domingo, 13 de março de 2011

o prazer

Le plaisir, 1952 / Dirigido por Max Ophüls

Com Daniel Gélin, Jean Galland e Madeleine Renaud

(5/5)

Filmes como este me lembram por que gosto de Cinema. Nada pode ser comparado ao sentimento, a sensação de êxtase de ver um grande plano, de sentir a força da equipe carregando a câmera em cima do dolly, a elegância de um enquadramento. E estamos falando de um filme de Max Ophüls (A Ronda, Carta de uma Mulher Desconhecida), mais elegância impossível. Sinceramente, não consigo imaginar um diretor diferente para O Prazer, pois este filme esbanja elegância e requinte desde seus créditos iniciais.

Mas o interessante, a ideia do filme é bastante simples. Ophüls e seus roteirista Jacques Natanson reúnem três contos do escritor francês Guy de Maupassant. Ophüls os filma de forma independente, criando três segmentos distintos, podendo serem assistidos de forma solta, sem comprometer o entendimento do que está sendo mostrado. No primeiro segmento, Ophüls conta a história de um homem de idade avançada (Jean Galland), que frequenta um local chamado “O Palácio da Dança” utilizando uma máscara. A justificativa – agora que está velho e perdeu seu charme e juventude, deve utilizar este disfarce para galantear mulheres mais novas.

O segundo segmento, e mais longo, conta a história de um bordel que deve fechar por um dia – ou melhor, uma noite. Esta história tem duas linhas narrativas: na primeira nós conhecemos os efeitos desastrosos que o fechamento temporário do bordel causa na pequena vila onde fica localizada, na costa Norte da França. Na segunda – e melhor – linha narrativa do segmento, conhecemos como foi o passeio das mujeres.

O último segmento, é o de história mais simples, entretanto, com a maior carga dramática. Um pintor, Jean (Daniel Gelin), apaixona-se instantaneamente por uma modelo, Joséphine (Simone Simon). Eles vivem uma vida de sonhos, trocam juras de amor eterno e todos esses clichês. Mas logo o amor acaba e eles vivem juntos apenas para manter as aparências. A convivência torna-se insustentável, e Jean foge da vida conjugal. Mas Joséphine descobre que ainda o ama, e tudo pode terminar em consequências trágicas.

E estas três histórias são contadas com o mesmo primor técnico e narrativo por Ophüls. Quem conhece, sabe: Ophüls era um artesão, um iconoclasta. Até por que, imagem é maior que som, no Cinema. Veja você, por exemplo, como os dez primeiros minutos do primeiro segmento, que ocorre dentro do Palácio da Dança, são a melhor parte da primeira historieta. Por que? Por que é ali, naquele ambiente furioso e agitado, onde o diretor alemão, mais seu fiel fotógrafo Christian Mantras, pode exibir toda sua grife. A câmera correndo no dolly de forma agitada. Repare no giro de 360o que ela faz.

Agora, obviamente que o filme não sobrevive apenas desta imagem. Curiosamente, apesar de toda elegância que eu apontei, dentro do estilo de seu realizador, O Prazer é um filme sobre gente como a gente (perdoem o trocadilho infame que fiz com o filme de Robert Redford), existe pouca suntuosidade, fora o trabalho de câmera realizado por Mantras e Philippe Agostini (o primeiro é o fotógrafo dos dois primeiros segmentos, Agostini fotografou o último). Aliás, antes de fechar este tópico: é de Agostini que vem a sequência mais impressionante do filme, a tentativa de suicídio de uma das personagens do filme, quando este se atira de uma janela. A cena começa normal, observando o diálogo. Então ele sobe as escadas. No momento em que a personagem sobe as escadas, no mesmo take, a câmera assume o ponto de vista dele. Vemos apenas a mão do suicida abrindo a janela. Ainda no ponto de vista da personagem, vemos sua queda, partindo a claraboia de uma espécie de estufa. Este plano seria repetido alguns anos mais tarde, só que desta vez por Christian Mantras em Lola Montés (Lola Montés, 1955), primeiro e único filme a cores de Ophüls, com a linda Martine Carol no papel principal. E certamente este plano subjetivo suicida influenciou Kubrick na cena em que Alex se joga da casa do Sr. Alexander em Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1972), afinal, Kubrick era fã confesso de Ophüls.

Eu estaria mentindo se dissesse que, assim como Lola Montés, Le plaisir é só imagem. Não. Ophüls utiliza sua grife visual para investigar a vida da gente miserável e destroçada que ele decide filmar. Antes disso, o filme tem um roteiro poderoso, e simpático às pessoas que o filme mostra. Tente não se emocionar com o fluxo de consciência de uma das meretrizes do segundo segmento. Um momento, que justifica e esclarece os acontecimentos que se seguem. É extremamente minimalista, um monólogo com a câmera nos trilhos, se aproximando da personagem. E não há nada mais saboroso do que o minimalismo. Alie este roteiro sensacional com uma montagem ágil de Léonide Azar e a um design de produção excelente de Jean d'Eaubonne. Veja como, mesmo com Ophüls evitando que nós, o público, entremos no bordel do segundo segmento (para ele, nós somos bisbilhoteiros entrando na vida secreta dos homens que andam naquele lugar), podemos ver tudo que acontece naquele local. O ambiente é perfeitamente desenhado por d'Eaubonne e belíssimamente decorado pelo diretor de arte Robert Christides.

Mas, devo confessar. Max Ophüls é mestre. Ele ressucitou, na voz de Jean Servais, Guy de Maupassant. E qualquer um que tenha esse poder merece meu respeito. Ainda mais tendo a maestria de Ophüls.

Por Victor Bruno

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