terça-feira, 22 de março de 2011

Minha vida com Stanley Kubrick

Nunca me esquecerei. Acho que para todos os cinéfilos, este deve ser um momento histórico, quiçá sagrado – o seu primeiro Kubrick. Assistir pela primeira vez um filme de Stanley Kubrick deve ser como perder a virgindade. OK, eu estou exagerando. Assistir a um Kubrick é mais emocionante. Mas isso não importa agora. Gostando ou não, o primeiro Kubrick é algo inesquecível, aterrador. Martin Scorsese diz que assistir a um filme de Stanley Kubrick é como subir numa montanha, olhar a paisagem. Inevitavelmente você exclamará “Nossa, que vista!”. Scorsese, para variar, está corretíssimo.

Eu não exclamei “Nossa, que vista!” quando assisti meu primeiro Kubrick. Devia ter uns sete, oito anos quando isso aconteceu. Era uma noite de sábado, no início da década passada. 2002, 2003... eu sei lá. Só sei que o filme que estava passando era Nascido Para Matar (Full Metal Jacket, 1987). Se eu fosse quem sou hoje (um cinéfilo patológico) naquela época, teria dito que aquilo era anormal. “Stanley Kubrick na TV aberta?!”. Provavelmente não teria assistido, já que o filme – naturalmente – passaria dublado. E passou. Mas é como eu disse há alguns dias atrás, no Twitter: Kubrick é Kubrick até debaixo d'água, assim como Linda de Um Pistoleiro Chamado Papaco é mulher até debaixo d'água.

O filme estava dentro do “Festival Stanley Kubrick”, no Cine Belas-Artes (a sessão de Cinema, não o finado cinema Cine Belas-Artes). Na semana seguinte passariam O Iluminado (The Shining, 1982). A chamada daquele maldito filme já me apavorava. Sério, pouco menos de 30 segundos, basicamente o narrador dizendo “Um dos filmes de terror mais aclamados de todos os tempos. Do diretor Stanley Kubrick: O Iluminado”.

De todo modo, eu estava fascinado. Se estou bem lembrado, naquela noite assisti até a cena em que Jocker explica por que diabos ele usa um capacete em que se lê “Born to kill” e um botton pacifista. E já naquela época eu havia percebido algo que críticos e espectadores julgavam como certo e como universal: A primeira parte de Nascido Para Matar é infinitamente melhor que a segunda.

Melhor pode até não ser, mas é claramente mais divertida. A primeira é uma tortura psicológica quase interminável. “É como ir para o ringue e enfrentar os punhos de Mike Tyson”, como bem disse o crítico Sérgio Vaz, em um esclarecedor texto sobre o filme publicado em 1988, e que pode ser lido no seu – excelente – site 50 Anos de Filmes (o texto pode ser lido aqui). E você pode me chamar de masoquista, mas se os socos de Tyson forem tão agradáveis quanto assistir a Full Metal Jacket numa inesperada noite de sábado, quero ser esmurrado agora. (E quem sabe ser um Evander Holyfield Júnior e ter um pedaço da minha orelha cortada e mastigada.)

E foi certo. Final de semana seguinte estava eu na locadora (sim, locadora!), locando este filme. Algumas horas mais tarde eu estava o revendo. Podia não estar entendendo nada, nada dos temas que Kubrick queria tratar. “Dualidade humana”? Pro inferno com “dualidade humana”, senhor! Massacre das mentes dos jovens na guerra? Que se dane isso também! Eu estou vendo o que eles chamam de “obra-prima”.

Eu não sabia quem era Stanley Kubrick. Só consegui compreender o que – e quem – era ele alguns anos mais tarde, quando assisti a 2001 – Uma Odisseia no Espaço. E, como metade dos adolescentes, não gostei. Eu esperava o quê? Sei lá. Um Star Wars da vida. Um filme que tem “Odisseia no Espaço” no título, e começa na Pré-História? Só então vi que este Stanley Kubrick era o mesmo Stanley Kubrick que havia feito Laranja Mecânica, filme que eu havia visto algumas semanas antes, e amado, amado, amado.

Mas é assim. Stanley Kubrick faz parte da minha gênese cinéfila, bem como Carol Reed, Paul Thomas Anderson, Quentin Tarantino e Terrence Malick, também. Mas Kubrick é algo mais nostálgico. Por isso fiz questão de assistir de assistir De Olhos Bem Fechados no SBT, dublado, no último sábado. Você sabe – sábados sempre são sábados.

Por Victor Bruno

7 comentários:

Kubrick deixou uma magnífica carreira, apesar de ser não gostar de todos os seus filmes.

Assisti "Nascido Para Matar" no cinema e considero um dos melhores filmes do gênero.

Já passei da adolescência há muito tempo e mesmo assim ainda não gosto de "2001 - Uma Odisséia no Espaço", por mais que elogiem este filme, eu considero uma longa extremamente cansativo.

Abraço

Fala, Hugo!

Nascido Para Matar é um filme excelente. A primeira parte é uma crítica corrosiva à instituição da Guerra, disfarçada de entretenimento escapista. A segunda parte é um longo e deprimente retrato de uma guerra louca e sem sentido.

Você não gosta de 2001? Leigo.

Abraços!

Realmente Kubrick tirou a virgindade de quase todo mundo, e comigo não foi diferente, meu primeiro filme de arte foi Laranja Mecânica, fiquei decepcionado quando terminou, pq me sentia na obrigação de amar o filme, pelo fato de ser dele ser o filme n° 1 de quase todo mundo hehe, mas dei um tempo e revi o filme, nessa hora que comecei a me interessar de verdade por cinema e depois veio 2001, e ai bem ... já da pra ter uma ideia

Nao vou falar sobre os filmes de Kubrick, pois seria chover no molhado. Também tenho uma relação de amor com Full Metal Jacket, um dos meus filmes de cabeceira.
Gostaria de elogiar seu texto que é muito bom. Tem um espírito recheado de nostalgia que transporta qualquer cinéfilo ao seu primeiro momento de encontro com obras-primas da sétima arte.
Parabéns pelo texto, acho que vou começar a acompanhar seu blog, continue assim!

Obrigado, Leonardo e Daniel!

Daniel, eu morro de medo, até hoje, quando assisto a um clássico. É estranho, por que todos gostam de clássicos. Se eu não gosto, ou todos estão errados, ou eu tenho algum problema mental, rsrs.

Abraços.

Belo texto, Victor! Não tenho certeza se meu primeiro Kubrick foi LARANJA MECÂNICA ou SPARTACUS, mas, ambos, me impactaram muito. Sua filmografia me parece impecável, mesmo que nem todos os filmes sejam obras-primas (meus favoritos são LARANJA MECÂNICA e BARRY LYNDON)... e não me canso de revê-los, e revê-los, e revê-los...
Sobre o DE OLHOS BEM FECHADOS no SBT, peguei a sessão pela metade, e acabei desanimando, preferi assistir a um do Clint que ainda não tinha visto (CORAÇÃO DE CAÇADOR, bem bom, por sinal). Mas essa é uma revisão necessária, lá se vai um bom tempo desde que mergulhei com Tom Cruise no submundo de Nova York...

Obrigado, Wallace.

É um mergulho deveras nonsense, mas mesmo assim arrepiante.

Abraços!

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