sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Antes do Amanhecer

Before Sunrise, 1995 / Dirigido por Richard Linklater
Com Ethan Hawke e Julie Delpy


(4/5)

Richard Linklater é o homem dos filmes que tomam lugar em 24 horas. Não é regra, óbvio. Na verdade, a maior parte dos filmes de Linklater tomam lugar em um determinado curso de tempo, dentro de um dia. No caso de Antes do Amanhecer, o filme dura pouco mais de 12 horas. De todo modo, isso não é importante. O tempo, como Céline (Julie Delpy) diz durante o filme, é relativo. Exatamente.

O diretor Linklater, que também escreve o roteiro, ao lado de Kim Krizan, sua amiga e atriz com pequenos papéis nos dois filmes anteriores do diretor, Slacker (Slacker, 1991) e Jovens, Loucos e Rebeldes (Dazed and Confused, 1993), adota para seu filme uma trama absolutamente simples. Tão simples que o termo mais apropriado – e artístico – seria dizer que é “uma trama minimalista”. Um jovem chamado Jesse (Ethan Hawke, antes do amanhecer da fama) está viajando num trem que partiu de Budapeste. Seu destino: Viena. No mesmo trem está a supracitada Céline. Os dois estão sentados em assentos distantes. De repente um casal alemão começa a discutir e, junto com isso, a incomodar Céline. Ela muda de assento, sentando-se próxima a Jesse. Eles começam a conversar.

Quando o trem chega a Viena os dois já se tornaram amigos, compartilharam confissões de infância (Jesse afirma ter visto, quando tinha três anos, “ou três anos e meio, não sei direito”, o espírito da sua bisavó morta, entre um arco-íris feito pelo spray da água da mangueira no quintal). Jesse convence Céline a saltar do trem (ela continuaria a viagem até Paris) e caminharem por Viena até o amanhecer, quando o próximo trem chegará. Ela aceita, e os dois começam a desenvolver um amor.

Banal? Sem dúvidas. Não importa. A banalidade é o ponto forte de Antes do Amanhecer. Linklater filma seu roteiro de forma absolutamente simplória. Decisão de mestre. Não é à toa que ele é considerado um dos grandes nomes do cinema independente dos últimos quinze anos.

Mas apesar de toda esta banalidade, o roteiro deste filme é extremamente difícil de acontecer. Por que? Simples. Ao contrário do que diz o primeiro mandamento de todo e qualquer roteirista, Antes do Amanhecer não oferece um arco dramático, como 99.9% dos filmes fazem. O filme caminha apenas num fiapo de trama – dois jovens que começam a se amar durante um período de tempo de doze horas. Apesar dessa “dificuldade de acontecimento”, este fiapo de trama oferece infinitas possibilidades para Linklater explorar um dos seus principais cacoetes, que é exatamente a banalidade. Jesse e Céline discutem durante os 101 minutos de filme coisas que você e eu discutimos durante o dia a dia – isto é, amores, amigos, relacionamentos passados, etc. E como todos as personagens do diretor, eles são semi-intelectuais extremamente inteligentes. Na verdade, Jesse pode ser um revival de um dos estudantes anti-sociais de Jovens, Loucos e Rebeldes. Só que Jesse não é anti-social.

E o diretor adora este seu estilo de roteiro. Na verdade, até trás algumas teorias interessantes. Numa cena, dentro de um bonde, feita com apenas um take, de quase dez minutos, Jesse, em determinado ponto, fala o seguinte:

Jesse – Você acredita em reencarnação?

Céline – Sim. Acho uma ideia interessante.

Jesse – Então você acredita que quando morremos, nossas almas vão para outras pessoas, renascemos, esse tipo de coisa, certo?

Céline – Aham.

Jesse – Mas vamos... vamos partir do seguinte princípio. Há, tipo, 10 mil anos atrás nós éramos, aproximadamente, dois milhões de pessoas, certo? Mas agora, nós somos seis bilhões de pessoas. A minha pergunta é: de onde vieram as outras almas? Huh?

Céline – É uma pergunta interessante.

Jesse – Sim, é. Mas – veja. Olhe, na melhor das hipóteses nós podemos ser... fragmentações das outras almas. Mas mesmo assim não faz sentido. Se nós viemos de uma só alma, por que vivemos tão distantes uns dos outros?”

Esse tipo de conversa, que não tem influência alguma durante toda projeção, é repetida e repetida e repetida. Mas é isso aí mesmo. Quando estamos entre amigos, entre colegas e até entre nossas namoradas, nós não falamos sobre bobagens completas? Eu creio que é exatamente por isso que o filme é tão bem-sucedido, e de fácil apego por parte do público (eu particularmente fiquei bem apegado ao filme.). É por isso – pela sua banalidade. Seu modo simples de enxergar o mundo.

Simplicidade que se estende até a direção. Linklater não é exatamente conhecido por mexer muito na sua câmera, movimentos rebuscados, piruetas visuais impressionantes, como outros cineastas do VCR (turma formada por diretores independentes, nascidos durante a década de 90, que aprenderam seu ofício assistindo a um grande número de filmes, como Quentin Tarantino e – o melhor de todos – Paul Thomas Anderson). O diretor prefere empregar o mínimo de movimentos possíveis. De fato, a câmera só se move enquanto os personagens andam. A utilização do Steadicam aqui é constante, já que estamos falando de um filme que sobrevive de diálogos, e os personagens estão passeando por uma cidade. Fora isso, Linklater nega totalmente a movimentação, inclusive quando a câmera “deveria” se mover. Um exemplo que pode ser citado é a cena em que Jesse e Céline (é interessante por que seus nomes são citados apenas em uma cena) estão dentro de um restaurante, e antes de chegarmos em sua mesa, o filme nos mostram os diferentes aspectos de frequentadores do local. Dois intelectuais discutindo filosofia, dois homens jogando go, uma garota solitária, talvez tendo acabado de romper com o namorado e, finalmente, nosso casal de uma noite.

O filme também mostra a cautela com que Rick Linklater mantém ao filmar sentimentos. Esta fata de movimentação da câmera, e até mesmo a falta de ambição do filme caem como uma luva. Ele é um sujeito sentimental. Não quer nada enorme, de plasticidade visual única. Linklater filma sua obra de modo leve. O primeiro beijo de Céline e Jesse ocorre no alto de uma roda gigante (a Wienese Riesnrad), ao pôr-do-Sol. A maioria dos diretores meteria uma música romântica (ou triunfante), um plano panorâmico de plasticidade inacreditável, e, em segundo plano, o casal. Bonito? Sem dúvidas. Mas comum. O que Linklater faz? Um close. Pouca coisa podemos ver além dos dois se beijando. “Mas é tão... chato”. Chato nada. O beijo não é o principal da cena? É, certo? Por que mostrar outra coisa? E é assim que as coisas correm. Um beijo apaixonado. Apenas sons orgânicos, como a jaqueta de couro que Jesse usa se mexendo. Sem música.

Outra cena que demonstra o talento sem limites que o diretor possui ocorre na cabine de música de uma loja de vinis (lembre-se, estamos falando de um filme de 1995). Ele nos permite ver o exato momento em que os dois se apaixonam, em silêncio, apenas a sensacional Come Here, de Kath Bloom, ao fundo.

Com toda essa qualidade, as atuações de Ethan Hawke e Julie Delpy são de uma qualidade inquestionável. Ethan faz o típico jovem slacker, rebelde sem causa, andarilho, que Linklater tanto gosta de filmar. Julie é uma doce jovem, de beleza incrivelmente comum. Os dois juntos se completam de forma única. São inquestionavelmente uma das grandes atuações da década de 1990.

Richard Linklater percebeu neste filme que a grandeza está na simplicidade das coisas. Nas conversas bobas que nós temos. Você pode até não chorar no fim de Antes do Amanhecer. Mas não pode dizer que não sentiu nada durante o filme. Se disser que não sentiu nada, me desculpe, mas você é um mentiroso. Ou, no mínimo, insensível.

Por Victor Bruno

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