quinta-feira, 14 de julho de 2011

O Curioso Caso de Benjamin Button

The Curious Case of Benjamin Button, 2008 / Dirigido por David Fincher
Com Brad Pitt, Cate Blanchett, Taraji P. Henson, Mahershalalhasbaz Ali, Jason Flemyng, Julia Ormond, Jared Harris e Fiona Hale

4/5

Por contrato, David Fincher, para fazer seu Zodíaco (Zodiac, 2007), teria de fazer um filme de cunho mais comercial – para compensar os dividendos que a Warner Bros. e a Paramount Pictures fatalmente teriam com o grande projeto autoral que Zodíaco é. O projeto já tinha nome e roteiro: O Curioso Caso de Benjamin Button.

Havia anos que Hollywood queria adaptar para as telas a fantástica história de um homem que nasce velho e rejuvenesce ao longo dos anos, mas nunca chegava a um ponto certo. O roteiro já havia sido escrito e reescrito diversas vezes – inclusive por gente como Charlie Kaufman (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, Quero Ser John Malkovich). Os estúdios, “sem nenhuma razão particular”, como diria Forrest Gump, abandonavam o projeto.

O fato, é que David Fincher não era (ou é) o diretor mais indicado para um projeto como Benjamin Button. Fincher não é exatamente conhecido por dirigir projetos sentimentais. Ele não tem o toque – mas dizer que ele é um diretor frio seria um erro, basta assistir Clube da Luta (Fight Club, 1999) para comprovar o quão “quente” Fincher pode ser.

Mas só que Benjamin Button, em suas raízes, é um projeto de natureza sentimental. Não água com açúcar, mas sensível. Uma aura sensível que é carregada por seu personagem-título, numa interpretação igualmente sensível de Brad Pitt, durante toda sua saga. E Fincher é um diretor cerebral, com personagens que se guiam pela razão, e não pelo instinto. Button, ao contrário de Sommersets, Graysmiths e Zuckerbergs, tem um fortíssimo senso de sobrevivência e proteção. Button, talvez, se aproxime de Meg Altman (de O Quarto do Pânico), ou de David Mills (interpretado pelo mesmo Brad Pitt deste filme, em Seven). Tanto Altman como Mills guardam a o mesmo instinto de sobrevivência de Button – ainda que Mills seja um sujeito agressivo, de gatilho inquieto.

E é aí onde Fincher se perde. Com um personagem principal tão longínquo da sua grife habitual, o diretor fatalmente se perde com o roteiro melodramático escrito por Eric Roth (Forrest Gump, Munique), a partir do conto de F. Scott Fitzgerald. Roth – caminhando no sentido oposto do que fez em Gump – constrói toda uma aura nostálgica, o que, de certa maneira move a trama, mas que Fincher não sabe lidar – não por incompetência, mas por simples falta de experiência. Tomemos, por exemplo, as cenas de amor protagonizadas por Daisy (Cate Blanchett) e Button. Fincher, quando seus personagens começam a fazer amor, procura desesperadamente dar um fim na cena, ou desviar o olhar para objetos que tirem o casal do nosso campo de visão, o que o obriga a fazer coisas ridículas como mover a câmera para cima e nos fazer olhar para um lustre, terminando a cena, dessa forma, de uma forma deselegante e apressada. Não estou dizendo que deveríamos olhar para Button e Daisy fazendo sexo, mas há outras formas de terminar as cenas assim. Richard Linklater em Eu e Orson Welles (Me and Orson Welles, 2009), por exemplo, terminava suas cenas de amor de modo elegante e criativo, criando o chamado “espaço das entrelinhas”.

Mas claro, não quero dizer que Fincher faz um trabalho incompetente. Seria uma grossa mentira. Eu digo que ele é uma escolha não muito indicada, mas jamais um erro. Sim, Fincher estabelece uma atmosfera nostálgica de forma soberba. O diretor consegue, com uma eficiência realmente impressionante, nos dar uma maravilhosa noção de tempo espaço – o que é fundamental para a eficiência do filme, já que esta é uma estória que cobre quase um século na vida das personagens.

Para usar de exemplo, tomemos a sala da casa onde Button cresce. O local, além de residência de Queenie (Taraji P. Henson), mãe de Benjamin, e de Tizzy (Mahershalalhashbaz Ali), par romântico de Henson; é um asilo de velhos. Veja que, logo no início da narrativa, o design de produção de Donald Graham Burt e, principalmente, as roupas desenhadas por Jacqueline West (uma das melhores em atividade, em minha opinião), transformam o local numa espécie de clube saído diretamente da Era Vitoriana, o que é de uma importância fundamental, já que ali estão dejetos que o povo não quer mais, de uma época ultrapassada (lembrando que nós estamos, nesta parte da narrativa, em 1918). À medida que o tempo passa, os móveis e o vestuário daquela gente (que já não são mais as mesmas pessoas) evoluem ainda mais, e mesmo que já estejamos nos anos 30 (na narrativa), agora que eles chegaram em 1918. Tempo neste caso, é uma questão de sobrevivência para o filme. Temos que sentir a sua passagem. E Fincher se sai com bastante êxito. Um êxito que infelizmente não obteve em seu filme anterior, o espetacular Zodíaco, citado no início desse texto. Aliás, mesmo George Stevens em Assim Caminha a Humanidade (Giant, 1956) não conseguiu mostrar a passagem do tempo com a mesma sutileza de O Curioso Caso de Benjamin Button.

Além destes exemplos, Fincher consegue demonstrar sutileza e bastante precisão em suas decisões na hora de contar a saga de Button. Além de contar com uma trilha sonora bastante sensível de Alexandre Desplat (A Árvore da Vida, Harry Potter e as Relíquias da Morte Partes I e II), a fotografia de Claudio Miranda é soberba. Observe que bem no início da narrativa, no início mesmo, para acentuar o aspecto nostálgico do filme, Miranda emprega uma paleta de cores saturada, optando quase sempre por um amarelo dourado, como aquele visto na trilogia O Poderoso Chefão. Para as cenas que se situam no presente (no caso, 2005, minutos antes do furacão Katrina), Miranda e Fincher adotam uma paleta de cores bem frias, afogando a cena num azul tão gelado quanto aquele branco visto nas cenas que se passam na Rússia. Referências visuais a função das personagens também são de igual importância. Por exemplo, note que quase sempre Daisy está com algum acessório vermelho em sua roupa, representando o amor que sente (e que recebe) por Button.

Entretanto, o fundamental em O Curioso Caso... nem são as escolhas de Fincher, ainda que saltem os olhos, mas sim a enorme galeria de rostos que povoam a história. Desde o primeiro momento de projeção, as personagens, por mais breves que sejam, exercem uma função absolutamente importante: O histórico de vida de Benjamin. Seja pela mãe Caroline (Joeana Sayler) que nunca conheceu, ou seja por Tizzy, que não exerce função nenhuma na trama, essa enorme galeria de personagens marcam como Button é um homem que nada contra a corrente. É um outsider, e sempre será. Aliás, até penso que a imagem de uma sofrida Caroline dando a luz a Button seja uma metáfora para a futura existência sofrida de Button. Um sujeito fora de lugar.

E quem não é?

Por Victor Bruno
15/07/2011

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