The Black Cat, 1934/ Dirigido por Edgar G. Ulmer
Com Boris Karloff, Bela Lugosi, David Manners e Julie Bishop
3/5
A década de 1930 foi profílica em termos de filmes de terror. Embora os musicais "dominassem" o cinema norte-americano, com produções moralizantes e que procravam solavancar as esperanças do povo, abatido com a crise de 1929, o gênero do terror (de certa forma influenciado por filmes expressionistas lançados na década anterior) começou a ganhar cada vez mais espaço. Foi neste momento que dois dos maiores astros deste filão cinematográfico atingiram o apogeu de suas carreiras: Boris Karloff e Bela Lugosi. Ambos deram vida a alguns dos personagens mais icônicos do cinema, como Drácula, Frankenstein e a Múmia. No ano de 1934, o diretor Edgar G. Ulmer os reuniu em uma pequena produção, que se tornou um sucesso retumbante para o Estúdio Universal: "O Gato Preto", baseado no conto homônimo de Edgar Allan Poe.
A trama do filme é muito simples, e não guarda praticamente nenhuma semelhança com o conto de Poe supra-citado (na verdade, a suposta "inspiração" na obra do autor parece ter sido muito mais uma campanha de marketing para atrair público). Um casal jovem (interpretados por David Manners e Julie Bishop) está passando a lua-de-mel na Hungria, quando conhecem em um trem o estranho Dr. Vitus Werdegast (Lugosi). Os três saltam no mesmo lugar, e acabam sofrendo um acidente na estrada. Eles são, então, conduzidos para a casa de Hjalmar Poezig (Karloff), aparentemente um amigo de Werdegast que guarda terríveis segredos.
Embora atualmente o filme não cause o mesmo medo que seus contemporâneos deveriam sentir ao assisti-lo, "O Gato Preto" continua sendo interessantíssimo do ponto de vista de um roteiro bem trabalhado e em técnicas de direção. Um exemplo é a demora do personagem de Karloff em entrar em cena: é construída toda uma aura de mistério ao seu redor e, quando Poezig surge pela primeira vez, está envolto em sombras, o que ressalta ainda mais a idéia de que aquele indivíduo possui um passado obscuro, e que o mal envolve a sua casa. Aliás, de metáforas inteligentes (e não gratuitas, como muito se vê hoje em dia) o filme está cheio. O próprio gato preto, muito mais do que um ente físico, funciona como um simbolismo para o mal que permeia todo o ambiente e, indo mais além, para o mal que pode estar dentro de todo ser humano.
Outro ponto do roteiro muito bem trabalhado pelo diretor Edgar D. Ulmer é a relação entre o dr. Werdegast e Poezig. Ambos guardam mágoas profundas um do outro, particularmente o doutor Werdegast, que está tomado de um sentimento de vingança e ódio em relação ao outro (não posso revelar o motivo aqui, mas é realmente algo que causaria um profundo ódio em qualquer ser humano). Entretanto, ao mesmo tempo os dois parecem nutrir algum respeito mútuo, e não tomam nenhuma medida que não seja extremamente calculada. A cena do jogo de xadrez exprime isso perfeitamente: embora seja nítido que um deseja acabar com o outro, eles jogam calmamente, um jogo que também vale o destino do casal de noivos. Estes, aliás, aparecem como meros peões na disputa entre os dois homens, embora Poezig tenha planos tenebrosos em relação à moça. E, embora a metragem possa parecer excessivamente curta (afinal, são apenas 65 minutos de duração), no final das contas são suficientes para dar conta de todas as situações relevantes para a trama.
Assim, os dois homens passam a madrugada e o dia seguinte remoendo amarguras do passado. Como o personagem de Karloff afirma em um determinado momento: não somente os 10.000 homens que pereceram na Primeira Guerra Mundial na região aonde ele contruiu sua casa estavam mortos, mas ele e o doutor Vitus também não passam de "mortos-vivos", homens sem alma e sem expectativas, que simplesmente seguem suas vidas em função de acontecimentos do passado. A atuação dos dois atores foi fundamental para transmitir todos estes sentimentos ambíguos e obscuros um em relação ao outro, e que só são colocados à prova no ótimo clímax do final.
Após "O Gato Preto", Boris Karloff e Bela Lugosi ainda aturam juntos mais sete vezes ao longo das décadas seguintes. Mas foi este filme de 1934 que catapultou de vez a carreira de ambos, e de forma merecida. Mesmo que hoje em dia não cause o mesmo efeito que no passado, "O Gato Preto" merece ser conferido por ser bom cinema, e bom cinema é sempre imortal.
Por Douglas Braga
24/06/2011
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