domingo, 25 de abril de 2010

O Portal do Paraíso


O Portal do Paraíso
Heaven's Gate, 1980
Dirigido por Michael Cimino
Escrito por Michael Cimino
Com Kris Kristofferson, Christopher Walken, Isabelle Huppert, Jeff Bridges, John Hurt

O que leva um diretor sair do pedestal de gênio para a negação total? Aliás, como você consegue chegar ao status de gênio? Se você quiser a resposta, pergunte para quem viveu essa experiência na pele: Michael Cimino (O Franco-Atirador, O Ano do Dragão). Ele era o homem que tinha tudo, a adimiração total dos críticos no ano de 1978, mas perdeu todo o crédito possível.

Qualquer pessoa que goste de cinema já deve ter se perguntado, qual é o filme mais longo do mundo? Seu nome é A Cura para a Insônia, com espetaculares 85 horas. Há também o chamado O Filme Mais Longo e Mais Sem Sentido do Mundo, de 48 horas. Claro que esses filmes citados são experimentais, mas e quando alguém decide fazer uma obra de proporções monumentais? Dependendo do diretor a receita pode virar uma catástrofe gigantesca, como o que aconteceu com esse O Portal do Paraíso. A versão que assisti (e que vou comentar a partir do próximo parágrafo) é a legendária Versão do Diretor, uma das 500 versões já lançadas deste filme. Ela tem 219 minutos; mais de 3 horas e meia de filme. Consequentemente essa crítica promete ser enorme.

O filme conta a história de James (Kristofferson), um ex-formando de Harvad. Ele é xerife do condado de Johnson, o principal destino de imigrantes eslavos no final do século XIX. Com essa onda de imigração os membros da Associação do Wyoming de Criadores de Gado começam a ficar irritados, pois os imigrantes estão tomando posse da terra onde seus animais pastam. Sendo assim, eles começam a pedir apoio ao governo (tanto estadual como federal) para formar um grupamento formar uma lista de morte com 125 nomes, "praticamente o condado inteiro."

James, como xerife, tem a obrigação de protejer essas pessoas, e ele tem um motivo ainda maior: Elle (Huppert), uma cafetina, está citada na lista, e ela é o grande amor da sua vida. Como se já não bastasse, Nathan Champion (Walken), um dos membros da associação também está apaxionado por Elle. Então aqui temos duas histórias paralelas com as mesmas personagens.


É impossível tratar este filme como uma obra convencional, tanto para quem gostou como não. Cimino tentou fazer um trabalho para quebrar todas as barreiras já estabelecidas no cinema. Ele tentou colocar seu nome na história do cinema mundial como o homem que revolucionou o modo de se fazer filmes, e quis que este filme fosse uma obra para a eternidade. De certo modo ele conseguiu. Vamos aos fatos:

  • Inicialmente o orçamento de Heaven's Gate era de 11.6 milhões de dólares, subiu para 30 milhões. No final Cimino estourou, finalizando em 44 milhões de dólares.
  • Cimino ordenou a construção de uma cidade no meio do deserto para uma única cena.
  • No 6º dia de filmagem a equipe estava atrasada 5 dias no calendário de produção.
  • Cimino era chamado de Aiatolá pela equipe do filme por suas extravagâncias. Ele não sabia disso.
  • Ao final das filmagens, Cimino tinha mais de 1.3 milhões de pés de negativos, algo como 220 horas de filmagens.
  • Dois seguranças armados ficavam de prontidão na porta da sala de edição. Suas funções: impedir a entrada dos executivos do estúdio para não se intrometerem no processo de edição.
  • A primaira versão de O Portal do Paraíso tinha 5 horas e 25 minutos. Os executivos da United Artists conseguiram convencer Cimino a re-editar o filme, baixando o tempo para 3 horas e 39 minutos.
E você sabe qual foi o resultado final quando lançado em sua premiere em Nova York? Fracasso absoluto, um fiasco gigantesco, de proporções jamais vistas até então. O crítico Roger Ebert (conhecido por ser o único a defender 2001 - Uma Odisséia no Espaço na altura do seu lançamento) fez o seguinte comentário: "A obra cinematográfica mais escandalosa que eu já vi, e se eu bem me lembro, eu assisti Os Aventureiros do Ouro."


O filme saiu de cartaz imediatamente após a segunda sessão, e ressurgiu seis meses depois com 149 minutos de duração. Não salvou. Naquele mesmo ano o filme foi indicado para a Framboesa de Ouro nas seguintes categorias:
  • Pior Diretor (Michael Cimino) (ganhou)
  • Pior Filme
  • Pior Roteiro
  • Pior Trilha sonora
  • Pior Ator (Kris Kristofferson)
Já na Europa a recepção foi completamente diferente: exibido no festival de Cannes. Muitos críticos europeus chamam este filme de "obra-prima" ou "um vigoroso e cruel retrato da sociedade americana". Até mesmo dentro dos EUA muitos estudiosos sobre o cinema, como o cineasta Martin Scorsese, classificam o filme como um dos melhores filmes já realizados.

Aonde quero chegar? Bem, quero traçar um parâmetro entre as críticas que o filme recebeu naquela época e hoje, com um olhar totalmente novo, 30 anos depois.

Kris Kristofferson faz um bom Averil, seu olhar plerpexo retrata tudo o que o espectador não consegue ver. O descaso das altoridades para com os imigrantes. Walken faz um Champion doentio, ele é a encarnação do Cheyenne de Era Uma Vez na América, aparecendo com duas armas e atirando antes de pensar. A bela Isabella Huppert faz uma Ella morta, que não passa muita emoção. Aliás, estão todos mornos neste filme, mesmo com traços psicológicos tão distintos.


Roteiro e direção não andam lado a lado aqui. Cimino filma muitas cenas de nudez, o que faz parecer que ele é um pervertido. Um exemplo claro é quando Ella ganha sua carruagem e sai correndo nua pela casa com a câmera em plano aberto e frontal. É realmente necessário? Se a direção de Cimino é extravagante e ruim, seu roteiro faz bonito com diálogos bem interessantes, que vez ou outra remetem aqueles velhos Westerns de Leone (vale lembrar que o gênero Western já estava morto a algum tempo). Suas personagens são capazes de ter diálogos maravilhosos, como quando James e um ex colega de Harvard, hoje telégrafo, conversam: "Ser pobre na América está ficando perigoso", diz seu amigo. James responde: "Sempre foi." Sensacional.

Se nada disso lhe agradar pelo menos a fotografia de Vilmos Zsigsmond podemos aproveitar. As fotos que ilustram essa crítica valem mais do que mil palavras.

Se estou nadando contra a corrente até agora, vou dar meia-volta e concordar com a crítica: a edição deste filme é uma das piores que já vi. Algúem deveria ter alertado Cimino que uma duração tão longa não iria funcionar com uma história que caminha a passos tão lentos. Aliás, devem ter avisado, ele é quem não ouviu. Nota-se também a arrogância de Cimino ao utilizar o letreiro "Michael Cimino's" isolado do nome do filme (normalmente quando os diretores utilizam esse recurso seu nome vem junto do nome do filme), sem contar que na longa sequência dos créditos iniciais seu nome aparece três vezes.


Michael Cimino quase conseguiu filmar uma obra arrebatadora. Ele fez isto na época errada e estava no lugar errado também. O público já não queria saber mais das burradas norte-americanas. Eles já haviam pagado caro pelo Vietnã. Spielberg e Lucas estavam em voga pela sua proposta alternativa de entretenimento. Mas isso não tira o mérito desta quase obra prima.

***

E Cimino? O que aconteceu com esse ex-gênio? Seu destino bem que poderia ser uma tragédia grega: em 1984 Cimino foi convidado pela Paramount para dirigir Footlose. Ele ficou 6 meses na direção do filme e começou a fazer pedidos mais e mais extravagantes. Quando a Paramount viu que tinha um novo Heaven's Gate na mão demitiu-o. Então ele ficou vagando, até que conseguiu realizar seus próximos filmes: O Ano do Dragão e O Siciliano. Hoje em dia ele se aventura como escritor (já ganhou prêmios, inclusive da Academia Francesa). Recentemente fez uma cirurgia para mudança de sexo e se chama Elizabeth.

Nota: 3 estrelas em 5

Por Victor Bruno

1 comentários:

Muito interessante... gostei da crítica, vou procurar ver o filme.

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More