domingo, 5 de junho de 2011

Luzes da Ribalta

Limelight, 1952/ Dirigido por Charles Chaplin

Com Charles Chaplin, Claire Bloom, Sydney Chaplin e Buster Keaton


(5/5)

O cinema de Chaplin sempre contou com uma fórmula infalível que abrangia elementos distintos, mas que misteriosamente funcionavam em perfeita sintonia quanto juntos, como humor, melancolia, otimismo, sátira e arte. Claro que, aos olhos dos mais desatentos, o que sempre se sobressaiu nesse meio foi a comédia. De fato, a comédia é o ingrediente principal dessa fórmula, mas não funcionaria tão bem sem os elementos secundários. Com o passar dos anos e com a banalização de muitos diante de seu cinema, Chaplin foi perdendo aos poucos seu apurado senso de humor para dar lugar à melancolia. No fim de sua carreira, portanto, só conseguimos notar filmes focados em premissas deprimentes e amargas. Em Luzes da Ribalta, o mais lírico e também mais triste filme de sua filmografia, Chaplin se rende depois de anos lutando por seus ideais.

Deixando um pouco de lado as óbvias coincidências, nos concentremos apenas no enredo, que gira em torno de Calvero, um palhaço decadente. Há muitos anos sem experimentar a glória de ser aplaudido por um público, Calvero agora vive de tocar instrumentos musicais na rua em troco de algumas esmolas, como um verdadeiro vagabundo. Sua vida ganha outro rumo quando salva a jovem bailarina Terry, sua vizinha, do suicídio. Depressiva e melodramática, Terry não consegue mais andar depois de um colapso nervoso, o que a impede de seguir em frente com sua carreira. Com o suporte e encorajamento de Calvero, Terry voltará a andar e atingirá o estrelado, ao mesmo tempo em que seu amigo palhaço afunda cada vez mais no esquecimento.

A vida dos dois personagens é tão miserável que fica impossível não se sentir incomodado. A princípio os dois parecem apenas desapontados com suas carreiras, mas aos poucos veremos que o que realmente os aflige é a vida. Cansados de viver e de lutar por um reconhecimento que talvez nunca chegue, os dois são verdadeiros artistas que perdem o rumo quando percebem que o mundo ao redor é fútil e indiferente às coisas que realmente valem a pena. Calvero experimentou a fama e sabe o que é ser reconhecido, mas também sabe o que é envelhecer e não se adaptar às mudanças do público. Terry ainda é jovem e tem muito pela frente, mas é tão precoce e sofrida que sabe que, mesmo que um dia faça sucesso, acabará sozinha e esquecida assim como Calvero. Ambos amam a arte e vivem por ela, mesmo sabendo que se trata mesmo, no fim das contas, de pura ingratidão.

É então que as semelhanças já mencionadas com a vida de Chaplin vêm à tona. Chaplin também era um comediante em decadência e via todo seu legado ir pelo ralo com o surgimento do cinema falado, que matou seu personagem mais famoso, o Vagabundo (inclusive Calvero, em alguns momentos, imita alguns trejeitos do personagem e até se autodenomina de vagabundo). O mundo tinha acabado de se recuperar dos destroços da Segunda Guerra Mundial e parecia não ter aprendido nada. A América o exilou do país e o obrigou a se refugiar na Europa e, de repente, tudo o que ele havia batalhado para construir no cinema estava ficando para trás. O humor dele estava caindo em repetição e já não agradava a nova geração, que só queria saber da "novidade" dos filmes falados e coloridos. Chaplin já não era o maior nome do cinema e o mundo lhe tinha dado as costas.

A coisa não é diferente para a personagem de Claire Bloom, Terry. Para construir a personagem, Chaplin se baseou na vida de sua mãe, que era uma famosa cantora e atriz, mas que perdeu tudo depois de contrair uma doença na laringe e perder sua voz, sendo rapidamente substituída e esquecida, assim como aconteceu com Terry depois perder funcionamento de suas pernas. No caso da mãe de Chaplin, ela enlouqueceu e foi mandada para um asilo. Para Terry, Chaplin inventou Calvero, uma salvação que ele gostaria de ter sido para sua mãe.

Luzes da Ribalta também foi o filme responsável em dar à Chaplin seu único Oscar, de trilha sonora (que só foi entregue anos depois e desbancou a trilha de O Poderoso Chefão). Marca também uma inesperada parceria entre Chaplin e Buster Keaton, considerado o grande rival do cineasta na época dos filmes mudos. Keaton interpreta um parceiro de Calvero nas apresentações em um teatro. Ver esses dois gênios da comédia em um real número de humor é uma experiência única e inestimável.

Repleto de um tipo de beleza triste, Luzes da Ribalta é um tipo de despedida de Chaplin ao mundo, embora tenha ainda realizado outros filmes depois. Trata-se de uma cinebiografia disfarçada, onde o cineasta expõe tudo o de mais importante que já passou por sua vida, assim como expõe sua visão do mundo, sempre esperançosa apesar das oposições. Mais do que isso, é um legado que ele deixa a todos os artistas, que sabem como é difícil seguir esse rumo, mas que não podem escapar de sua sina. Não vale a pena ser visto por aqueles que procuram aquele Chaplin mais engraçado e atrapalhado, mas sim para aqueles que desejam ver por detrás daquela maquiagem de Carlitos, que sempre marcou sua imagem, o verdadeiro homem que nunca conseguiu superar em sua vida um eterno sentimento de abandono e solidão.

Por Heitor Romero

05/06/2011

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