Control 2007 / Dirigido por Anton Corbijn
Com Sam Riley, Samantha Morton, Alexandra Maria Lara, Joe Anderson, James Anthony Pearson, Harry Treadaway, Craig Parkinson e Toby Kebbell
(3/5)
Falar sobre coisas populares sempre é difícil. Se fazem um filme sobre um livreco que arrebata multidões enfurecidas de fãs malucas, este filme tem que ser fiel ao extremo. “Por que não colocaram a parte que blá, blá, blá?” Falar sobre Joy Division deve ser quase a mesma coisa. Mesmo que não tenham milhares de fãs-clubes – e mesmo que pouquíssima gente saiba o que diabos seja Joy Divison, esta banda deixou sua marca no asfalto da história da música, e deve, por mais difícil que pareça ser (ou admitir), ser respeitada. Afinal, o Joy Division teve um dos líderes/vocalistas mais emblemáticos da História: Ian Curtis (Sam Riley). De todo modo, existem os fãs, que vão assistir ao filme querendo ampliar seus conhecimentos sobre a banda – ou apenas ver a imagem do seu ídolo numa tela de cinema. De todo modo, é fogo cruzado.
Ian Curtis – qualquer um que tenha o mínimo de conhecimento sobre o Joy Division deve saber isso – teve uma vida atribulada. Um sujeito de personalidade retraída, valores distorcidos pelos seus fluxos de consciência, um rebelde sem causa. Morreu jovem, aos 23 anos, assim como 90% dos líderes destas personalidades (Sid Vicious, alguém?). Teve seu coração e mente divididos entre três amores: Debbie (Samantha Morton), sua esposa; Annik (Alexandra Maria Lara), sua amante belga; e a música, personificada no Joy Division, banda que formou com os seus amigos de bar em Manchester (originalmente chamada de Warsaw). O diretor holandês Anton Cobijn tem que encaixar este quebra-cabeça (que, acreditem, é caótico) num filme de pouco mais de duas horas. Cobijn aqui é uma espécie de Peter Jackson – assim como o nerd neozelandês é fã de Tolkien, o holandês Cobijn é fã de Curtis. E não se esqueçam dos fãs do Joy.
Filmado totalmente em preto e branco, Cobijn tenta montar uma atmosfera depressiva, funcionando como uma espécie de espelho para a personalidade de Ian Curtis. O diretor emprega enquadramentos simétricos e chapados, tirando assim qualquer tipo de visão periférica que a imagem pudesse nos oferecer. Novamente, nota-se que o filme quer retratar fielmente a visão de mundo que o vocalista do Joy Division tinha: distorcido, negro e sem esperança. Olha-se sempre para a frente, por que o passado já não interessa, e o curso da vida não pode ser modificado. Curtis era um fatalista. Um emprego brilhante que esta “falta de elegância” estética visual adotada por Cubijn (e brilhantemente executada pelo seu fotógrafo Martin Ruhe) pode ser visto quando Ian, já apaixonado por Annik, diz para Deborah “Acho que não te amo mais”. Observe como Ruhe e Cubijn deixam o background da cena totalmente fora de foco, e a câmera não nos permite ver toda a rua.
Mas isso – por incrível que pareça – não é surpreendente, Cubijn tem como formação a fotografia documental. Seus enquadramentos simétricos (parecem ser retirados dos filmes do Kubrick, ou, de modo mais radical mais radical, dos filmes de Wes Anderson), soam como se fossem retirados de um photobook. E isso auxilia muito. Este clima austero ajuda demais no estabelecimento do que considero a melhor coisa do filme: a sua linearidade narrativa, e, acima de tudo, no bom andamento da trama. É incrível como Cubijn consegue manter um ritmo consistente durante todo o filme, quase sem nenhuma espécie de rapidez exagerada nas cenas, ou lentidão excessiva. O ritmo do filme é bem uniforme, calmo, corre sem pressa. Cubijn preza por uma montagem limpa, excepcionalmente executada por Andrew Hulme.
Por outro lado o roteiro de Control, escrito por Matt Greenhalgh – que parece ter se especializado em roteirizar filmes sobre ídolos da música, já que ele é o mesmo roteirista de O Garoto de Liverpool (The Nowhere Boy, 2009), filme que aborda os primeiros anos de carreira de John Lennon –, apresenta um excesso de elipses narrativas que tornam-se irritantes. E elas começam cedo na trama. Logo no início, em um instante estamos vendo Ian e Deborah numa árvore. De repente ele surta e pede-a em casamento. No instante seguinte, estamos na igreja. Mais um pouco e eles já estão tendo filhos (!). Isto não é realmente um problema do roteiro, mas exige que o espectador preste um pouco mais de atenção. Às vezes eu pensei, durante o filme, que estas elipses eram preguiça de Greenhalgh para contar a história. Logo descartei. É este o estilo do filme. Mas o que chateia mais nisso é que estes jump cuts constantes interferem exatamente numa das características mais importantes (e interessantes, sendo sincero) do protagonista: seus fluxos de consciência. Ou seja, seus monólogos interiores. O filme é aberto exatamente um destes fluxos, um diálogo entre Ian e Ian sobre a vida. Como ele tenta viver. E desde o princípio nós notamos o seu tom de voz afetado e triste, dois maneirismos que são extremamente bem interpretados por Sam Riley, numa ótima performance.
Riley (o protagonista do novo filme de Walter Salles, On the Road), por sinal, baixa o próprio Ian Curtis. É realmente impressionante vê-lo durante as apresentações da banda, assumindo o mesmo jeitão desengonçado do vocalista do Joy Division. Ou triste, dependendo da situação. Repare como ele se atém sempre ao canto do enquadramento, ou na parte mais escura. Artifício utilizado justamente para mostrar – novamente – o reflexo da sua personalidade. Todavia, apesar destas qualidades, no fundo, no fundo, o Curtis deste Control não parece ser nada além de um garotinho mimado com crises existenciais, uma falha crassa não de Riley, mas do roteirista Greenhalgh. Afinal quem era este rapaz, que, no início, se travestia de David Bowie e tinha uma gangue de fumantes? Sua epilepsia, nunca é bem abordada durante a trama. Quem é Annik, qual sua real função durante a trama, além de ser amante de Ian? São pontos abertos deixados pelo roteiro. Aqui e acolá Ian tem alguns monólogos interiores que revelam algo, mas, no mais, Greenhalgh parece sair catando o que acha mais interessante na vida de Ian Curtis e joga no roteiro. Felizmente os bons diálogos encenados pelas personagens (destaque para o desbocado Rob Gretton, interpretado por Toby Kebbell, de Rock'n'Rolla – A Grande Roubada (Rock'n'Rolla, 2008)) salvam tudo de um provável desastre. Destaque ainda para Samantha Morton, como Deborah, a alma da família Curtis.
Contando ainda com uma boa trilha sonora, povoada pelo som do punk-rock dos anos 70 na Inglaterra, Control prova-se um ótimo filme de um adolescente-adulto com crises existenciais. É uma espécie de “coming of age”, além de servir como guia para quem quer se adentrar nas matas da música britânica. Claro, não posso me esquecer do tremendo ato de coragem de Deborah Curtis em produzir o filme (ela, viúva de Curtis, é produtora executiva de Control).
Control não é nada além da história do Renato Russo britânico (até o registro de voz do cara é similar). E é assim que deve ser visto. Um bom filme didático sobre música.
Por Victor Bruno
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