quinta-feira, 22 de julho de 2010

Doutor Jivago

Doutor Jivago
Doctor Zhivago, 1965

Dirigido por David Lean
Roteiro de Robert Bolt (baseado no livro de Boris Pasternak)
Com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Tom Courtenay, Rod Steiger, Alec Guiness

Eu tenho o livro de Boris Pasternak, da editora Best Seller. É uma edição de bolso, com a capa vermelha e lateral cinza. Eu fiz uma promessa para mim mesmo que não iria assistir o filme de David Lean (A Passagem para a Índia, A Ponte do Rio Kwai) até lê-lo completamente. Entretanto optei por ler o livro Suave é a Noite, de F. Scott Fitzgerald. Opção infeliz, devo dizer. Deixei de ler um grande livro. A obra do autor de O Grande Gatsby não está me dando satisfação, apesar de ser muito boa.

Eu posso estar enganado, é claro. Muito provavelmente não, por um simples motivo: foi com este livro que Pasternak ganhou um Nobel de Literatura, e se o livro for tão bom como o filme (e é, sem sombra de dúvida), foram os 25 reais mais bem gastos da minha vida.

Neste filme, o subsequente ao clássico Lawrence da Arábia, Lean nos conta a história de Yevgraf Jivago, um general do Exército Vermelho. Certa noite, vendo as trabalhadoras de uma represa saindo, ela pergunta se uma delas, Tonya sabe quem é seu pai. Tonya responde que não. A pergunta é feita por um simples motivo: Yevgraf está em busca da filha de seu irmão, Yuri Jivago. O Doutor Jivago do título. Yevgraf começa, então, a contar a história de seu irmão para tentar fazer a garota recordar suas origens.

É uma premissa talvez simples, mas carrega algo muito interessante. A história se passa nos anos 10-20, nas vésperas da Revolução Bolchevique (1917). Como todos nós sabemos, os operários venceram e tomaram o poder do Kremelin, massacrando a família do czar. As intenções dos Vermelhos eram, obviamente, transformar a Rússia numa Utopia (a obra de Thomas More). Não deu certo e a Revolução Russa foi um desastre que afogou a nação numa completa terra de miséria e desolação.


Lean, em seu filme, através de um grande roteiro (285 páginas) de Robert Bolt (Lawrence da Arábia, O Homem Que Não Vendeu Sua Alma) uma grande peça. Diálogos primorosos. Bolt é um grande escritor do teatro, mas, se em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma o roteiro é a peça principal, o mesmo não acontece em Doctor Zhivago, aliás, é no roteiro onde se encontram as falhas do filme. Ou melhor. A falha.

Num filme com cerca de três horas e 10 minutos de duração, o processo de crescimento e desenvolvimento do filme é muito seguro. Lean dirige com a elegância de um lorde inglês (aliás, ele era um lorde inglês. Na verdade um sir. Sir David Lean). Isso fica provado na belíssima fotografia do filme. Mas ainda não vamos falar disso.

A falha do roteiro de Bolt é não saber que a revolução dos bolcheviques deveria ser apenas uma moldura. --

A falha do roteiro de Bolt é não saber que a revolução dos bolcheviques deveria ser apenas uma moldura? Não, não é isso. A vida de Yuri Jivago está no meio do furacão da Primeira Guerra Mundial, Revolução Bolchevique de 1917 e a Guerra Civil Russa. Vermelhos contra Brancos na imensidão que vai do Leste Europeu até os confins da Sibéria. Não há paz para Jivago, o amor sua esposa Tonya, seu filho Sacha e o seu amor nos tempos de guerra e paz, Lara. Não vejo como a vida de Jivago deveria ter como moldura o painel político russo/soviético daqueles tempos. A decisão foi acertada, e a vida de Jivago está no meio daquele turbilhão de acontecimentos. É Jivago não só é o alter-ego de Boris Pasternak, autor do livro, que sofreu na pele os mesmos sofrimentos do povo russo naquela época; como também é a transfiguração de todos os russos, ricos ou pobres daqueles tempos de violência. Talvez alguns acontecimentos do filme sejam um pouco enrolados. Principalmente na parte antes do intervalo do filme (estamos falando de um roadshow de Lean de 1965, tem abertura e intervalo).

A direção de Lean é elegante, como já disse. Lean fez um trabalho extremamente perfeccionista, construindo uma pequena Moscou do início do último século com mais de 10 acres. Gravado quase todo em locação, com um gordo orçamento (15 milhões de dólares, na época), e um gordo prazo de filmagem. Lean faz um ótimo trabalho de câmera e na direção dos atores. Uma direção impecável, utilizando-se também de metalinguagem, como na cena em que dois personagens terminam a relação. A medida que discussão que o casal briga, a vela vai gradativamente derretendo o gelo na janela. Isso faz um perfeito simbolismo do que estamos vendo aos poucos. Lean também faz uma das primeiras experiências com a técnica do whipe. Alie essa direção primorosa com uma fantástica fotografia de Freddie Young (Nicholas e Alexandra, Lawrence da Arábia) que se utiliza de uma forma genial das cores do cenário (normalmente brancas por causa da neve).


Omar Sharif faz o papel da sua vida neste filme. Geraldine Chaplin (adivinhem o pai), em seu primeiro papel no cinema, fazendo a interpretação de um dos principais papeis, da esposa de Yuri Jivago, não se sai mal. Aliás, achei sua performance morna, indiferente ao resto dos atores. Julie Christie faz uma grande performance, sem entrar num melodrama completo, entretanto não é insossa como Chaplin (Geraldine, lógico). O único americano do trio, Rod Steiger, faz um papel de um fanfarrão bêbado com cheiro de vodca russo, similar aos exemplares que encontramos nos livros de Dostoiévski. Apesar de algo tão caricatural, Steiger faz uma boa participação.

Falar de Doutor Jivago e não falar da sensacional trilha sonora de Maurice Jarre é um pecado punível com a morte. O famoso Lara's Theme (Tema de Lara) é o maior hit das paradas de sucesso de formaturas, bailes e festas regadas a champanhe dos últimos 100 anos. Sem exageros. Minha mãe reconheceu o tema de cara. Infelizmente não me surpreenderia se não ganhasse o Oscar de Melhor Trilha. Estamos acostumados à erros e crimes por parte da Academia.

Todavia, uma coisa ainda me incomoda após tudo isso. O filme não teve boa aceitação da crítica na altura do seu lançamento. Mas foi um sucesso tão grande que se nós somarmos todas as receitas dos filmes de Lean, juntas, ainda não cobriria os lucros deste filme. agora eu estou preocupado se eu estou achando que Doctor Zhivago é um O Poderoso Chefão quando na verdade é um Avatar.

Não... não é. É genial. Dane-se Pauline Kael. Não tenho culpa se Lean é maravilhoso.
I wouldn't take the advice of a lot of so-called critics on how to shoot a close-up of a teapot.
Perfeito Sir Lean, perfeito.

Nota: 5 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

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