Ágora / Dirigido por Alejandro Amenábar
Com Rachel Weisz, Max Minghella, Oscar Isaac, Michael Lonsdale, Sami Samir e Ashraf Barhom
(4/5)
Sem nenhum medo de errar, Alexandria de Alejandro Amenábar pode ser, tranquilamente, chamado de “o Spartacus do cinema espanhol”. O filme é poderoso. Um legítimo representante de um gênero ainda ativo no cinema moderno: o “espada-e-sandália”. Filmes como este supracitado Spartacus (1962), de Stanley Kubrick, ou O Colosso de Rhodes (1961), de Sergio Leone, que apresentam homens de toga discutindo o futuro do império, e soldados de... hum... espada e sandália.
Mas as similaridades param por aí. Este filme, o mínimo que tem, são batalhas contra bárbaros, como nos espada-e-sandálias comuns. Na verdade, não se está discutindo o futuro do império de ninguém, neste filme. A trama gira em torno de uma mulher, Hypatia de Alexandria (Rachel Weisz). Hypátia foi uma das maires filósofas, astrônomas e matemáticas da Antiguidade. Na época em que o filme toma lugar, Alexandria ainda era o maior centro cultural do Mundo Antigo, ao lado de Roma, e abrigava a famosa e suntuosa Biblioteca de Alexandria. Como o próprio filme nos informa, a Biblioteca, além de ser local de conhecimento, abrigava também cultos religiosos “pagãos”.
Fora do local, dentro da cidade, três religiões eram predominantes: os “pagãos”, os recém-libertos cristãos e os judeus. Com Roma tendo adotado o Cristianismo como religião oficial, os “pagãos” egípcios sentem-se ameaçados. A religião fundada por Jesus apenas alguns séculos antes torna-se mais arrogante e ofensiva aos olhos dos pobres politeístas. Brigas ocorrem em praça pública (sendo que uma delas, quando Ammonius (Ashraf Barhom) joga um “pagão” no fogo de ágora, a praça da cidade, vai engatilhar o conflito que predomina na primeira parte do filme), a situação torna-se insuportável. No meio do fogo cruzado encontramos Hypatia, ensinando Astronomia e Matemática aos seus escravos. Hipátia é obcecada por círculos, que, apara ela, é a forma mais pura da Natureza. Ateísta, é mal vista tanto por pagãos como por cristãos. Para piorar tudo, Orestes (Oscar Isaac) e Davus (Max Minghella), apaixonam-se por ela. Orestes é um patrício, com grandes chances de subir na vida política, enquanto Davus é um escravo que encanta-se pela religião cristã.
É interessante observar os aspectos quais o diretor Amenábar realizou esta produção. Após completar Mas Adentro (Mar adentro, 2004), retirou-se para Malta afim de realizar estudos sobre a Via Láctea. Enquanto isso, passou a pesquisar sobre a vida de grandes nomes da Astronomia, como Johannes Kepler, Galilei, etc. Mas, conforme disse em entrevista, ele se encantou por Hypatia. Ainda segundo o diretor, Alexandria é um filme sobre Astronomia, “para nos lembrarmos do que diziam-nos na escola”. Mas é, de certa forma, interessante Amenábar dizer isso, por que muito do enfoque do filme, principalmente na sua primeira parte (o filme é dividido em dois, conforme abordarei à seguir), é dado à parte política da trama. Na verdade, sendo mais preciso, político-religiosa. Afinal, o conflito do filme é engatilhado, como disse anteriormente, por divergências religiosas que existem na cidade romana (no período em que o filme se passa, Alexandria está tomada pelos romanos). Ora, se Amenábar diz que o filme é sobre Astronomia, o mínimo que eu posso esperar do cineasta é que o conflito surja de uma divergência científica. E até existe isso, afinal de contas, a personagem de Rachel Weisz (que, na época do lançamento do filme, ainda era a Senhora Aronofsky) é completamente desperdiçada na trama pesquisando se a Terra gira ao redor do Sol, ou é o contrário que ocorre. Chega a ser ridículo, numa das cenas, quando a Biblioteca está sendo sitiada por cristãos, Weisz ficar perguntando aos seus discípulos, o que eles pensam sobre as teorias, e do nada surgir um senhor comentando sobre Aristarco de Samos. Como pode-se ver, Amenábar e seu velho parceiro de guerra Mateo Gil, os roteiristas do filme, misturam ciência, religião e política de forma equivocada.
Mas a situação só piora quando nós vemos que toda a ladainha científica que o filme pregou até a sua segunda parte só serve para justificar uma coisa: o envolvimento amoroso entre Orestes e Weisz – e, até certo ponto, o de Davus. Na verdade, a importância de Davus na trama chega a ser tão efêmero que, quando ele vira um “soldado de Cristo” (o nome correto é parabolani) era preferível que ele tivesse morrido. Tudo bem, de certo modo, Davus (numa interpretação contida e eficiente de Minghella) é um sujeito sofrido, dividido entre o amor e a religião. Soa profundo para você? Pois não deveria. É fraco. Talvez até pretensioso e arrogante por parte de Amenábar. Davus é um sujeito unidimensional disfarçado de multidimensional. Quem é multidimensional aqui é Hypatia, interpretada soberbamente por Rachel Weisz. Weisz sim, dá vida à personagem. Coisa que nem Minghella e nem Isaac conseguem fazer. E é realmente uma pena que a dupla de roteiristas Amenábar e Gil tenham jogado fora uma personagem de tamanho peso para a trama.
Por outro lado, a parte política do enredo é desenvolvida de forma eficiente e bem trabalhada. Amenábar e Gil nos transportam para um mundo cheio de preconceito religioso e fundamentalismo desacerbado. É ridículo, e o diretor-roteirista faz questão de nos mostrar isso, como os religiosos se comportam, e o pior: em público. Utilizam-se de piadas infantis, como por exemplo, pouco antes da revolta “pagã”, quando Ammonius joga uma fruta numa estátua de um deus e diz “Ele reclamou? Não! Parece que ele também perdeu a voz!”. O que fica ainda mais interessante quando levamos aos dias de hoje, quando Sergio von Heldes da vida chutam santas e o mundo católico se irrita. Mas, claro, Amenábar e Gil não estão criticando o cristianismo ou o catolicismo. Críticas ao comportamento intolerante “pagão” também são feitas. Afinal, qual o real propósito deles se rebelarem contra os cristãos? Nenhuma. E todas estas cenas são eficientemente filmadas por Amenábar.
Entretanto esta beleza compromete o caráter histórico da obra. Amenábar adota um estilo excessivamente elegante para o seu filme. A elegância que o diretor adota beira o absurdo. Veja o design de produção de Guy Hendrix Dyas. É tudo muito limpo, muito alvo. É pedir demais que o público realmente acredite que a Alexandria de 365 d.C. era limpa e alva da maneira que o filme mostra. De todo jeito, a fotografia de de Xavi Giménez engole este efeito. Tudo isso comprova que a direção de Amenábar, apesar de muito bonita, é masturbatória. Qual a real função de inserir imagens da Terra flutuando no espaço? Parece que Amenábar quer dizer “Não é lindo? Fui eu que fiz!”.
Apesar destes erros e acertos, Alexandria é um excelente filme. Mostra como o Homem não evoluiu no que diz respeito a machismo, religião. Alejandro Amenábar constriuiu um belo equívoco. Vê-lo derrapar é mais bonito do que ver os outros derraparem.
Por Victor Bruno