terça-feira, 9 de novembro de 2010

Paris, Texas

Paris, Texas

Paris, Texas, 1984
Dirigido por Wim Wenders
Adaptação de L.M. Kit Carson
Roteiro de Sam Shepard
Com Harry Dean Stanton, Dean Stockwell, Hunter Carson, Aurore Clement, Natassja Kinski

Já dizia o mestre Wes Anderson: "Família não é uma palavra. É uma sentença." Não poderia esta afirmação ser mais correta. Família prende, lhe guia e lhe esmaga. Você não sai de uma família, mesmo que a abandone. Você permanece com ela, mesmo que seja só no sobrenome. Este maldito sobrenome lhe trás memórias, sejam felizes, sejam dolorosas, mas trasem. Toda vez que você pensa que sai, ela lhe puxa de volta.

E é sabendo disso que o lendário cineasta alemão Wim Wenders (Asas do Destino, Quarto 666) faz, talvez, seu mais famoso, e melhor, filme. Paris, Texas é um filme tocante, singelo, absurdamente simples e igualmente fantástico. Uma história que, assim como as famílias, lhe pega quando você pensa que já saiu (ou, no caso, superou o que acabou de ver). É simplesmente fenomenal o trabalho que Wim Wenders faz neste filme para contar a história de Travis (Bickle?). Um homem atordoado, entorpecido, sem destino ou memória, que vive num cenário interior desolador.


Inicialmente conhecemos Travis (Harry Dean Stanton e suas orelhas de abano) numa cena lendária. Ele está no meio do deserto do Mojave, num ponto esquecido por Deus, com aminésia e um galão de água, vestido num terno absurdamente surrado e com um boné de baseball. Não há sinal de civilização por milhas e milhas de distância. Então ele começa a andar.

Após desmaiar num bar enquanto comia gelo, Travis vai parar no hospital. Com base em seus documentos o médico chama por seu irmão Walt (Dean Stockwell) para resgatá-lo. A partir deste momento sabemos que Travis estava desaparecido por quatro anos e tem um filho e sua esposa (Natassja Kinski) também sumiu. Tudo o que se sabe é que ela manda mensalmente dinheiro para mesada do filho, que se chama Hunter (Hunter Carson). O resto do filme concentra-se "volta para si" de Travis e no seu esforço para recuperar o amor do filho perdido e, quem sabe, juntar-se novamente a esposa.

O brilhantismo de Wenders é nítido desde o primeiro frame do filme. O modo como o cineasta alemão divide o filme e o seu senso de timing é perfeito. Primeiramente o Paris, Texas é um road movie que toma lugar no deserto desolador e escaldante do Texas, depois vira um intenso drama familiar de reconquista do amor (a segunda melhor parte do filme, com certeza), a volta para o road movie e o retorno do drama familiar, agora como tema o reencontro. Estas quatro divisões são fundamentais para a compreensão. E estas quatro divisões são suficientes para Wenders destilar todo o seu talento.

Auxiliado por um denso roteiro escrito pelo ator e dramaturgo Sam Shepard (também escritor de um outro filme de Wenders, A Estrela Solitária e um dos autores do retumbante fracasso de Michelangelo Antonioni, Zabriskie Point), Wenders constrói diálogos ímpares na história do cinema. E cenas ímpares também. O que não dizer da cena em que Travis vai buscar seu filho pela primeira vez, e volta de mãos vazias por que Hunter, o garoto, acha as roupas do pai simplesmente ridículas? Paris, Texas é um retrato maravilhoso de um homem que quer sua identidade de volta e, no processo, acaba em trânsito, com uma mudança de valores (no caso de Travis, ele não tinha nenhum, pois nem memória tinha).


Além de tudo isso as atuações do elenco são ótimas. Harry Dean Steanton é um ótimo Travis. Sua cara espantada no início do filme é um porta-retrato perfeito para sua personalidade entorpecida. Dean Stockwell está ótimo, assim como Aurore Clement. O iniciante Hunter Carson está perfeito em seu papel (sim, ele está muito confortável com a personagem que leva seu nome). Para completar o time de protagonistas, Natassja Kinski está perfeita em uma peruca loira. Aliás, sua atuação na cena do espelho está linda.

Paris, Texas é o título perfeito para esta tour de force pela mente do seu protagonista. Uma análise psicológica ímpar na história do cinema, uma viagem ao deserto que cerca Travis, mesmo quando está cercado de gente. Este deserto o deixa sem destino. Quando Travis volta a si, descobre as coisas do seu passado, parece pensar se não era melhor estar no deserto, sem ninguém. Ele percebe que é um estranho no ninho. Um ser falso. A piada que seu pai contava sobre sua mãe é uma metáfora até sobre si mesmo. E esta tour de force tem como a cereja no bolo a fotografia perfeita de Robby Müller e a trilha sonora tocante de Ry Cooder. Todos estes elementos convergem para uma cena única, a melhor do filme, e talvez o melhor acerto de contas na história do cinema: a supracitada cena do espelho.

Paris, Texas é a metáfora do deslocamento. Um lugar chamado Paris não é para estar no Texas. Assim como Travis não deveria estar no deserto, ou em lugar algum, que não seja com Jane e Hunter. E nem isso ele parece conseguir fazer direito. Travis é quase um Iuri Jivago. Um Werther da vida.

"Papai dizia que conheceu a mamãe em Paris. Daí ele fazia uma pausa e concluia: 'Texas. Paris, Texas'. Era uma piada muito engraçada. Até que ele realmente passou a acreditar que a conheceu em Paris."


Nota: 5 estrelas em 5

Por Victor Bruno

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