filme comentado neste especial

Especial David Fincher: Zodíaco

O nosso especial sobre David Fincher continua com Douglas Braga falando sobre Zodíaco, mais um thriller investigativo do norte-americano

sábado, 28 de maio de 2011

Vaza trailer da versão de David Fincher de The Girl With the Dragon Tattoo

Se no ano passado aguardávamos ansiosamente a visão de David Fincher para a fundação do Facebook, neste ano aguardamos ansiosamente a visão de David Fincher para a obra-prima de Stieg Larson, The Girl With the Dragon Tattoo.

Não é surpresa que Fincher é um homem que faz trailers impactantes. Se, para alguns, o trailer de A Rede Social (The Social Network, 2010) é melhor que o próprio filme, então o trailer de Girl With the Dragon Tatto é digno de Oscar. Contando com um cover de Trent Ranzor (vencedor do Oscar pelo seu trabalho com a música de A Rede Social) e Karen O (responsável pela excelente trilha sonora de Onde Vivem os Monstros, de Spike Jonze) para “Immigrant Song”, do Led Zeppelin.

Preservando muito do romance, o trailer mostra um filme escuro (lembrando um pouco o visual de Clube da Luta), uma Rooney Mara magra e punk, nem sombra da doce Erica de A Rede Social e uma ótima tagline: “The feel bad movie of Christimas”.


Você também pode ver o trailer na barra lateral no seu canto superior esquerdo.

Por Victor Bruno

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Galeria - Anton Corbijn






Por Victor Bruno

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Jogos do Poder

Charlie Wilson's War, 2007 / Dirigido por Mike Nichols
Com Tom Hanks, Philip Seymour Hoffman, Julia Roberts e Amy Adams


(5/5)

Sempre estudei em escolas católicas. Não por que a minha família seja rígida quanto a religião que guiará minha faceta espiritual, mas sim por que nos lugares onde morei durante minha infância (e foram muitos, estávamos sempre nos mudando) as melhores escolas eram sempre religiosas. Sempre me lembro de nomes de santos ou padres nos nomes dos colégios – Externato São José, em Goiânia, Colégio Marista Pio X, em João Pessoa, Paraíba, e por aí vai. Numa dessas escolas, aqui em Teresina, o notório Instituto Dom Barreto, eles sempre faziam uma oração antes do início das aulas e em seguida contavam uma história que tivesse haver com determinação, garra ou fé em Cristo, ou algo do gênero. Eu até decorei algumas dessas histórias, como a do alpinista que morreu por não confiar na voz de Deus (mas quanto maniqueísmo, não?), ou a do mestre budista e o garoto.

Nesta bela história (não, não estou sendo sarcástico) um garoto ganha um cavalo no seu aniversário de catorze anos. Todos dizem “Oh, que maravilha!”. Entretanto, o mestre zen apenas responde “Veremos.” Dois anos depois, com o garoto em seu décimo sexto ano de vida, ele cai do cavalo e quebra a perna. Todos dizem “Que horror!”, exceto o mestre zen, que apenas responde “Veremos”. Nessa época estoura uma guerra na região onde a família do garoto vive, e todos os jovens a partir de dezesseis anos estão sendo convocados – mas o garoto não irá para o exército, já que está com a perna quebrada. E novamente todos dizem “Que maravilha!”, exceto o mestre zen que diz “Veremos”.

E a história prossegue até a morte do garoto. A moral, como vocês devem ter adivinhado é que tudo é relativo. Em alguns momentos as coisas podem ser boas, e em outros elas podem ser más. E eu fiquei realmente surpreso quando vi essa estória ser contada em Jogos do Poder – já que, primeiro: Ela faz parte da minha gênese, vinda da minha infância (e eu sou um cara extremamente nostálgico e acredito piamente que serei um velho muito chato que viverá de dizer coisas como “Quando eu era pequeno, meu neto...”). Segundo: Ela tem muito haver com o que é contado nessa fantástica obra de Mike Nichols (Closer – Perto Demais e A Primeira Noite de um Homem).

Acima de tudo, Jogos do Poder é um filme sobre relatividade. E, na vida, tudo é relativo. Sendo assim, Jogos do Poder é um filme que abre margem para diversas hipóteses. A inclusão do conto do mestre zen não poderia ser mais auspiciosa para este fantástico filme. As coisas, tudo na vida, do nascimento até o dia da nossa morte, podem vir tanto para o bem como para o mal. Logo, as ações tomadas por Charlie Wilson (numa ótima interpretação de Tom Hanks), podem servir tanto para o bem como para o mal.

E o que o deputado Charlie Wilson fez para que eu abrisse o texto dessa forma tão pouco ortodoxa? Deu armas a afegãos. O que hoje soa impossível, no início dos anos 80... também era. Mas deixou de ser depois que esse texano apareceu. Charlie Wilson era um inexpressivo deputado do interior do Texas (suas botas o entregam logo no início do filme), embora isso não o impedisse de tomar ações inconseqüentes – como, por exemplo, querer entrar na junta do Centro Kennedy pelo simples fato de que se fizesse parte disso ganhará entradas de graça para o restaurante. Charlie também é um notório mulherengo. Envolve-se com strippers de Las Vegas, cheira cocaína e bebe uísque às 10 da manhã (o que me lembra um outro Charlie...). Tornando uma história longa mais curta, Charlie não tem caráter nenhum, sendo até mesmo capaz de levar a filha de um dos seus eleitores para a cama, ou – mesmo que acidentalmente – fazer recatadas senhoras evangélicas esperarem-no por horas num ambiente lotado de belas mulheres com generosos decotes: Suas secretárias – também conhecidas como Charlie’s “angels” (sim, igual à série de TV). Sua justifica é uma das mais originais: “Qualquer idiota pode aprender datilografia, mas apenas mulheres têm tetas”.

O que realmente importa é que a situação está um caos. Os EUA estão tomando de pau na Guerra Fria. Não conseguem mais controlar a o Oriente Médio e o Afeganistão, aliado estratégico americano naquela região que Deus se esqueceu de cuidar, está sendo tomado, pouco a pouco, por imigrantes ilegais que fogem do terror soviético.

E os soviéticos são bárbaros: Sendo forçado pelo presidente afegão a ir a um campo de refugiados, Charlie vê a verdadeira face da guerra – crianças mutiladas, mulheres estupradas, grávidas que perderam os filhos por que foram espetadas com baionetas na barriga. E se nesse ponto o filme parece uma propaganda americana, não se engane, é exatamente isso que Mike Nichols e seu roteirista Aaron Sorkin (o vencedor do Oscar desse ano por A Rede Social) querem fazer soar. Tudo isso não passa de ilusão, acreditem-me.

Cada peça do tabuleiro complexo que Jogos do Poder se revela será cuidadosamente colocada. Sorkin e Nichols estabelecem uma montagem – habilmente realizada por John Bloom e Paul Rubell – de extremo cuidado. Se o roteiro de Sorkin apresenta diálogos complexos, elegantes e – por vezes – hilários, Nichols dirige seu filme de modo cuidadoso e invisível, preocupando-se ao máximo em não deixar ser notado, o que, aliás, é notório em sua (irregular) carreira. Nichols é um diretor cujo estilo é não ter estilo, o que pode ser notado de forma fácil em Closer.

E eu não condeno o rapaz; afinal, o filme só sai ganhando com isso. Jogos do Poder é um filme que desde o seu primeiro segundo é extremamente teatral. Não possui cenas de ação física (aliás, possui, mas as discutirei apenas mais tarde) ou perseguições implacáveis – logo, qualquer pirueta visual ou qualquer egotrip que Nichols ousasse fazer poderia fatalmente destruir todo o delicado equilíbrio que Sorkin construiu. Não há espaço para isso nesse filme, o que se revela quase uma imposição do roteirista.

Mas dizer isso não significa dizer que Nichols é um diretor inexpressivo, comandado pelo seu roteirista, ou por quem quer que seja. Pelo contrário. Provavelmente seja nesse filme que Nichols tenha feito seu plano mais memorável. Esqueça as brigas de Elizabeth Taylor e seu marido em Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (Who’s Afraid of Virginia Woolf?, 1966), esqueça Ben gritando “Elaine, Elaine!” em A Primeira Noite de um Homem (The Graduate, 1967). São poucos os momentos em que podemos ver algo tão impactante como a visita de Charlie àquele campo de refugiados afegão. E a cena torna-se ainda mais intrigante (e amarga, verdade seja dita, amigos) quando vemos a hilária entrevista que precede essa seqüência. (“Bem, Presidente, os EUA adorariam ajudar o seu país...” “Não, Sr. Wilson. Não adorariam. Eu estudei em Oxford e eu sei que quando dizem isso é por que não estão nem aí.”)

Entretanto é uma pena que o filme perca tempo em subtramas absolutamente inúteis ao filme. É claro que a inclusão de um processo nas costas de Charlie por uso de cocaína em Las Vegas é uma fraca tentativa de inserir (mais) tensão a obra, o que mostra uma certa insegurança por parte dos produtores. De todas as formas, isso torna-se uma espécie de escada para uma das melhores descrições de personagens que já vi (“Charlie, você é um adulto que cresceu como uma criança que atravessa a rua sem olhar para os dois lados!”). Felizmente isso é um pecadilho minúsculo diante de todos os prós que esse filme apresenta. E estamos aqui falando de muitos, principalmente no que diz respeito as suas atuações. Se Tom Hanks apresenta um carisma inigualável como o adorável canalha que Charlie Wilson é, Philip Seymor Hoffman faz um Gust Avrakotos excepcional. Um homem explosivo, que duvida da organização que vem defendendo a vida inteira (a cena em que ele apresenta Mike Vickers a Wilson é um perfeito exemplo disso) e que mandou o chefe ir se f... por duas vezes. Já Julia Roberts vive quase que totalmente de fazer caras e bocas.

Minha única objeção real sobre esse filme é quanto ao seu final. É satírico, claro. E pensar que o homem que praticamente pôs fim ao império soviético seria – diretamente ou não – responsável pelos atentados de 11 de Setembro, rapaz! Originalmente o final seria bem mais amargo. Charlie Wilson apareceria casado (meu Deus...) olhando o Pentágono arder em chamas. Aposto como ele pensaria “Eu fiz aquilo”. Mas Tom Hanks argumentou com Nichols dizendo que não agüentaria essa história. Infelizmente é a doença politicamente correto entrando em ação.

Charlie Wilson é uma espécie de hurdy gurdy man às avessas.

“- Por que o Congresso fala sobre esse assunto e não faz nada?

- Por que é tradição.”

Isso se aplica a nós, não acha?

Por Victor Bruno

23/05/11

Obs.: Charlie Wilson, que morreu ano passado, jamais negou ou confirmou se cheirou ou não cocaína em Las Vegas. O filme – sabiamente – não mostra se ele fez isso ou não.

domingo, 22 de maio de 2011

Jules e Jim - Uma Mulher para Dois

Jules et Jim, 1962 / Dirigido por François Truffaut
Com Jeane Monreau, Oskar Werner e Henri Serre


(2/5)

Nem tudo que reluz é ouro, e infelizmente no cinema não é diferente. Geralmente o nome de quem assina a direção de um filme é um dos principais fatores de atração do público que entende um pouco mais de cinema, e justamente por isso quase sempre o espectador se vê condicionado a gostar de determinada produção apenas pelas suas credenciais. O caso de Jules e Jim, um filme do aclamado François Truffaut, exemplifica bem essa situação, já que na verdade se trata de uma obra fraca e sem fôlego, que não condiz com seus nomes envolvidos. Na verdade, tinha tudo para dar certo, levando em conta sua premissa e seu diretor, mas acabou se resumindo em algo descartável e esquecível, que poderia muito bem não ter existido.

Em momento algum se notam as características positivas sempre presentes nas obras de Truffaut, muito menos aquela inventividade refrescante que a novelle vague trouxe para o cinema da época. A história um tanto avançada de uma mulher dividida entre seus sentimentos por dois homens poderia resultar numa grande inovação, levando em conta as características revolucionárias que os cineastas da novelle vague traziam consigo. Mas o resultado é infrutífero, conduzido por uma narrativa boba e por uma total falta de responsabilidade no que diz respeito à composição dos personagens centrais.

Os primeiros 15 minutos são excessivamente narrados por uma voz irritante que só está lá para adicionar informações óbvias ou inúteis. Além do que, todo o começo é um grande conjunto de informações que não serão aproveitadas em momento algum no decorrer da trama. Tudo só começa a desencalhar com o surgimento de Catherine, uma mulher de espírito indomável que se apaixona por Jules, melhor amigo de Jim. Depois de passar alguns anos casada com Jules e ter uma filha com ele, Catherine se descobrirá verdadeiramente apaixonada por Jim.

Jules e Jim são dois personagens que tinham tudo para engatar uma boa trama, mas são conduzidos de forma tão leviana pelo roteiro que parecem dois fantoches obedecendo a ordens aleatórias. Catherine, por outro lado, tem uma personalidade muito bem trabalhada e desenvolvida, mas em momentos algum tem força o suficiente para assumir as rédeas como protagonista do filme, restringindo-se assim a uma personagem grande demais para um texto tão fraco. Ela é complicada, indecisa, egoísta e insensível, resultando numa pessoa interessante de se ver em ação. Jules e Jim, por outro lado, não acompanham esse “furacão”, já que ficam presos nos clássicos estereótipos de “certinho” e “safado” respectivamente. Aí já não se sabe se o foco do filme é a amizade entre os dois ou o amor tríplice entre eles e Catherine.

Outro problema de percurso se encontra nos momentos decisivos, que são passados de forma muito rápida e sem um pingo de atenção. A forma como a amizade entre Jules e Jim se abala depois que Catherine passa a amar Jim é tratada com tanta futilidade, colocando Jules como um perfeito idiota a aceitar aquilo sem esboçar qualquer tipo de reação, seja ela positiva ou negativa. Jim também perde o compasso quando passa a se desentender com Catherine, voltando ao zero como um personagem sem brilho próprio que só sobrevive da existência dela. Ela, por fim, é tão egocêntrica (não que isso seja um defeito de texto) que ofusca os dois, mas não tem aonde descarregar toda sua capacidade de crescimento na trama, já que se encontra rodeada por contextos e personagens inferiores e banais.As soluções dos conflitos são fáceis e preguiçosas, e o maior exemplo disso se encontra no desfecho chatinho e sem graça. Jules, o personagem mais insosso, termina ganhando todas as atenções e, como não tem capacidade de lidar com elas, finaliza o filme de forma estúpida a abrupta.

Tudo só não se perde de vez num mar de equívocos por alguns momentos de pura genialidade, como a cena em que Jim lê uma carta desamorosa de Catherine, em que o rosto dela aparece narrando o texto sob a paisagem de sua casa de campo. Mas esses momentos são raros, picotados e, juntos, não dão mais que 10 minutos de metragem.

Ver uma premissa tão legal, em época de inovações como a novelle vague, nas mãos de alguém como Truffaut, ser desperdiçada de tal maneira chega a ser um desgosto. A narração brega, incansável e interminável finaliza tudo como um grande circo de horrores. Ou seja, um filme dispensável que ocasiona uma pequena mancha no currículo quase impecável de um dos diretores franceses mais renomados e talentosos.

Por Heitor Romero

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Lars von Trier!


Agora chega a minha vez de entrar na roda: Sendo piada ou não, algumas coisas não devem ser ditas. Até alguns dias atrás, eu acreditava que todo sujeito na face da Terra sabia disso – ingenuidade latente. Mas me parecia algo tão óbvio, tão notório... algo que se aprendia de berço. Uma coisa que até o mais desbocados dos homens saberia discernir. Obviamente eu estava enganado, redondamente enganado. Sim, senhor, Lars von Trier me desenganou.

Acredito que todos aqui já estão cientes da polêmica (a nova, diga-se de passagem) que o dinamarquês mais controvertido do mundo criou ontem na sessão de Q&A após a premiére do seu novo filme, Melancholia, em Cannes. Trier disse e fez:

“Eu realmente queria ser um judeu, mas então descobri que na verdade eu era nazista. Você sabe... por que a minha família era alemã, Hartmann. Uh... o que também se tornou uma espécie de prazer [solitário riso nervoso]. Então, sou uma espécie de... sim. [Longo silêncio reflexivo.] Eu, eu, eu... o que eu posso dizer é que... eu entendo Hitler. Mas mas acho que ele fez algumas coisas erradas. Posso vê-lo sentado sozinho em um bunker. [Kirsten Dunst diz algo como “Que horror!”] Mas eu tenho uma lógica quanto a isso! Eu... eu acredito que entendo o homem. Ele não é o que eu chamaria de “cara legal”, mas... sim, eu o entendo. Eu até me simpatizo com ele, entendo muito, mas, vamos lá, não sou a favor da Segunda Guerra Mundial, não sou contra judeus – já Susanne Bier... [diretora judia de Em um Mundo Melhor] – não, nem mesmo contra Susanne Bier! Isso também foi uma piada, mas, claro, sou a favor de judeus. Não muito, claro, por que Israel é uma verdadeira dor de cabeça, mas... poxa, como posso terminar essa frase?”

Já na metade da sua piada ele já sabia que havia entrado pelo cano. A piada é obviamente imbecil, boba, estúpida, idiota, babaca. Primeiro, o Trier não tinha que fazer piada nenhuma. Ele é diretor, não comediante de stand-up. Sejamos francos, aquilo era realmente, mas realmente necessário? Vamos ser realistas e racionais, essa parece ser mais uma tentativa infantil, inútil e imbecil de um diretor superestimado e carente por atenção para aparecer. Creio que a maioria dos leitores saibam de todo o histórico de depressão e melancolia (com o perdão do trocadilho) e arrogância de Trier. E quem vai a Cannes sempre que Trier marca presença, já podemos esperar, na menor das expectativas, três coisas: Polêmica, aplausos e vaias. Trier é um homem que, para dizer o mínimo, não tem papas na língua e não quer ter.

Mas ao mesmo tempo em que ele é um mestre na arte da polêmica, ele é um grande – conforme dito – infantil. Fazendo uma comparação bem grossa, Trier equivale a uma criança mimada chorando no canto do quarto pedindo atenção ao pai enquanto este conversa com um amigo. Qual a atitude que devemos tomar? Ignorar. Se mandarmos calar a boca, o aí é que o garoto desatina. Trier é aquele menino bagunceiro da sala, o palhaço da turma. Sim!, aquele que quando estudávamos sistema reprodutor ficava sorrindo e fazendo palhaçada sempre que a professora falava sobre pênis.

Agora, calma. Não vou crucificar o Trier por ser um inútil – isso seria desonesto comigo mesmo e com você que se presta a ler o que eu penso sobre isso. Quando estava pronto para escrever esse texto ontem de noite, um alarme soou na minha cabeça: Será que eu estou sendo honesto? Será que fui atrás de todas os fatos? Será que eu vou verdadeiramente atingir a cerne da questão? O verdadeiro X da equação? São perguntas consideráveis para qualquer um que vá escrever um texto pessoal. Isso aqui não é um editorial. Nem um de nós do Ornitorrinco Cinéfilo compartilha a mesma opinião.

Enfim, foi nesse momento em que acessei o Diário de Bordo, o blog do Pablo Villaça (um homem que notoriamente dispensa apresentações). Eu sabia que ele iria postar algo com uma luz mais crítica e sóbria e menos comercial que as dos jornais. Dito e feito: O homem salvou o texto. Tomei um tempo para refletir e cá estou com a minha pena virtual.

O resultado dessas vinte e quatro horas de pensamento foram que: 1) Trier é mais babaca do que eu pensava que ele fosse. 2) Independente de ser um massacre numa escola, de ser um homem de Neuilly-sur-Seine fazendo sexo com uma camareira ou de ser um cineasta falando bobagem, nunca confie nos jornais, eles não estão nem aí se são honestos ou não. Todos são Charles Foster Kanes da vida. Tanto é verdade que parece que o próprio Gilles Jacob parece ter se deixado levar na onda e cometeu o erro de banir Trier. Ou o próprio Trier se deixou levar e pediu desculpas (o que me deixou realmente preocupado e me levou a quase acreditar que o Arrebatamento aconteceria nesse sábado).

Sendo um inútil ou não, Trier não merecia ter sido expulso. Deveriam tê-lo ignorado. Expulsá-lo só dará mais corda para o cara.

Ou não. Sempre vai ter gente dando corda pra ele. No Palais des Festivals ou não. O tipo do cara que se pintar a bunda de branco e sair correndo pelado no meio da rua vai ter gente que achará isso lindo.

Só não me digam que Cannes sofre da Síndrome do Politicamente Correto. É lá onde são exibidos filmes como Dente Canino, OK?

Mas agora a pergunta é: Scorsese, você ainda embarca nessa com o Trier?

Por Victor Bruno

sábado, 14 de maio de 2011

O Sabor da Melancia

Tian Bian Yi Duo Yun, 2005 / Dirigido por Ming-liang Tsai

Com Kang-sheng Lee, Shiang-chyi Chen, Sumomo Yozakura, Kuei-Mei Yang e Yi-Ching Lu.

Nota (3/5)

Ao mesmo tempo em que se assemelha a um filme experimental, cheio de longas tomadas, silêncio, Tian Bian Yi Duo Yun torna-se também um filme de arte, mais pela expressividade e pela liberdade que tem de se expressar da forma que deve o que se propõe sem nenhuma barreira. Em meio a uma história estranha e absurda, surgem dois personagens curiosos e distintos. Desde os primeiros momentos do filme, sabemos que aqueles personagens, de alguma forma, se conectarão ao longo do filme, seja por um laço dramático, seja por laços românticos. Mas como isso pode acontecer? Por que eu fiz essa pergunta? Porque são personagens completamente diferentes, dois extremos da vida.

Em Taipe, Taiwan, há um surto de seca horrível causando falta de água e a única, mais barata e agradável forma de contornar a situação são com as melancias, frutas com grande quantidade de água em seu interior. Nesse cenário catastrófico, somos apresentados a duas pessoas: uma jovem mulher solitária que acabara de voltar da França e vive em seu apartamento sem grandes altos; e um homem, um antigo relojoeiro, que se tornou ator pornô e é visinho dessa jovem. Intercalando entre as cenas de sexo do ator pornô com uma atriz e a vida monótona e sem graça da jovem, assim somos apresentados aos dois. Dois extremos, contrastes de personalidades e, desde então, já temos idéia de que estes, a qualquer momento, por mais diferentes que sejam, vão se encontrar.

O filme transcorre em um silêncio angustiante, mas não à toa, pois reflete a vida desses dois personagens, vazias e desesperançosas. O homem, que, mesmo atuando em filmes pornôs, não tem relacionamentos sérios, não convive com outras pessoas e não gosta de melancia. A mulher que procura de alguma forma se aproximar do mundo alugando filmes e das outras pessoas, mesmo que com sua personalidade tímida demais que a afasta das pessoas sem nem conseguir falar uma palavra. E é por acaso que estes dois se encontram, em um parque no meio da cidade clara banhada pelo sol escaldante, o homem dormindo num brinquedo e a mulher, por ver uma garrafa de água ao seu lado, vê a oportunidade de lavar sua melancia. Deste ponto em diante vemos uma aproximação tímida dos dois ao mesmo tempo em que vemos algo novo surgir dentro deles.

Mas então, o que poderia tornar o filme ruim? Bom, quase não há falas no filme, o diretor então pareceu querer estragar o filme adicionando teatros musicais para expressar o que cada um dos personagens sente. Poderia sim, ser uma boa idéia se não fosse tão bobo. Alterna de palhaçadas, brincadeiras coloridas e vergonhosas a danças com guarda-chuvas com estampas de melancia, tão bobo, tão infantil que, se não fosse pelas letras conectando o filme ao espetáculo, seria uma apresentação infantil, o que, normalmente, tira o foco sério e, mesmo que á vezes cômico, do filme. Aquela lentidão quase filosófica é perturbada pelos musicais. A própria lentidão é um fator às vezes ruim, mesmo que refletindo o estado dos personagens. Ao decorrer do filme, vemos o cotidiano de cada um dos dois, o homem que tem sua rotina gravando filmes pornôs e a mulher com sua vida monótona, indo às vezes alugar filmes e por vezes cedendo à curiosidade de entrar na sala privada de filmes pornôs.

O filme se assemelha a um filme experimental. Ming-liang Tsai procura mais experimentar ângulos ousados com sua câmera estática, por vezes no canto do teto ou de baixo de algo, sem muita coisa nova a mostrar. Porém, pode ser um fator a ser levado em conta, pois a falta de movimento da câmera também se torna um reflexo da vida dos dois e a exploração de cada ângulo, uma forma de escapar da rotina, nesse caso, a rotina dos filmes que não ousam em procurar posições de câmera.

Nessa trama absurda (seca, melancias) que mais parece uma desculpa para mostrar o relacionamento do casal com um toque de novidade, vemos aquele desenrolar lento, quase parando. O filme seria muito pequeno se não fosse por uma coisa, uma coisa que salva completamente o filme de todo o desastre: a seqüência final. O ápice, o topo do filme. Ainda que o corpo do filme seja ruim, esse final consegue beirar a perfeição, seja pelo que ele aborda, por como é conduzido e pelos sentimentos que ele passa. É o tipo de final que faz toda aquela lentidão, aquela tortura ser válida, pois é o que se espera e dezenas de vezes mais, a prova de que algo pode acontecer, pode existir. Mesmo que ousado e que soe ofensivo, fazer o quê? É tão inesperado e original que não dá para falar que este filme é de todo ruim ou não encontrar nele algum sentimento, não dar reconhecimento a ele em meio a uma discussão sobre cinema.

O filme também é muito comentado pelo seu exagero no sexo, ainda mais para um filme lançado comercialmente. Mesmo que o ato não seja explícito (penetração), o filme tem um conteúdo sexual ousado com diversas cenas de sexo, masturbação e até mesmo uma ejaculação. Mas isso é necessário.

É um filme que vale a pena assistir, mesmo que por seus momentos finais (não que se deva descartar o desenvolvimento do filme).

Por Pedro Ruback

terça-feira, 3 de maio de 2011

8½, 1963 / Dirigido por Frederico Fellini
Com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimeé e Sandra Milo


(5/5)

Fellini foi o diretor responsável em introduzir o surrealismo no cinema italiano, ao misturar temas de caráter sério às mais psicodélicas formas de expressar a arte. Para ele não havia barreiras entre sonhos, realidade, arte, imagens, cores, sons, memórias, presente, passado, futuro... enfim, tudo isso sempre foi uma massa homogênea na cabeça dele, e seus filmes são a maior prova disso. 8½ é conhecido hoje como a maior representação desse estilo onírico do diretor, por conter em sua essência assuntos de importâncias gigantescas sendo desenvolvidos através das mais improváveis narrativas. Sonhos, memórias, religião, cinema, filosofia, sexo e amor são apenas alguns desses temas tão intensos, que isolados já servem de combustível para um filme inteiro, mas que se unem em um só ingrediente, o mais essencial para o desenrolar de toda a trama: a metalinguagem.

Para quem já assistiu à esse clássico, ficam evidentes as semelhanças entre a realidade e a ficção, de modo que nunca dá para saber até que ponto se encerra uma e inicia-se outra. De fato, Fellini admitiu abertamente que 8½ é um tipo de autobiografia, que passeia por momentos grandes de sua vida, passando por antigos sonhos e lembranças, até chegar à situação atual do diretor naquela época. O ator escalado para encarnar essa imagem espelhada de Fellini é Marcello Mastroianni, um dos grandes parceiros do cineasta, e o personagem em questão é Guido, um cineasta que está passando por uma grande crise de inspiração na realização de sua nova produção. Em meio à devaneios e lembranças, Guido colocará em uma balança tudo o que já passou por sua vida, tentando então estabelecer prioridades que lhe dêem um novo rumo a seguir. Nessa jornada de redescobertas e dolorosas recordações, ele então procurará achar um ponto de inspiração para finalizar seu novo filme.

Três grandes elementos encabeçam a lista de infindáveis lembranças de Guido, talvez a trinca de ases mais mal resolvida de sua vida: seus romances, sua infância e a religião. No que diz respeito aos romances, Guido teve vários e parece nunca conseguir parar. Sua esposa oficial é Luisa, seu grande amor. Suas amantes, no entanto, são infindáveis. Em nenhuma delas ele consegue encontrar satisfação sexual, emocional e intelectual ao mesmo tempo, de modo que nunca se mantém fiel a nenhuma. O resultado é de infindáveis decepções, especialmente com Luisa, que não aceita suas puladas de cerca, mas que parece ser a única que consegue despertar em Guido um tipo de esperança (a semelhança física dela com o estilo de Giulietta Masina, real esposa de Fellini, é inegável).

O segundo assunto em questão é a infância de Guido. Nesse ponto o filme atinge o máximo possível de abstração, perdendo-se em ininteligíveis devaneios na memória confusa de Guido, desde os momentos de felicidade ao lado da mãe até seus traumas mais complexos envolvendo a religião, responsável em oprimi-lo numa época de inocência. Os simbolismos aparecem em enxurrada quando esses assuntos são levantados, às vezes repletos de extravagâncias e pouco preocupados em esclarecer algo ao espectador.

Como já mencionado, a narrativa é bastante irregular (no bom sentido da palavra). Não há divisões concretas entre a realidade e a ficção, obrigando o espectador a redobrar a atenção para saber separá-las. No decorrer de uma cena "normal", por exemplo, podem subitamente aparecer elementos surreais interagindo com os personagens da maneira mais natural possível, montando um verdadeiro palco de bizarrices. Por trás dessa salada mista há ainda críticas sociais e profundas reflexões do próprio Fellini, como é o caso de sua preocupação em fazer um filme verdadeiro, sem mentiras, que seja para o público algo mais do que mero entretenimento casual. Há ainda sua repulsa aos críticos pseudo-intelectuais que insistem em analisar seus filmes nos moldes tradicionais e não percebem seu coração por trás de tudo. Por fim, há um tipo de mensagem de redenção, onde ele deseja reparar erros do passado e reencontrar seu rumo na vida, nem que para isso precise cometer novos erros.

A metalinguagem, por fim, é usada para mostrar o poder da criatividade dentro da ficção. Exemplifica o ápice da vida imitando a arte, e vice-versa. Serve para explicar que a arte nem sempre é compreendida e nem precisa ser, desde que cause impacto ao tocar o espectador com temas de grande e inesgotável profundidade. Talvez confunda um pouco o público com suas imagens sendo sobrepostas sem nenhum tipo de aviso (há momentos em que os próprios personagens param para assistir o filme ao lado do espectador), mas está justamente nesse ponto seu grande diferencial.

Se a vida é tão louca, inexplicável e difícil de levar, ninguém melhor do que a arte para compreendê-la. É por isso que 8½ propõem essa fusão das duas numa única fórmula, brindando o espectador com uma explosão de criatividade mista em melancolia. Afinal, é entre o choro e o riso, o concreto e o abstrato, o real e o imaginário, que cada ser humano tenta encontrar um rumo para seguir.

Por Heitor Romero

04/05/2011

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Sonata de Outono

Höstsonaten, 1978 /Dirigido por Ingmar Bergman
Com Liv Ullmann, Ingrid Bergman, Lena Nyman


(5/5)

Quando o assunto é família, nenhuma abordagem, conclusão, idéia, argumento ou filosofia é simples. As relações familiares são, na certa, as mais difíceis de analisar e entender, por mais que sejam presentes no nosso cotidiano durante toda a vida. Isso porque o ser humano nasceu biologicamente programado para amar a família, aqueles que carregam nas veias o mesmo sangue; mas entra aí um grande impasse no decorrer da vida da grande maioria: lidar com as decepções que nos são acometidas por um parente próximo, um pai ou uma mãe talvez. Na maioria das vezes deixamos passar despercebidas as falhas dessas pessoas, com a idéia fixa de que “família é família”. Portanto, vêm algumas perguntas inevitáveis: nós realmente perdoamos nossos familiares? As feridas causadas por eles podem ser fechadas? Como elas nos afetam a curto e a longo prazo? É possível odiar algum membro próximo de nossa própria família? Em Sonata de Outono, de Ingmar Bergman, todas essas questões são levantadas em uma abordagem crua e seca do relacionamento entre uma mãe e suas filhas.

Charlotte (Ingrid Bergman) é uma famosa pianista que vai passar uns dias na casa de sua filha, Eva (Liv Ullmann). O que, a princípio, era apenas um saudável reencontro depois de anos, torna-se uma grande lavação de roupa suja quando Charlotte descobre a presença de sua outra filha na casa, Helena (Lena Lyman), uma deficiente mental. Agora Charlotte terá de, depois de anos fugindo do assunto, encarar frente a frente Eva e Helena, e colocar em pratos limpos toda a sujeira de um passado marcado por negligência a ausência.

Nesse drama a figura materna ganha um aspecto diferenciado daquele que geralmente nos vêm à mente, cheio de amor e compreensão. Charlotte é uma mãe omissa, que dedicou toda sua vida aos seus concertos de piano, colocando Helena num asilo e deixando Eva na solidão. Isso, ao contrário do que ela poderia imaginar, marcou Eva de uma maneira irreversível, e somente nessa visita que toda essa revolta virá à tona. Agora ficará clara a fragilidade da relação dessas três mulheres, assim como será exposta a dificuldade em lidar com tantos sentimentos densos, como perdão e reparação, entre família.

Entra então a genialidade de Bergman em captar esses momentos entra em ação. Não há espaço para grandiloqüências estéticas ou muita frescura e sentimentalismo, assim como o roteiro nunca toma partido a favor de um personagem. Bergman se limita a apenas retratar uma situação, sem apontar culpados e inocentes, focando-se em expor a forma como alguns temas multiplicam de intensidade e força quando o contexto é o âmbito familiar. Afinal, tudo o que Eva foi submetida graças à Charlotte deveria ser combustível para alimentar um sentimento de ódio eterno; mas será possível odiar a própria mãe, a figura mais forte e presente no conceito geral de família?

A atuação do trio de atrizes principais é algo memorável. Liv Ullmann, atriz-fetiche de Bergman, como sempre, ganha o papel mais denso e repleto de camadas. Eva se mostra doce e carente a princípio, recebendo sua mãe com todo o carinho que se poderia esperar de uma filha, e cuidando de Helena com extrema abnegação. Mas com o desenrolar da trama entenderemos todos os traumas dela, os sentimentos reprimidos, de modo que ela vai adquirindo outra imagem, agora mais incisiva e menos passiva. Ingrid Bergman, por outro lado, tem uma performance baseada na “desconstrução” de sua personagem. Num primeiro momento Charlotte se mostra altiva e poderosa, mas vai se desmoralizando com o remorso e com a consciência pesada por nunca ter sido uma boa mãe, mostrando enfim redenção, e ficando à mercê do perdão de suas filhas. Lena Lyman, que interpreta Helena, tem a oportunidade de mostrar um talento cênico apuradíssimo, nunca caindo na tentação de exagerar demais nas caras e bocas, e focando-se numa linguagem corporal essencial para arrebatar o espectador com a condição deplorável de sua personagem, que além de sofrer com suas deficiências físicas, deve aturar o desprezo e repulsa de sua mãe.

Por trás de tudo, como um fio condutor que une todo esse leque de temas tão profundos, há uma atmosfera musical muito presente, responsável em nomear o filme. A música é algo em comum entre os personagens e sua influência naquela família é tanto benéfica quanto opressiva. Afinal, apesar de todos ali amarem a música, foi ela a responsável em manter Charlotte tanto tempo longe de suas filhas e marido.

Sonata de Outono é um filme completo, competente ao abordar com eficiência máxima tudo o que se propõe a analisar. Talvez seja um exemplar raro de filme que expõe a família com tanta clareza e verdade, sem se apegar a estereótipos falidos e a regras infundadas que reinam sobre tantas outras produções. Nunca antes (e nunca depois, até agora) o cinema se mostrou tão frio, e ao mesmo tempo intenso, ao colocar em pauta temas tão pertinentes na sociedade, em especial a difícil e nunca bem compreendida tarefa de amar as pessoas que estão ligadas a nós eternamente por laços inquebráveis.

Por Heitor Romero

02/05/2011

domingo, 1 de maio de 2011

Como Você Sabe

How Do You Know, 2010 / Dirigido por James L. Brooks
Com Reese Witherspond, Paul Rudd, Owen Wilson, Jack Nicholson e Kathryn Hahn


(3/5)

O cinema de James L. Brooks é interessante. Tal como Woody Allen, Brooks conta sempre a mesma história, variando apenas tempo, lugar e personagens. As piadas são parecidas, o estilo de humor é o mesmo. Até o esqueleto narrativo é compartilhado. Mas, ainda como Woody Allen, ver seus filmes continua sendo uma experiência agradável e divertida. Não podemos pedir muito dos seus filmes. Não são trabalhos revolucionários, não são ousados: São agradáveis e ponto final.

Logo, não esperava nada demais deste Como Você Sabe (How Do You Know, 2010). O que eu pensava que iria ver? Uma comédia bacana e leve que iria me entreter durante duas horas. O que eu vi? Uma comédia bacana e leve que iria me entreter durante duas horas. Quer algo melhor do que acertar nas expectativas? Não. Coisa melhor é impossível. Portanto, devemos tratar o filme como tal. Uma comédia bobinha, onde não devemos esperar nada demais.

Mas parece que nem todo mundo compartilha esse pensamento. Eu sinceramente me impressionei quando vi que o filme tem apenas uma cotação de 30% no Rotten Tomatoes (aquele famoso agregador de críticas online). Ou seja, apenas 30% dos críticos que assistiram ao filme escreveram positivamente sobre a obra. Agora, das duas uma: Ou eu não sei o que é um bom filme (aposto que muita gente concordou com essa afirmativa), ou os críticos, sinceramente, não souberam como avaliar a obra. (Ainda há uma terceira opção, que diz que todos eles estavam de mau humor quando assistiram ao filme, mas sinceramente acho difícil que 70% deles estavam num dia ruim.)

Acredito que essa recepção fria por parte da crítica (e, surpreendentemente, do público, já que o filme fracassou miseravelmente na bilheteria norte-americana) venha de um certo “preconceito” por parte das pessoas quanto ao gênero comédia. Nos dias de hoje, quando nós já estamos tão saturados de filmes estúpidos e nojentos, um lugar para um filme no estilo de Como Você Sabe é meio difícil. Considerei este filme uma espécie de screwball comedy dos tempos modernos. E tenho certeza de que não estou equivocado. Diálogos rápidos, personagens neuróticos, história girando em torno de uma mulher... está tudo lá!

Agora, não precisa ser nenhum Roger Ebert da vida para notar que L. Brooks tem problemas sérios na construção do roteiro. E, sendo bem sincero, existe a vaga impressão de que ele elaborou sua história com mais pretensão do que o recomendável. O que era para ser um simples triângulo amoroso transformasse num emaranhado mal ajustado de histórias. Elas têm um eixo narrativo coerente? Têm. Mas não está bem construído.

Lisa (Reese Witherspond, fofa) é uma talentosa jogadora de beisebol. O problema dela é um só: Está ficando velha – tem 31 anos (sem contar que é 0.3 segundos mais lenta do que os outros quando chega na primeira base, conforme observa seu novo treinador). Por conta disso, será cortada do time. Ao mesmo tempo, ela começa a namorar o proeminente e arrogante jogador Matty (Owen Wilson), um homem boêmio (falando da forma mais elegante possível) e que não tem limites quando o assunto é excentricidades. Matty é bonito, rico e seguro de si.

Mas eis que surge na história George (Paul Rudd), um inseguro e ansioso e paranoico executivo. Ele tem um grande problema em mãos: Acabou de ser indiciado pelo Governo norte-americano por fraude na documentação da sua empresa. Enriquecimento ilícito, eles dizem. Para completar, George acabou de terminar um namoro com Terry (Shelley Conn). Resultado: O rapaz está um caco. George se apaixona imediatamente por Lisa e o cenário está completo.

Só que o diretor-roteirista Brooks não sabe como resolver, como montar seu filme – ou melhor, sua história. Lembra quando eu disse que ele montou de forma pretensiosa um emaranhado de histórias mal resolvidas? Aliás, eu deveria ter dito que são histórias mal resolvidas e mal conectadas. O homem pula de um segmento para o outro de uma forma estranhamente tresloucada. Felizmente o entendimento do filme não é prejudicado, o que não torna esse erro um grande pecado, mas faltam pontos de referência. Os segmentos permanecem em aberto, existem reticências ali.

Eventualmente – e fatalmente, também – isso afeta o desenvolvimento das personagens. É público e notório que, por passarem mais tempo em cena e por terem as histórias melhor desenvolvidas, Paul Rudd e Reese Witherspond cativam mais o público – afinal, sabemos mais sobre aqueles caras. Na outra mão, Owen Wilson não passa de um sacana filho da mãe arrogante que já transou com pilhas de mulheres (o cara tem uma gaveta com escovas de dente só para as suas garotas!) e Jack Nicholson... bem, permitam-me ser franco, qual a real função de Jack Nicholson nesse filme? Nicholson não deve ter mais que 20 minutos de cenas, pouco faz para mostrar o enorme talento que o consagrou (não que ele esteja ruim aqui). De fato, Nicholson só vai ter uma real importância neste filme já no finalzinho. Entretanto, uma das melhores gags dele em Como Você Sabe é dele, bem na cena final.

Mas não podemos crucificar L. Brooks por cometer todas essas falhas que eu citei, muito menos dizer que eu estou me contradizendo. Um filme – acreditem ou não – não se resume só ao seu roteiro. Um filme é um conjunto de tudo o que está dentro e fora de enquadramento, orquestrado pelo seu diretor: E James L. Brooks faz um ótimo trabalho. Optando pelo método da direção invisível (jamais chamando atenção para si), Brooks repete, basicamente falando, a mesma fórmula que já havia utilizado em Espanglês (Spanglish, 2004), mas desta vez de uma forma mais apurada e amadurecida (comparando de forma grosseira, Brooks me lembrou um pouco o trabalho que Mike Nichols fez em Closer – Perto Demais, apesar de serem dois filmes completamente diferentes). Ele gasta mais tempo refinando seu design de produção e a fotografia. Tome como exemplo a cena onde Lisa encontra George pela primeira vez no restaurante: Preste atenção no vidro do parapeito onde ela está apoiada. Você encontrará marcas de impressões digitais lá. Agora diga: É ou não nos apoiarmos nos vidros dos lugares com a mão, deixando nossas impressões lá? Sim, é. Também observe como o apartamento de George é um lugar em permanente caos e desordem (refletindo um aspecto da sua personalidade). A desenhista de produção Jeannine Claude Oppewall deixa caixas e pilhas de roupas empacotadas e folhas e mais folhas de papéis e documentos em cima das mesas, enquanto o sempre não menos que genial diretor de fotografia Janusz Kaminski deixa o lugar sempre as escuras. Não apenas aqui no apartamento de George, mas também em seu escritório, onde as sombras parecem surgir mesmo quando não há nenhum corpo. Por outro lado, veja que o apartamento da personagem de Owen Wilson é bem iluminado.

Brooks também arranca boas performances dos seus atores, sendo a melhor delas a de Paul Rudd. Rudd consegue sem sombra de dúvidas atuar de forma convincente. Além de atuar muito bem com a voz, recorrendo a uma linguagem rápida e insegura bem woodyallenesca, Rudd também aplica uma linguagem corporal excelente, aplicando-se muito bem a sua personagem. Reese Witherspond também atua muito bem, apesar de sempre morder o lábio inferior e olhar para cima. Sempre. Já Owen Wilson não fede nem cheira. Apenas atua como habitualmente faz.

Agora, assim como aconteceu em Espanglês, o orçamento deste filme é inexplicável. 120 milhões de dólares? Hein?! Não, sério: 120 milhões. Fazer o quê, né? Na vida existem sempre coisas inexplicáveis.

Agora, sendo bem sincero, aqui vai um modo para se divertir enquanto assiste a este filme: Sente-se no sofá, pegue uma tigela de pipoca e um refrigerante, chame sua namorada (é um filme para dois, pode apostar) e esqueça dos seus problemas. No que se propõe, Como Você Sabe é bem eficiente, apesar do seu título quase inexplicável.

Por Victor Bruno

01/05/2011

A Vida e Morte de Peter Sellers

The Life and Death of Peter Sellers, 2004/ Dirigido por Stephen Hopkins
Com Geoffrey Rush, Charlize Theron, Emily Watson, John Lithgow, Miriam Margoyles, Stephen Fry, Peter Vaughan e Stanley Tucci.


(2/5)

Para começar este texto, lanço uma afirmação que, acredito eu, poucos leitores irão discordar: Peter Sellers foi um artista único e incrível. Ao longo de sua carreira, Sellers se mostrou um ator de versalitidade impressionante, interpretando personagens que se tornaram marcantes, como o Inspetor Clouseau da série de filmes "A Pantera-Cor-de-Rosa", o Dr. Fantástico do filme de mesmo título (um dos melhores de todos os filmes, em minha humilde opinião) e o jardineiro Chance, de "Muito Além do Jardim", além de tantos outros. Porém, embora tenha tido um grande sucesso em frente às câmeras, o ator tinha uma vida particular extremamente complicada, e é principalmente esta que o diretor Stephen Hopkins aborda em "A Vida e Morte de Peter Sellers".

O filme trata, basicamente, de como Peter Sellers (interpretado magistralmente por Geoffrey Rush, de quem falaremos mais adiante) era incapaz de conciliar o sucesso no cinema com estabilidade familiar. Essa dificuldade em equilibrar os dois lados de sua cinema acabou provocando o fim de seu casamento com Annie Sellers (Emily Watson), a quem sempre amou, e posteriormente um novo divórcio de Britt Ekland (Charlize Theron), além de mais dois casamentos fracassados. Ao mesmo tempo, praticamente não tinha amigos, a não ser o diretor Blake Edwards (John Lithgow), com quem trabalhou por cerca de 20 anos e com quem também mantinha uma relação difícil. A depressão e os crescentes problemas de saúde acabaram o levando à morte, aos 54 anos de idade.

Como a sinopse acima dá a entender, o filme é basicamente uma biografia deste grande ator, sem grande inventividade por parte do roteiro, e muito menos do diretor. Muito pelo contrário, todas as vezes em que Hopkins tenta fazer algo "diferente" (basicamente algumas seqüências em que Geoffrey Rush assume outros personagens, como a mãe, a esposa ou o pai de Peter Sellers, e se dirigindo à câmera em primeira pessoa), tudo soa forçado e gratuito, sem razão de terem sido incluídas no filme. Para piorar, há uma cena tenebrosa, uma tentativa do diretor em criar algo "psicodélico", como Rush interpretando o personagem de Sellers no filme "Um Beatle no Paraíso", que acaba caindo no puro mau gosto.

Mas o próprio Rush é o grande trunfo e a força vital desta biografia. Para todo fã dde Peter Sellers (como este que vos escreve), é impressionante a atuação de Rush, tanto em termos de semelhança física, como os trejeitos e marcas caracterísitcas do comediante. E os melhores momentos momentos do filme são exatamente aqueles em que Rush interpreta Sellers interpretando alguns de seus personagens! Nesse sentido, é um deleite todas mas seqüências que mostram o processo de criação dos personagens do filme "Dr. Fantástico", de Stanley Kubrick (aqui interpretado por Stanley Tucci): está lá a icônica cena da sala de guerra, com a conversa no telefone entre o presidente americano (Geoffrey Rush/Peter Sellers) e o presidente soviético, e ainda as discussões entre Sellers e Kubrick, que gostaria que o ator interpretasse quatro personagens no filme ( o quarto seria o comandante do avião), mas este recusou.

A atuação de Geoffrey Rush é tão impressionante que o próprio Blake Edwards, recentemente falecido, afirmou ter sido esta a maior interpretação que ele já tinha visto. A fala de Edwards pode ser um exagero, mas de fato é tão impressionante o trabalho deste grande ator australiano, que por vezes parece ser o próprio Sellers atuando no filme. O restante do elenco também se sai bem, com destauqes para Emily Wtason, ótima no papel da primeira esposa do ator, e John Lithgow, sempre competente. A única questão que fica é: por que foi escalado Stanley Tucci para interpretar Stanley Kubrick, um dos melhores (senão o melhor) diretores de todos os tempos? Não somente Tucci não tem qualquer tipo de semelhança com Kubrick, como também é um ator limitadíssimo, e fica a sensação de que um ator mais competente poderia ter feito melhor jus ao genial diretor.

No fim das contas, "A Vida e Morte de Peter Sellers" é um filme correto, um tanto mal dirigido, mas que ganha força graças à atuação soberba de Geoffrey Rush, que lhe rendeu alguns merecidos prêmios, como um Globo de Ouro. Mas que Peter Sellers merecia um filme melhor, que trabalhasse de maneira mais cuidadosa sua vida profissional e pessoal, é inegável, já que talvez tenha sido um dos maiores artistas de cinema de todos os tempos.

Por Douglas Braga

01/05/2011

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