(5/5)
O enredo é bárbaro, feito especialmente para causar risadas do começo ao fim. Joe e Jerry (Tony Curtis e Jack Lemmon) são dois músicos atrapalhados que presenciam um massacre feito pela máfia em 1929, em plena vigência da Lei Seca. Para fugir desses criminosos, os dois se travestirão de mulheres para entrar numa banda feminina que tocará na ensolarada Flórida, bem longe de Chicago. A banda é liderada pela sensual Sugar Kane (vivida pela estonteante diva Marilyn Monroe), que fará o coração de Joe (agora com o sugestivo nome de Josephine) bater mais forte. Enquanto isso, Jerry (agora como a adorável Daphne) terá de se livrar das investidas do velho e assanhado milionário Osgood Fielding III (Joe E. Brown, com seu costumeiro sorrisinho radiante).
Essa premissa é a fórmula mais básica e certeira para arrancar risadas numa típica comédia pastelão. Estão lá os elementos mais clássicos arrancadores de gargalhadas: travestitismo, personagens trapalhões, a loira burra enlouquecedoramente bela e os ladrões atrapalhados a perseguirem os mocinhos. Interessante notar que, para a época, essa comédia não tinha nada para dar certo. Continha certa dose de violência e ação, assim como elementos um tanto avançados para a década de 1950, mas mesmo assim, driblando a censura com maestria, Wilder conseguiu montar uma grande obra-prima. E, claro, como em toda boa comédia que se preze, há uma gigantesca dose de duplos sentidos repletos de críticas ferozes, mas tudo sempre com a maior sutileza possível.
Outro fato interessante no filme é o uso dos gângsteres. Quem foi que disse que Wilder nunca tinha feito um filme sobre a máfia está muito enganado. A diferença está na forma como o diretor abordou esse tema. Ao contrário da grande maioria dos filmes sobre máfia, Quanto Mais Quente Melhor se trata de uma comédia, trazendo uma visão um tanto mais leve (em compensação, muito mais satírica) e diversificada sobre esse tema tão bem explorado em outras grandes obras. Abordar a Grande Depressão também com a comédia foi outra forma de Wilder se destacar da maioria dos diretores que usaram essa época da história dos Estados Unidos como pano de fundo para seus filmes. Sendo assim, podemos dizer que Quanto Mais Quente Melhor é um repleto de ingredientes básicos, mas que os usa das formas mais inusitadas possíveis.
Marilyn Monroe é um capítulo à parte. Mais uma vez a diva foi usada no papel padrão de loira burra e sedutora (estereótipo que a acompanharia até o fim de sua vida), mas ninguém melhor do que ela para encarnar a volúvel Sugar Kane. Além do mais, ela era o elemento feminino necessário para dar à trama um aspecto mais universal, evitando a obra de se tornar “mais um filme de máfia para o público masculino”. Toda a beleza, o sucesso e a aura de estrela em volta da atriz elevaram o filme a um padrão ainda mais alto e delicioso, de modo que fica impossível não se encantar pela personagem.
Tony Curtis foi outra investida de sucesso. O ator era tão famoso entre o público feminino, com seus olhos claros e brilhantes e seu topete de galã, que se tornou praticamente indispensável para o papel de Joe/Josephine. Jack Lemmon ainda era desconhecido pelo grande público, sendo nada mais que uma aposta, mas acabou se revelando ainda mais engraçado e carismático que Curtis, levando uma indicação ao Oscar por sua participação. E ver esses dois caras nem um pouco femininos, troncudos e truculentos, se equilibrando num salto e lotados de maquiagem barata, é um dos pontos mais altos de toda a comédia. Inclusive a escolha da filmagem em preto-e-branco foi um recurso escolhido por Wilder para dar maior credibilidade à maquiagem de Daphne e Josephine.
Claro, o ponto alto do filme, se tratando do diretor em questão, são os diálogos. Apesar de ser uma comédia pastelão (que geralmente foca mais o humor nas ações e não nas falas), são os diálogos que a tornam irresistível. O filme contém tantos diálogos hilários, que deitam e rolam em cima da situação embaraçosa dos protagonistas, que fica impossível não cair na gargalhada. Monroe também é responsável por boa parte das risadas, considerando toda a baixa inteligência de sua personagem. Ainda falando sobre tais diálogos mágicos, seria impossível não citar a famosa frase final do filme, com uma das falas mais sensacionais e marcantes de toda a história do cinema. Se ela não te mata de rir, pelo menos faz você parar para pensar no duplo sentido.
Como eu disse no início, comédia é um gênero difícil. No entanto, o cinema não seria o mesmo sem ela, já que se trata de um dos gêneros mais populares e indispensáveis. Mas há sempre controvérsias em volta delas, de modo que parece que poucas conseguem atingir a perfeição. Na maioria dos casos ou são engraçadas e burras ou são inteligentes e pouco divertidas, ou agradam público ou agradam crítica. Sim, é difícil achar a fórmula exata para uma boa comédia, e isso só aumenta o valor dessa feita por Billy Wilder. De fato, poucas conseguem atingir o nível da obra-prima dessa fera do cinema. Inteligente, engraçada, satírica, irônica, famosa e aclamada, a comédia Quanto Mais Quente Melhor pode então ser definida com apenas um predicado, que poucas vezes é usado no mundo do cinema ao se referir a um filme: Perfeito!
Por Heitor Romero
30/04/2011