domingo, 26 de junho de 2011

A Jovem Rainha Vitória

The Young Victoria, 2009 / Dirigido por Jean-Marc Vallée
Com Emily Blunt, Rupert Friend, Paul Bettany, Miranda Richardson, Mark Strong, Thomas Kretschermann, Jeanette Hain e Jim Broadbent

(4/5)

Quando se dirige a um filme como A Jovem Rainha Vitória, é muito fácil cair em alguns clichês do gênero cinebiografia de época. Aparentemente criou-se uma cartilha que os diretores que se lançam nessa empreitada: Fotografia em cor dourada, design de produção suntuoso, etc, etc, etc. Quando procura escapar desta tal cartilha, como Sofia Coppola fez em Maria Antonieta, pode-se criar um desastre ou correr o risco de ser incompreendido – como ocorreu parcialmente naquele filme de 2006.

Logo, este filme dirigido pelo franco-canadense Jean-Marc Vallée (C.R.A.Z.Y. – Loucos de Amor), prefere se situar no grupo que mais se aproxima da cartilha, ainda que com que destoe bastante das “regras” pré-estabelecidas. Apesar de serem bem plásticas, as imagens concebidas por Vallée destoam dos planos arrumadinhos e impecáveis que normalmente pincelam produções de épocas – principalmente aquelas que tomam lugar nas cortes que existiram entre os séculos XVII e XIX –, o que não implica dizer que isto é uma decisão 100% correta.

Na primeira parte da trama concebida por Julian Fellowes (Assassinato em Gosford Park), o diretor toma uma decisão que parece bem acertada, ainda que ponha em cheque todo o delicado equilíbrio da trama, conforme veremos adiante. Aqui nós conhecemos o mundo hostil que cerca Vitória (Emily Blunt), que ainda é a herdeira do trono de seu tio, o rei William IV (Jim Broadbent). Sabemos que a sua mãe, a Duquesa de Kent (Miranda Richardson) é uma criatura que quer, custe o que custar, o poder, ao mesmo tempo em que é controlada pelo malévolo Sir John Conroy (Mark Strong). Como bem observa Vitória na narração inteligentemente criada por Fellowes, “Minha mãe quer que eu assine uma ordem de regência, para poder reger enquanto é regida pelo Sr. Conroy.”

Além disso, Vitória é criada num ambiente opressor, sob a lei do infame Sistema de Kensington, proibida de coisas simples e aparentemente inofensivas, como ler romances modernos, escutar música popular. Ela é proibida até mesmo do simples ato de subir as escadarias do palácio desacompanhada, já que sempre deve estar acompanhada da sua dama de companhia, a Duquesa de Southerland (Jeanette Hain). Tudo isso, obviamente, é feito para duas coisas: 1) Vitória não pode nem sonhar em ter uma vida livre, já o simples ato de ler um romance que se passe nas ruas londrinas a faria pensar em como é o universo fora dos portões do palácio, o que é um risco. 2) Conhecimento lhe faria esperta, e ela poderia driblar as barreiras que lhe serão impostas. Mas Vitória é uma criatura que não precisa disso. Como ela mesma diz em determinada cena, ela é mais forte do que parece.

Para ilustrar isso, Vallée recorre a alguns truques visuais interessantes. Vitória é uma criatura que vive isolada do restante do mundo, presa em sua redoma de vidro, em seu universo particular, na pompa da realeza. Entretanto, este é o último lugar em que ela quer estar. Logo, o diretor opta por mostrá-la sempre entre barras, como se estivesse num presídio – o que é escancarado ao público quando a vemos caminhar pelos jardins do palácio enquanto bate nas barras de ferro. O design de som do filme ainda faz questão de amplificar o som das batidas, acentuando a atmosfera repressiva a qual a herdeira está submetida.

Também é interessante notar que, nesta primeira parte, o diretor Vallée também emprega outros artifícios fotográficos que acentuam a repressão em que Vitória está. Veja como todo o palácio de Kensington é mostrado em uma cor bem escura, um marrom bem acentuado, fotografado sob um filtro bem monocromático (o que, em certo aspecto, remete a fotografia utilizada por David Fincher e Jeff Cronenweth em Clube da Luta). O design de produção também se sai muito eficaz, procurando deixar Kensington livre de muitos móveis ou quadros. Na verdade, a design de produção Patrícia Vermette constrói um lugar bem minimalista, pouco convidativo ou aconchegante. Há um ambiente em particular, uma sala totalmente preta e branca, que remete a um tabuleiro de xadrez; que é particularmente claustrofóbica. Sua presença ali – eu creio – serve para indicar como Vitória é vítima de um assustador jogo de interesses.

Mas Vallée também se sai incrivelmente ingênuo – e/ou imaturo – ao acreditar que esses simbolismos visuais consigam carregar a história, ou pior, acreditar que isso possa ser superior à história, já que a força de A Jovem Rainha Vitória reside exatamente na história concebida por Fellowes. É nítido que Vallée quer apoiar seu filme no seu estilo visual. Se todos esses artifícios que o diretor utilizou durante a primeira parte do filme, quando Vitória ainda não era rainha e era duramente castigada e reprimida pelo seu secretário Conroy, na segunda parte – quando Vitória gots da power – isso já não se encaixa por que, generalizando bem, a situação já se acalma. Vallée tem a péssima mania de tremer a câmera e usar e abusar de close-ups. Se isso anteriormente causava um desconforto bem-vindo ao filme, agora na segunda parte isso se revela meramente... Um cacoete do diretor.

E o pior, você percebe que Vallée não sabe enquadrar uma cena. Por exemplo: Veja a cena em que o futuro esposo de Vitória, o Príncipe Albert (Rupert Friend), conversa com ela sob um coreto enquanto uma chuva cai. Veja que é o pôr-do-sol e não há uma única nuvem no céu. Se enquadrada do modo correto, um plano geral que destacasse bem todo o maravilhoso jardim onde a cena acontece, seria um ótimo quadro de museu. Entretanto, não há o menor motivo para essa cena ser daquele modo. É o tipo de cena que poderia ter sido facilmente transferida para uma biblioteca ou para uma sala de jantar, mas Vallée simplesmente os pôs ali e fez daquele modo por que achou que seria bonito (de certo modo, isso revela uma arrogância assustadora da sua parte). Vallée ainda se exibe com planos desnecessários utilizando o rack focus (quando uma parte do enquadramento entra subitamente em foco). Mesmo que bonito, soa masturbatório. Parece que ele simplesmente quis gritar para o espectador que o filme tem um diretor.

Por isso mesmo que a real força de A Jovem Rainha Vitória esconde-se no belo roteiro de Julian Fellowes. Ainda que estranhamente apressado, mas isso é culpa da montagem esquisita de Jill Bilcock e Matt Garner, Fellowes consegue montar um esqueleto narrativo bem eficiente, junto de diálogos excepcionais, mas que de nada adiantariam se não fosse o elenco magistral que o filme possui. Emily Blunt rouba a cena durante quase todo o filme. Nós somos capazes de acreditar que o nervosismo que ela está genuinamente insegura durante a cena da coroação. É um momento curto que – bizarramente – não é reprisado pelo filme (essa cena é apresentada na ótima seqüência ao som de Zadok the Priest, de Handel, antes da apresentação do título do filme).

Blunt constrói uma personagem poderosa, capaz de momentos de fúria memoráveis, inclusive contra a própria mãe. Veja a cena em que ela é surrada por Conroy e sua mãe não faz nada. Observe a fúria com que ela solta sua fala: “Se você pensa que eu vou me esquecer que você simplesmente ficou aí parada sem fazer nada enquanto ele me batia como se ele fosse meu pai, você está enganada!” E é louvável, mesmo que seja um erro grosso de Vallée, como o filme cai de rendimento quando Blunt não está em cena. Não que as interpretações de Rupert Friend ou de Paul Bettany (o Silas de O Código Da Vinci) sejam ruins – na verdade o Albert de Friend revela-se apaixonante, enquanto Bettany constrói um Lord Melbourne elegantíssimo –, mas simplesmente Blunt é superior.

Apesar do final feito às coxas, A Jovem Rainha Vitória revela-se muito bom. Um entretenimento muito inteligente e, mesmo que sacrifique alguns fatos históricos para inserir drama ao filme, é bem instrutivo. É impossível dormir durante este filme, Emily Blunt é uma rainha.

Por Victor Bruno
26/06/11

1 comentários:

Bom filme. O trabalho com os figurinos é impecável.

http://cinelupinha.blogspot.com/

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