quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Inverno da Alma

Winter's Bone, 2010 / Dirigido por Debra Granik
Com Jennifer Lawrence, John Hawkes, Shelley Waggner e Garret Dillahunt



(3/5)

Logo nos primeiros segundos de Inverno da Alma, a nova sensação do cinema independente norte-americano, a direção de Debra Granik já nos deixa uma mensagem bem clara: haverá gelo. Não sangue, não violência, mas gelo. Muito gelo. Debra Granik e sua câmera tremeliquenta vão nos empurrar para uma lenta viagem situada nas gélidas montanhas Orzak, no Estado do Arkansas, Estados Unidos.

Ree (Jennifer Lawrence) é uma garota retraída e aborrecida, que vive num mundo cinza e estranho. Ela mora com a mãe, que está permanentemente doente (“Ela está doente, e estará no futuro, também”) e fala o mínimo possível, e com os irmãos, Ashlee e Sonny (Ashlee Thompson e Isaiah Stone, respectivamente). Aparentemente, tem a ambição de ingressar nas Forças Armadas, já que receberia a quantia de 14 mil dólares, o que ajudaria bastante a melhorar a situação.

Entretanto, tudo muda quando a polícia bate a sua porta e o delegado Baskin (Garret Dillahunt) a avisa de que seu pai, um traficante de drogas, foi solto sob fiança. Nada demais, certo? Errado. Segundo Baskin, a garantia da fiança é a casa e o terreno onde a família vive, e que ele tem somente uma semana para aparecer no julgamento. Em busca do pai e com a ajuda de seu tio, Teardrop (John Hawkes), Ree irá submergir no mundo da produção e venda das drogas.

Filmado de modo totalmente digital e baseado no livro de Daniel Woodrell, Inverno da Alma caminha a passos de tartaruga. A lenta narrativa impressa pela diretora Granik torna-se repetitiva e ojerizante. A história de Ree é contada na forma de uma frieza apavorante. Em nenhum momento nós nos sentimos imbuídos de qualquer tipo de ânimo. Se o início melancólico, com a imagem dos irmãos caçulas de Ree pulando em um pula-pula (sua única diversão), nos deixa claro que o filme vai seguir um tom bem cinzento, as cenas de ação também não dão oxigênio para o espectador. Aliás, a cena de ação. Granik tenta estabelecer um roteiro que construa uma atmosfera bastante densa, densa que dê para cortar com uma faca.

Mas falha. E falha vergonhosamente. Nem a sua direção e nem o roteiro (escrito por ela mesma e Anne Rosellini) permitem algum tipo de aproximação emocional. Culpa da direção fria adotada por Granik. Talvez tenha sido a inexperiência. Antes deste filme a diretora tinha apenas uma obra no currículo, um indie chamado Down to the Bone, com Vera Farmiga, que permanece inédito no Brasil. Granik se arma com uma auto-indulgência perigosíssima, que põe em risco toda consistência do filme. Não existem músicas incidentais. De verdade, quase não há música. Se eu bem me recordo, as únicas peças musicais escutadas durante Inverno da Alma são a do início, uma melancólica canção tradicional do Missouri, a do final (belíssima, por sinal), e o banjo numa festa de aniversário.


Filmado – como citado anteriormente – de modo totalmente digital, Inverno da Alma mostra como esse tipo de captação abre cada vez mais espaço para novos cineastas. Filmado com a poderosa Red One (o mesmo tipo de câmera que David Fincher utilizou em A Rede Social), Granik e seu diretor de fotografia Michael McDonough seguem à risca a “regra” do cinema independente: mexa a sua câmera o máximo possível e filme com escala de cinza. Realmente a paleta de cores varia entre o cinza e o azul, mas não poderia ser de modo diferente. Estamos no meio do inverno. A temporada de retração e frieza das pessoas. Neste ponto, Granik acerta em cheio.

Inverno da Alma também acerta na construção de um clima depressivo. Se dependesse apenas disso, seria excelente. A sensação de perda é uma constante no filme. Veja, por exemplo a cena em que Ree olha para o guarda-roupa de seu pai. Nesta cena é descarregada toda uma carga emocional fortíssima, brilhantemente interpretada por Jennifer Lawrence, o que mostra que sua indicação não foi um erro da academia. Ela constrói uma personagem de forma brilhante. A curvatura nas costas, mostrando um peso, uma cruz, que não consegue tirar; a fala retraída e fechada, a sobrancelha quase sempre para baixo, mostrando uma fúria incontrolável... tudo isso Lawrence põe em sua personagem, misturando com uma sensação de completa anestesia. Um exemplo de como Lawrence interpreta bem? Veja como ela reage ao silêncio arrasador da mãe, mesmo que seja por sua doença, quando ela mostra seu desespero no bosque que cerca a sua casa.

Se fosse um drama familiar, Inverno da Alma seria um dos melhores filmes do ano. Mas não é. O enredo se perde completamente. O que eu pensei, em dado momento do filme, é que as roteiristas estavam lendo o livro de Woodrell e tirando o que achavam mais interessante. A diretora não consegue aplicar tensão, apenas melancolia. Uma coletânea de erros, crivada em alguns momentos por momentos brilhantes e atuações consistentes, é o que forma este filme, aliado a falta de ritmo. Aliás, Inverno da Alma até tem ritmo, mas ficou escondido entre as árvores dos bosques de Orzak. A grosso modo, este é um longo e deprimente close-up numa pedra de gelo.

Por Victor Bruno

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