sexta-feira, 1 de julho de 2011

Especial: David Fincher

Na mais recente cerimônia do Oscar, no último dia 27 de fevereiro, todos os olhos estavam virados para o palco onde ocorreria a principal premiação da indústria cinematográfica do ano. Entre os indicados ao prêmio de Melhor Diretor estava David Fincher, com o seu indefectível A Rede Social (The Social Network, 2010) a ser exibido como um dos filmes mais relevantes no cenário do cinema americano desde o clássico de Orson Welles Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941). Nada mau para alguém que ainda criança já sonhava em um dia concretizar idéias através da arte. E é através deste especial do Ornitorrinco Cinéfilo que mostraremos a trajetória desse homem que é hoje considerado um dos maiores diretores americanos da atualidade.

David Leo Fincher nasceu no dia 28 de agosto de 1962, em Denver, Colorado. Ainda bem novo mudou-se para Marin County, na Califórnia. Durante a infância já possuia uma fascínio pela arte e passava todo seu tempo livre dando forma a suas idéias mais abstratas através de desenhos, esculturas, pinturas e, posteriormente, filmes. Ganhou de seu pai, Jack Fincher (1929 - 2000) uma câmera 8 milímetros, com a qual passou a se interessar ainda mais por vídeos e imagens, começando assim a filmar seus primeiros projetos. A paixão definitiva pelo cinema se deu quando viu pela primeira vez o filme de George Roy Hill, Butch Cassidy (Butch Cassidy and the Sundance Kid, 1969), decidindo por fim que cedo ou tarde seguiria carreira no ramo.

Sua primeira oportunidade de trabalhar com o que gostava surgiu com uma vaga na fábrica de sonhos de George Lucas, a companhia Industrial Light and Magic, com apenas 19 anos. Lá ganhou experiência ao participar na produção de grandes blockbusters, como Star Wars Episódio VI - O Retorno de Jedi (Star Wars Episode VI - Return of Jedi, 1983), e Indiana Jones e O Templo da Perdição (Indiana Jones and the Temple of Doom, 1984), entretanto, sua notória personalidade rebelde e antissocial levou-o a pedir demissão. Entretanto, a experiência lhe rendeu uma grande gama de conhecimento sobre o funcionamento e a importância dos efeitos especiais, que marcaria o resto do seu trabalho.

No entanto, surgia com a década de 1980 novas tendências no que diz respeito aos clipes musicais, ocasionadas pelos sucessos meteóricos de artistas como Maddona e Michael Jackson. Levado pela tendência, Fincher começou então a dirigir comerciais televisivos e clipes musicais, uma das fases mais rentáveis de sua vida. Além de ter dirigido um documentário sobre o cantor Ricky Springfield, The Beat of a Live Drum, David Fincher produziu e dirigiu propagandas para marcas poderosas, como Nike, Coca-Cola, Pepsi, Chanel, Levi's, Heinekin e Sony, entre outras. No campo musical, dirigiu clipes de Maddona, The Rolling Stones, Michael Jackson, Aerosmith e Billy Idol, entre outros.

Comercial de Fincher para a Levi's, em 1996

Não satisfeito com seu sucesso, no início da década de 1990 Fincher queria mesmo era dirigir um longa metragem com toda a liberdade desejada. Como já havia acumulado experiência no ramo do cinema quando trabalhou na Industrial Light and Magic, além de carregar consigo uma grande bagagem como diretor de clipes e comerciais, não foi difícil encontrar um projeto para ser desenvolvido na poderosa 20th Century Fox. Era uma época em que novos diretores estavam aparecendo em enxurrada, todos com idéias promissoras, incentivando assim a decisão radical de Fincher em aceitar dirigir Alien 3 (Alien 3, 1992), uma grande produção comercial muito esperada pelos fãs da franquia e protagonizada por ninguém menos que Sigourney Weaver. Infelizmente foi uma estréia desastrosa. Fincher não conseguia se entender com os produtores executivos da Fox, em especial por causa do roteiro inacabado e rasteiro, o que acabou afetando a divulgação do material, caindo no desgosto dos críticos e, pior ainda quando se trata de uma produção comercial, foi um fracasso nas bilheterias.
No set de Alien 3

"[Depois de ter dirigido Alien 3] eu gostaria mais de ter pego um câncer de cólon a fazer outro filme." - David Fincher

Desanimado com essa primeira experiência, Fincher voltou para o ramo musical na direção de clipes. A chance de recomeçar veio em 1995, durante uma época turbulenta da vida pessoal de Fincher, que estava se divorciando de sua esposa Donya Fiorentino depois de cinco anos de casamento, com quem tinha uma filha de apenas um ano de idade. Seven - Os Sete Crimes Capitais (Se7en, 1995) era apenas uma aposta não muito garantida, mas tinha muitos pontos a seu favor. Apesar de uma produção relativamente conturbada que lhe rendeu - novamente - dores de cabeça com os produtores, que questionavam a rentabilidade de um filme com um tom tão soturno, Fincher não teve muitos problemas. O elenco contava com nomes de peso, como Brad Pitt (um astro em ascensão descomunal na época), Morgan Freeman, Kevin Spacey e Gwyneth Paltrow. A trama era de simples narrativa, mas com enredo um tanto complexo, e tinha a chance de revolucionar os suspenses de serial killer. A direção estilosa de Fincher, que viria a se tornar sua marca registrada, em cima de um roteiro bem escrito resultou num enorme sucesso de crítica e público, colocando o cineasta no mapa rapidamente.

As portas se abriram, mas Fincher ainda não havia achado maturidade o suficiente na hora de escolher seu próximo projeto. Passável e até hoje desconhecido por muitos, Vidas em Jogo (The Game, 1997) tem exatamente em sua essência o que Fincher costuma se interessar, mas estava tão rodeado de expectativas, além de um elenco de peso que chamava a atenção, que o resultado acabou sendo insatisfatório. O público não embarcou muito bem na proposta e a genialidade atribuida antes por muitos críticos ao cineasta estava agora sendo contestada.


Mas Fincher se recuperaria (e como!) de sua escorregada com o até hoje polêmico e divisor de opiniões Clube da Luta (Fight Club, 1999). Mais uma vez dirigindo Brad Pitt e contando com a presença do talentoso Edward Norton, Fincher agora estava na posição de fazer um tipo de ensaio conclusivo sobre o fim da década e sobre o final do milênio que se aproximava, num filme repleto de violência e críticas mordazes à nossa sociedade consumista e vazia. A crítica se dividiu totalmente, a bilheteria não foi tão alta quanto o esperado, o público se assustou com os personagens de Pitt e Norton e o resultado todo no meio desse furacão foi um filme decisivo e até hoje cultuado como um clássico moderno. Foi chamado de reacionário por causa da obra e foi polêmico ao responder que a essa afirmação significava falta de inteligência por parte da imprensa. E foi através de Clube da Luta que Fincher começou a se impor e não permitir que produtores interferissem em seus filmes, como aconteceu na hora de escalar o elenco. Winona Ryder era a atriz cotada para viver Marla Singer, mas o cineasta foi de contra a decisão e exigiu Helena Bonham Carter no papel. Apesar de ser uma situação pequena em comparação com tudo o que engloba esse filme, foi uma importante forma de Fincher se impor como um diretor de idéias próprias que não se deixava levar por imposições exteriores de quem quer que fosse.

O início da década passada, depois de uma irregular década de 1990, tinha implicações grandes quanto ao futuro de Fincher que, apesar de ter se mostrado talentoso e relevante, ainda não era considerado uma aposta certeira em Hollywood. Ignorando o fato e juntando suas próprias forças para seguir em frente com sua carreira, o cineasta deu mais motivo para especulações sobre seu futuro ao lançar O Quarto do Pânico (Panic Room, 2002), com Jodie Foster e Forest Whitaker. Apesar do sucesso gigante de bilheteria, a trama foi considerada genérica e apenas regular pela crítica. Fincher, por outro lado, estava muito satisfeito e considera hoje este um dos filmes seus que mais o satisfaz.

Passaram-se cinco anos até o novo lançamento do diretor, o que significa uma eterniadade para os padrões de Hollywood e poderia ter resultado na indiferença de todos diante seu retorno. Mas, felizmente, não foi isso o que aconteceu. Realizando seu primeiro sucesso de crítica desde Seven, o cineasta ressurgiu com o aclamado Zodíaco (Zodiac, 2007), um filme baseado na história real de um serial killer americano. Mais uma vez Fincher mostrou talento e apuro técnico ao comandar filmes com essa temática e presenteou o público com um trabalho de mais de quase três horas horas que não perde o fôlego em momento algum, coisa rara de acontecer em um suspense. Baseado inteiramente em detalhes, o filme é uma das maiores provas do perfeccionismo do diretor - embora mais contido e discreto - e expõe sem nenhuma dúvida o estilo técnico sempre presente em sua filmografia (cores frias, ângulos baixos, fundos desfocados em relação aos personagens bem centralizados, etc). Embora não tenha arrecadado uma bilheteria satisfatória, contribuiu em muito para que Hollywood passasse a respeitar Fincher e todas as suas exigências, que iam crescendo cada vez mais de acordo com a experiência e popularidade que o cineasta ia acumulando.

Seu projeto seguinte é exatamente o oposto de Zodíaco. Com um orçamento milionário e uma estética excessivamente caprichada, O Curioso Caso de Benjamin Button (The Curious Case of Benjamin Button, 2008) é um dos trabalhos que mais fogem do estilo de Fincher. Baseado num conto de F. Scott Fitzgerald, o cineasta conseguiu realizar uma obra de inacreditáveis duas horas e quarenta e sete minutos. Apesar da duração excessiva ser quase que obrigatória na filmogrfia de Fincher, ela não foi muito bem compreendida aqui e o resultado, para variar, é contraditório. Uns amaram e outros detestaram esse filme que por vezes recorre a sentimentalismos e clichês do drama, mas que por outro lado é um primor técnico invejável. De uma forma ou de outra, Benjamin Button é uma obra que se encaixa mais nos padrões de Hollywood na hora de indicar filmes ao Oscar, e Fincher recebeu assim sua primeira nomeação, embora tenha perdido a estatueta para Danny Boyle. Agora mais conceituado e com uma indiação ao Oscar no currículo, o diretor adquiriu uma confiança ainda maior em seu talento, que o levou a produzir um projeto ambicioso e revolucionário.

Como já mencionado, A Rede Social foi aclamado como um clássico moderno e sua arrecadação foi gigantesca. Escolher a internet como tem central, ligado a uma história verídica, foi o necessário para Fincher fazer um balanço da década de 2000, assim como havia feito o mesmo com Clube da Luta. Seu prestígio aumentou e seu nome subiu mais um degrau em direção ao Olimpo dos diretores mais importantes de Hollywood. Embora não tenha levado a estatueta de Melhor Diretor, nem de Melhor Filme, todos sabem que Fincher era o grande destaque da noite.

Nesse meio tempo desde que começou a fazer sucesso em Seven até se conceituar com A Rede Social, Fincher rejeitou diversos projetos que foram posteriormente colocados em prática por outros cineastas. Entre eles estão Dália Negra (The Black Dahlia, Brian De Palma, 2006), Missão: Impossível 3 (Mission: Impossible III, J.J. Abrahams, 2006), Homem-Aranha (Spider-Man, Sam Raimi, 2002), Prenda-me se For Capaz (Catch Me If You Can, Steven Spielberg, 2002), Batman Begins (Batman Begins, Christopher Nolan, 2005) e Confissões de uma Mente Perigosa (Confessions of a Dangerous Mind, George Clooney, 2002), além de ter sido cotado para a direção de Hannibal (Hannibal, Ridley Scott, 2001).

Os filmes preferidos de David Fincher, para quem tem curiosidade de saber, são Butch Cassidy, Janela Indiscreta (Rear Window, 1954), Muito Além do Jardim (Being There, 1979), Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), Dr. Fantásico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964), (8½, 1963), Alien, O Oitavo Passageiro (Alien, 1979), Loucuras de Verão (American Graffiti, 1973), e Cidadão Kane.
De temperamento forte e dono de uma maneira bem peculiar de filmagem, David Fincher já é um nome a ser considerado no mundo do cinema. Sua trajetória de vida, quase inteiramente dedicada a arte, é um indício de todo seu potencial de crescimento. Seu próximo projeto, prometido ainda para estrear esse ano nos Estados Unidos, tem de tudo para ser um enorme sucesso e contará com a presença de nomes como Daniel Craig e Christopher Plummer. Se será bom ou não, só o tempo dirá, mas isso já não importa mais. O que ele fez pelo cinema até hoje já está acima da média e já pode ser considerado inesquecível.

Filmes criticados neste Especial:

Seven (Seven, 1996), por Heitor Romero
Vidas em Jogo (The Game, 1997), por Victor Bruno
Clube da Luta, por Daniel Borges
O Quarto do Pânico, por Heitor Romero
Zodíaco, por Douglas Braga
O Curioso Caso de Benjamin Button, por Victor Bruno
A Rede Social, por Victor Bruno 

Por Heitor Romero
01/07/2011

2 comentários:

Grande David Fincher! Sem dúvidas, um dos melhores diretores em atividade.

http://cinelupinha.blogspot.com/

Meu diretor preferido, sem mais!

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