Dung che sai duk, 1994
Dirigido por Kar Wai Wong
Roteiro de Kar Wai Wong (baseado no livro de Louis Cha)
Dirigido por Kar Wai Wong
Roteiro de Kar Wai Wong (baseado no livro de Louis Cha)
Com Leslie Cheung, Tony Leung Ka Fai, Jacky Cheung, Tony Leung Chi Wai, Maggie Cheung, Brigitte Lin, Charlie Yeung
Os wiuxa são mais conhecidos por mostrarem intensas batalhas, de cinco em cinco minutos, com litros e litros de sangue escorrendo na tela. Os mestres deste gênero são atores como Bruce Lee, Sonny Chiba e outros tantos atores. É inegável que o wiuxa é mais voltado (se não totalmente) para a diversão do que para a filosofia. O que é interessante por que samurais e guerreiros solitários têm uma própria filosofia de vida, mas raramente é explorada.
O cineasta Kar Wai Wong (2046: Os Segredos do Amor, Amores Expressos) quis fugir à regra. Ao entrar neste verdadeiro campo minado, Wong corria um sério risco de queimar seu nome. Estragar um gênero com nomes tão conhecidos para o que poderia ser considerada uma egotrip fútil, uma masturbação que -- assim como todas -- só agradaria a ele mesmo.
É assim que surge Cinzas do Passado, a quarta incursão de Wong pelo cinema. Neste filme o cineasta oriental pega um mercador da morte (esta é a melhor forma de descrever a personagem) chamado Ouyang Feng (interpretado por Leslie Cheung). Ele é proveniente de um local chamado Montanha do Camelo Branco. Feng mora no meio do deserto de Gori, num lugar aparentemente esquecido por Deus e onde todos da região respiram violência. Em duas determinadas épocas do ano acontecem duas coisas distintas: na primeira um amigo de Feng chamado Huang Yaoshi (Tony Leung Ka Fai) sempre vem visitá-lo. Na segunda Ouyang vai trabalhar, por que todo mundo, em sua visão de mundo, já sentiu vontade de matar alguém. Ele apenas intermedia o desejo para a realização. Claro, com um bom pagamento, óbvio. Por que "matar não é difícil. A dificuldade é sair sobreviver."
OK. O filme está cheio de erros e falhas. A primeira delas é bem simples: não ter um fio narrativo. Simplesmente não há história! Não que isso seja realmente um problema (vide Waking Life, de Linklater), mas... Kar Wai Wong, nesta tour de force pela mente da personagem simplesmente nos joga no meio do deserto com este rapaz e daí é conosco. (Ou seja, a tour de force na verdade é do espectador em entender aquele emaranhado de cenas que nos são apresentadas.) Vou tentar dar uma breve explicação do que Cinzas do Passado nos mostra:
Na visita do espadachim Huang Yaoshi ele trás uma garrafa de vinho. Neste vinho há uma magia que faz as pessoas perderem a memória gradativamente. É o que acontece com Feng. Acontece? Não. Ao beber o vinho ele tem lembranças de coisas que aconteceram no passado. No primeiro lampejo ele se lembra de um amor que Yaoshi teve com uma esquizofrênica mulher chamada Murong Yin, mas que também acreditava ser o irmão, Murong Yang (percebeu o "Yin" e "Yang"?). Eu não estou bem certo de quem era quem, mas a história era essa.
Em um outro momento Feng lembra-se de uma garota que veio pedir sua ajuda para lutar contra uma gangue que matou seu irmão. A pobre garota era pobre e só podia pagá-lo com ovos e um jumento. Quem em sã consciência lutaria por esta ninharia? Um homem chamado Hung Chi (Jacky Cheung), e aí está uma amarra para outra história contada no filme. E assim vamos nós...
Percebeu, né? Durante os 98 minutos desta nova versão -- chamada de "redux", Deus sabe por que, talvez só para imitar o Coppola e seu Apocalypse Now Redux -- Kar não conta nada, e não quer contar nada que valha a pena ser visto. Na verdade todos os contos podem apenas a justificativa de uma mensagem que ele queira passar lá no final do filme. Eu poderia perfeitamente contá-la, já que ela se mostra totalmente irrelevante a trama -- apesar de servir como final do filme. Cinzas do Passado prova-se um filme totalmente desonesto com o espectador, apesar de ser interessante. E nem queira saber quanto a menina e seu jumento. Ela entra e sai da história sem contribuir em nada, absolutamente nada.
Toda esta dificuldade (não) narrativa que Kar Wai põe em seu filme exige uma boa, senão ótima, interpretação dos atores. Imagine um filme com toda esta complexidade sem atuações imponentes. Certamente seria uma visão do inferno. Felizmente somos compensados por uma maravilhosa interpretação do protagonista Leslie Cheung. Seu olhar perdido quando está se recordando de algo e penetrante quando está nas negociações com os clientes são marcas de uma excelente atuação. Os coadjuvantes (principalmente masculinos, que ganham muito mais destaque na trama) também não desandam na receita.
Mas sem dúvida a mais interessante atuação do elenco é a de Brigitte Lin, como o (a) esquizofrênico (a) Murong Yin/Murong Yang. Realmente haviam momentos da trama que eu parava tudo e me perguntava "É homem ou mulher?" Ponto para Brigitte e ponto para Kar Wai.
Falando em Kar Wai, se seu roteiro é uma bagunça, sua direção nem tanto. Kar se mostra um diretor bastante ousado, conseguindo manter o interesse do espectador em cenas de diálogos longas. Muitas vezes estes diálogos são entrecortados, com inserts de detalhes dos (maravilhosos) cenários montados para o filme, ou da natureza... Isso é desonesto com os atores e com o espectador, mas funciona.
Cinzas do Passado ainda tem como agravante nos seus crimes contra a honestidade a fotografia de Christopher Doyle e Pung-Leung Kwan. Tão esquizofrênica quanto Murong Yin, Kar e seus fotógrafos apostam em cores lisérgicas (auxiliada por uma montagem confusa e esquisita de Kit-Wai Kai e Patrick Tam), em tons amarelos. Há de se saber também que o estilo parece com um filme de Oliver Stone. A impressão que a fotografia passa às vezes é que foi feita com câmeras Super 8, daquelas bem amadoras. É só impressão. Kar achou isso bacana. É completamente irrelevante para o espectador. É elegante? É. Precisava? Não. Dá dor de cabeça? Pode crer que sim.
No final, Cinzas do Passado mostra-se um filme que trás uma filosofia. Ela não é bem utilizada. Ela é estilizada demais. Quer passar existencialismo demais para o espectador. Parece que o cineasta queria dar uma de William Shakespeare em Hamlet, com longos monólogos sobre a vida, a morte e tudo o que as cerca. Eu até pensei em dar quatro estrelas, mas após esta tour de force por mim mesmo e pelo cinema de Kar eu digo: mas que filme medíocre. Visualmente interessante, filosoficamente atraente, mas medíocre em sua arrogância e desonestidade.
E no LSD que Wai usou. E sim, é uma egotrip fútil.
Nota: 3 estrelas em 5
Por Victor Bruno
Os wiuxa são mais conhecidos por mostrarem intensas batalhas, de cinco em cinco minutos, com litros e litros de sangue escorrendo na tela. Os mestres deste gênero são atores como Bruce Lee, Sonny Chiba e outros tantos atores. É inegável que o wiuxa é mais voltado (se não totalmente) para a diversão do que para a filosofia. O que é interessante por que samurais e guerreiros solitários têm uma própria filosofia de vida, mas raramente é explorada.
O cineasta Kar Wai Wong (2046: Os Segredos do Amor, Amores Expressos) quis fugir à regra. Ao entrar neste verdadeiro campo minado, Wong corria um sério risco de queimar seu nome. Estragar um gênero com nomes tão conhecidos para o que poderia ser considerada uma egotrip fútil, uma masturbação que -- assim como todas -- só agradaria a ele mesmo.
É assim que surge Cinzas do Passado, a quarta incursão de Wong pelo cinema. Neste filme o cineasta oriental pega um mercador da morte (esta é a melhor forma de descrever a personagem) chamado Ouyang Feng (interpretado por Leslie Cheung). Ele é proveniente de um local chamado Montanha do Camelo Branco. Feng mora no meio do deserto de Gori, num lugar aparentemente esquecido por Deus e onde todos da região respiram violência. Em duas determinadas épocas do ano acontecem duas coisas distintas: na primeira um amigo de Feng chamado Huang Yaoshi (Tony Leung Ka Fai) sempre vem visitá-lo. Na segunda Ouyang vai trabalhar, por que todo mundo, em sua visão de mundo, já sentiu vontade de matar alguém. Ele apenas intermedia o desejo para a realização. Claro, com um bom pagamento, óbvio. Por que "matar não é difícil. A dificuldade é sair sobreviver."
OK. O filme está cheio de erros e falhas. A primeira delas é bem simples: não ter um fio narrativo. Simplesmente não há história! Não que isso seja realmente um problema (vide Waking Life, de Linklater), mas... Kar Wai Wong, nesta tour de force pela mente da personagem simplesmente nos joga no meio do deserto com este rapaz e daí é conosco. (Ou seja, a tour de force na verdade é do espectador em entender aquele emaranhado de cenas que nos são apresentadas.) Vou tentar dar uma breve explicação do que Cinzas do Passado nos mostra:
Na visita do espadachim Huang Yaoshi ele trás uma garrafa de vinho. Neste vinho há uma magia que faz as pessoas perderem a memória gradativamente. É o que acontece com Feng. Acontece? Não. Ao beber o vinho ele tem lembranças de coisas que aconteceram no passado. No primeiro lampejo ele se lembra de um amor que Yaoshi teve com uma esquizofrênica mulher chamada Murong Yin, mas que também acreditava ser o irmão, Murong Yang (percebeu o "Yin" e "Yang"?). Eu não estou bem certo de quem era quem, mas a história era essa.
Em um outro momento Feng lembra-se de uma garota que veio pedir sua ajuda para lutar contra uma gangue que matou seu irmão. A pobre garota era pobre e só podia pagá-lo com ovos e um jumento. Quem em sã consciência lutaria por esta ninharia? Um homem chamado Hung Chi (Jacky Cheung), e aí está uma amarra para outra história contada no filme. E assim vamos nós...
Percebeu, né? Durante os 98 minutos desta nova versão -- chamada de "redux", Deus sabe por que, talvez só para imitar o Coppola e seu Apocalypse Now Redux -- Kar não conta nada, e não quer contar nada que valha a pena ser visto. Na verdade todos os contos podem apenas a justificativa de uma mensagem que ele queira passar lá no final do filme. Eu poderia perfeitamente contá-la, já que ela se mostra totalmente irrelevante a trama -- apesar de servir como final do filme. Cinzas do Passado prova-se um filme totalmente desonesto com o espectador, apesar de ser interessante. E nem queira saber quanto a menina e seu jumento. Ela entra e sai da história sem contribuir em nada, absolutamente nada.
Toda esta dificuldade (não) narrativa que Kar Wai põe em seu filme exige uma boa, senão ótima, interpretação dos atores. Imagine um filme com toda esta complexidade sem atuações imponentes. Certamente seria uma visão do inferno. Felizmente somos compensados por uma maravilhosa interpretação do protagonista Leslie Cheung. Seu olhar perdido quando está se recordando de algo e penetrante quando está nas negociações com os clientes são marcas de uma excelente atuação. Os coadjuvantes (principalmente masculinos, que ganham muito mais destaque na trama) também não desandam na receita.
Mas sem dúvida a mais interessante atuação do elenco é a de Brigitte Lin, como o (a) esquizofrênico (a) Murong Yin/Murong Yang. Realmente haviam momentos da trama que eu parava tudo e me perguntava "É homem ou mulher?" Ponto para Brigitte e ponto para Kar Wai.
Falando em Kar Wai, se seu roteiro é uma bagunça, sua direção nem tanto. Kar se mostra um diretor bastante ousado, conseguindo manter o interesse do espectador em cenas de diálogos longas. Muitas vezes estes diálogos são entrecortados, com inserts de detalhes dos (maravilhosos) cenários montados para o filme, ou da natureza... Isso é desonesto com os atores e com o espectador, mas funciona.
Cinzas do Passado ainda tem como agravante nos seus crimes contra a honestidade a fotografia de Christopher Doyle e Pung-Leung Kwan. Tão esquizofrênica quanto Murong Yin, Kar e seus fotógrafos apostam em cores lisérgicas (auxiliada por uma montagem confusa e esquisita de Kit-Wai Kai e Patrick Tam), em tons amarelos. Há de se saber também que o estilo parece com um filme de Oliver Stone. A impressão que a fotografia passa às vezes é que foi feita com câmeras Super 8, daquelas bem amadoras. É só impressão. Kar achou isso bacana. É completamente irrelevante para o espectador. É elegante? É. Precisava? Não. Dá dor de cabeça? Pode crer que sim.
No final, Cinzas do Passado mostra-se um filme que trás uma filosofia. Ela não é bem utilizada. Ela é estilizada demais. Quer passar existencialismo demais para o espectador. Parece que o cineasta queria dar uma de William Shakespeare em Hamlet, com longos monólogos sobre a vida, a morte e tudo o que as cerca. Eu até pensei em dar quatro estrelas, mas após esta tour de force por mim mesmo e pelo cinema de Kar eu digo: mas que filme medíocre. Visualmente interessante, filosoficamente atraente, mas medíocre em sua arrogância e desonestidade.
E no LSD que Wai usou. E sim, é uma egotrip fútil.
Nota: 3 estrelas em 5
Por Victor Bruno
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