domingo, 16 de janeiro de 2011

Incontrolável

Unstoppable, 2010 / Dirigido por Tony Scott
Com Denzel Washington, Chris Pine, Rosario Dawnson, Kevin Dunn, Kevin Corrigan e Lew Temple


(2/5)

Eu sempre achei que a movimentação da câmera em um filme é algo importantíssimo, primário e óbvio. A vida é movimento. Tudo se move. Enquanto você lê este texto, seus olhos se movem. Até mesmo enquanto você assiste a um filme, seus olhos se movem. Imagine então se você tem que parar um trem desgovernado, sem ninguém conduzindo.

Tony Scott sabe que o movimento nesse tipo desse filme é algo primário. Talvez até deveras formulaico. Entretanto, ele tem a mão pesada. Seus cacoetes cinematográficos são latentes e põem em risco toda integridade do filme. Scott é um cineasta inquieto, talvez até hiperativo, conforme direi à seguir.

Imparável, título nonsense de Incontrolável em Portugal, conta uma história bem pipoquesca, quase um reboot de Velocidade Máxima (Speed, 1994), de Jan de Bont. Tá, estou exagerando. Mas é uma história batida, à moda de Hollywood (a comparação com Velocidade Máxima é válida, levando em conta que Hollywood tem a mania de fazer remakes, por que seus roteiristas são preguiçosos). Baseado em fatos reais (não há expressão mais chamativa que esta), nos é informado, o filme conta a história de uma burrada que tem consequências trágicas. Após perder o seu maquinista, que saiu para trocar o curso da ferrovia, um trem com litros e litros de uma substância altamente tóxica e inflamável está indo de encontro com uma cidade. Os perigos são claros – se o trem não for detido, uma boa parte da cidade vai ser arrasada por uma explosão tóxica.

Enquanto isso Will (Chris Pine) e Frank (Denzel Washington) estão tendo um péssimo dia. Frank não gosta de Will por que Will está trabalhando na ferrovia por que tem familiares “poderosos” na companhia ferroviária. E este é o primeiro dia de Will. Will fica nervoso por que Frank não lhe dá confiança. Frank fica nervoso por que este é o primeiro dia de Will. Frank fica nervoso por que Will coloca quatro vagões a mais no trem. Will e Frank ficam nervosos quando descobrem que o trem desgovernado está vindo em sua direção. A partir daí os dois têm que lutar pela sua sobrevivência, e tentar, claro, parar o trem.

Há algo mais hollywoodiano? Duvido. E é exatamente nesse roteiro bobo, escrito por Mark Bomback (Duro de Matar 4.0, A Montanha Enfeitiçada) onde reside os maiores pecados do filme. Bomback insere uma porrada de subtramas completamente inúteis no filme. Os problemas conjugais de Will e sua esposa, Darcy (Jesse Schram) parecem ter sido estabelecidos no filme apenas para que ele possa conversar com Frank, dentro do trem. Aliás, esse momento do filme é de amargar. Os dois conversam dentro do trem como se não existisse um trem cheio de material químico pronto para explodir a qualquer momento.

Dessa subtrama emergem duas personagens inúteis, Michael, o irmão de Will, que não tem duas cenas. Essas duas cenas, que tem como conteúdo um suposto julgamento para Will, que agrediu sua esposa (embora ele diga que apenas “deu um susto” nela)... não têm a menor relevância. Se perdem. A outra personagem inútil é Darcy, que só tem – também – duas cenas no filme inteiro. E sai do filme do mesmo jeito que entrou: sem fazer absolutamente nada.

Sinceramente, o texto de Incontrolável parece ter sido escrito por um moleque de 12 anos querendo fazer pose de macho. Moleque este que parecia ter um orçamento enorme, para brincar da maneira que bem desejasse. E o moleque aproveitou, e subestima a inteligência do público. Bomback cria situações extremamente ridículas, que, ao que parece, tentam ganhar a simpatia do público. Peguemos por exemplo, uma das tentativas de controle do trem. Um homem desce por uma corda, do alto de um helicóptero. Ele tem que descer no trem, e freá-lo. Acontece que o trem bate em um outro, que tem como objetivo diminuir a velocidade do trem desgovernado. O homem na corda choca-se contra o trem desgovernado e fica gravemente ferido. O comentário do chefe: “Droga. Não deu certo.” Alguma dúvida que essa situação trágica foi utilizada para fazer rir e captar a simpatia do público? Nenhuma. Mas, sejamos francos, é um meio bem infantil.

Tony Scott confirma neste filme algo que eu já suspeitava há anos. Scott é um diretor que não tem o menor controle de cena. Seu estilo é caracterizado, conforme eu disse no início da crítica, por uma compulsão quase incontrolável (com o perdão do trocadilho) de mover a câmera. Não há nada de errado com isso, que fique claro. Como eu falei na abertura do texto, acho primária a movimentação da imagem durante a projeção de um filme. Scott, no entanto, eleva essa primariedade à enésima potência. Auxiliada a edição clipesca e claudicante de Robert Duffy (que trabalhou no seguimento “México” de 11 de Setembro e em A Cela)e Chris Lebenzon (editor tradicional de Tim Burton), o filme parece assumir a uma cruzada contra o espectador. Não sossega enquanto não nos presentear com um ataque de labirintite. (Até agora estou tendo vertigens.) O lado bom dessa abordagem movimentada de Tony Scott é que isso me deu inspiração para um novo neologismo, a ser empregado agora. A fotografia de Ben Seresin para o filme é vertiginesca. Scott revela-se ainda um cineasta preguiçoso. Qualquer um com um olhar mais atento vai notar que o diretor teve preguiça de sua segunda unidade filmar establishing shots (cenas que auxiliam o espectador a saber onde estamos). As mesmas tomadas do trem passando pela paisagem são utilizadas e reutilizadas durante toda a projeção, revelando assim uma direção negligente.

Ao menos Incontrolável oferece algumas atuações OK. Denzel Washington mostra-se seguro, interpretando um papel que já é comum na sua carreira. Chris Pine (do novo Star Treek e de Sorte no Amor) também está bem bacana neste papel. Arrisco-me a dizer que é a sua melhor interpretação (se bem que ele não teve grandes papéis ao longo da sua carreira). Rosario Dawson também faz uma boa participação como Connie.

De todas as interpretações, a que mais me chamou a atenção foi a participação de Kevin Corrigan. Não, ele não faz uma interpretação fantástica. Aliás, ele nem tem uma interpretação. Aqui eu abro espaço para mais uma vez descer a lenha no roteiro pedestre de Mark Bomback. A personagem de Corrigan, Werner, não deve ter cinco falas durante todo o filme. Bomback simplesmente limita o ator a falar apenas uma coisa que realmente valha a pena durante todo o filme. “Este composto químico é usado na fabricação de cola. É altamente explosivo.”

Long story short, Incontrolável é mais um produto pipoca de Hollywood. Não tem nada a oferecer, não quer oferecer nada, e está tudo muito bem assim. Só. Fim de papo. “Nós terminamos aqui, câmbio.”

Por Victor Bruno

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