domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vidas em Jogo

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The Game, 1997 / Dirigido por David Fincher
Com Michael Douglas, Sean Penn, Deborah Kara Unger e James Rebhorn



(3/5)

Imprensado entre dois grandes filmes na filmografia de seu diretor, Vidas em Jogo não recebe muita atenção, o que é realmente uma pena, já que este é um trabalho de grandes qualidades – com boas atuações, boa fotografia e uma história pra lá de interessante.

O terceiro trabalho de David Fincher (Zodíaco, Quarto do Pânico) é um interessante flerte com o cinema noir. Está tudo lá: fotografia escura, personagem principal anestesiado, lutando contra algo que ele mesmo não sabe o que é. Afinal, o que é o CRS? Ele está em todos os lugares, sabe de tudo, ante mesmo que pensemos. Se vamos sentir algo, o CRS já sabe de antemão o que sentiremos. É incrível.

Mesmo com esta premissa interessante, Vidas em Jogo foi atirado às traças. Ele deu o azar de está entre o cultuado Se7en – Os Sete Crimes Capitais (Se7en, 1995) e o polêmico e mortal Clube da Luta (Fight Club, 1999). Se o primeiro era um belíssimo filme de visual maravilhoso e de história bem construida, e se o segundo tinha visual igualmente belo e uma engenhosa história, este aqui também é. É um David Fincher menor, mesmo tendo defeitos irreparáveis.

No seu 48º aniversário, Nicholas Van Horton (Michael Douglas), um poderoso especulador financeiro sediado em São Francisco, recebe uma chamada de seu irmão, Conrad (Sean Penn) para um almoço. Chegando lá, Conrad entrega o presente de Nicholas: um cartão de uma empresa de recreação – a tal CRS. Ele diz que a empresa oferece um programa inesquecível. “Mudou a minha vida”, completa. Parece pegadinha, certo? Errado. A empresa já adquiriu fama, em mesas de bares, ginásios e pubs, ela sempre é citada como algo acima da nossa compreensão, que gente como você, ou eu, estamos longe de entendermos a sua magnitude. O que a tal CRS faz é tão perfeito que um dos comentaristas da empresa, quando perguntado por Nicholas o que, afinal, é isto, responde: “João, capítulo 9, versículo 25. 'Estive cego, mas agora posso ver.'”


Andando nas ruas, Nicholas depara-se, por acaso, com o prédio da CRS. Ele entra e – quase sem perceber – faz os testes para entrar no Jogo (repare que, a partir de agora, sempre que citar o Jogo, será em letra maiúscula). Aparentemente ele é recusado, mas naquela mesma noite, encontra um palhaço no seu jardim. É algo mórbido – foi naquele mesmo jardim que seu pai se matou, atirando-se do alto da casa. Na boca do palhaço – uma chave. Para que serve a chave? Só Deus sabe, mas as coisas começam a complicar: o âncora do jornal para a programação para falar com ele, canetas explodem na sua camisa, pessoas infartam na sua frente. Para um homem obcecado com o controle, essas surpresas são horríveis. E como ele mesmo havia dito, “odeio surpresas”.

É realmente interessante como a história é construída, mas a execução é pífia. Para todos os efeitos, Vidas em Jogo não é nada além de um bom filme de suspense. Entretenimento leve para as massas. Fincher, ou seus roteiristas, John D. Brancato e Michael Ferris, não subestimam a inteligência do espectador, ou se atém a resoluções fáceis para os problemas que surgem no decorrer da trama. Apostando num humor negro para estabelecer um laço de afinidade com quem assiste, o filme prende o espectador. Entretanto, o próprio roteiro é sabotado por si mesmo. Ferris e Brancato (roteiristas de coisas como Mulher-Gato e O Exterminador do Futuro – A Salvação) estabelecem tantas situações bizarras (como aquela em que Nicholas é drogado e enterrado num cemitério no México), que o final fica totalmente deslocado na trama. Tudo bem, é surpreendente? Totalmente. Mas subestima de forma lastimável a inteligência do espectador, coisa que – até então – não havia acontecido no filme. Por exemplo, até mesmo o romance cliché que supostamente aconteceria entre Christhine (Deborah Kara Unger) e Nicholas tem alguma importância na trama.

Mas o principal problema do filme reside exatamente onde normalmente residem os maiores acertos da filmografia de Fincher: a direção. O trabalho do diretor, plasticamente falando, é simplesmente brilhante. Entretanto, no estabelecimento de uma dinâmica tensa entre filme/público, Fincher falha miseravelmente. Mas a culpa é do roteiro, de certa forma. Fincher e Brancato não combinam. O roteiro investe num humor negro que não se encaixa com o objetivo da direção. E a direção de Fincher não se deu conta disso, falhando horripilantemente. Não estraga tudo, mas também não deixa o filme evoluir.

De todas as formas, não podemos atirar contra o filme aleatoriamente. Fincher até acerta. Ele constrói um tradicional visual barroco, com fotografia extremamente escura (e muito bela, diga-se de passagem, dirigida por Harry Savides) que auxilia na construção da densidade da paranóia que Nicholas passa a viver. E, mesmo com todas as falhas proporcionadas pelo roteiro, o filme ainda surpreende. Momentos brilhantes como a sequencia do hotel, onde Nicholas encontra carreiras de cocaína e milhares de fotos pornográficas, ou a psicodélica sequencia na casa de Nicholas, regada a ótima “White Rabbit”, do Jefferson Airplane, crivam este filme mediano. Então, é meio contraditório: Fincher faz um bom ou mal trabalho? Acredito eu que esteja no meio termo. Ele constrói tensão e uma sensação de melancolia. Logo na primeira sequencia do filme, logo após os títulos, quando vemos filmes da infância de Nicholas, percebemos que ele se tornou um sujeito triste e frio, tendo testemunhado o suicídio do próprio pai. (Acredito que essa sequencia tenha sido emprestada de Caminhos Perigosos, de Martin Scorsese, que começa de forma parecida.)

Este sujeito frio e melancólico, capaz de passar o aniversário comendo sanduíche enquanto assiste a CNN, é bem interpretado por Michael Douglas. Num personagem que tem que passar a expressão de medo, Douglas mostrou-se uma ótima escolha. Ainda que sua atuação soe dura e seca demais, e por vezes forçada (como na cena em que é dopado, na casa de campo), Douglas se sobressai. Sean Penn, em sua curta e limitada participação, faz um ótimo trabalho, mudando de faceta de forma brilhante. Observe como o Penn do início do filme, falando baixo e controlado, mas terrivelmente desbocado, não é o mesmo Penn paranóico do meio do filme, falando pérolas como “They fuck you and fuck you and fuck you, and just when you think it's over, that's when the real fucking begins!

Apesar dos erros e acertos, Vidas em Jogo é um filme interessante de um bom diretor. Como supracitado, é um Fincher menor. Um Depois de Horas (After Hours, 1985) mal construído e mais negro.

Por Victor Bruno

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