Ragtime / Dirigido por Milos Forman
(3/5)
Sou suspeito para falar de “Ragtime”. Também sou suspeito para falar de Milos Forman. Mas quando digo que sou suspeito para falar de “Ragtime”, não estou referindo-me ao filme, mas sim ao livro escrito pelo prolífico americano E.L. Doctorow. Afinal de contas, “Ragtime” é o meu livro favorito, e guardo-o carinhosamente na minha prateleira.
Milos Forman havia acabado de sair de um clássico dos musicais, e – como dizem para mim – um filme de importância sociopolítica incomensurável: Hair (Hair, 1979). Foi quando Dino De Laurentiis, o famoso produtor italiano, convidou-o para dirigir a adaptação do best-seller de Doctorow. Na verdade, Forman estava substituindo Robert Altman, que havia dirigido o fraco Popeye, em 1980, apenas um ano antes do lançamento deste filme. Deus sabe o que Altman foi fazer para desistir de Na Época do Ragtime, por que este é o filme perfeito para ele: múltiplas histórias, crítica aos costumes retrógrados de uma sociedade (por assim dizer) moralista. Enfim, cada um sabe o que faz. Mas, sendo sincero, Forman não era a melhor opção para dirigir este filme. O diretor tcheco simplesmente não soube como dividir os 155 minutos de filme para as seis linhas narrativas principais do filme.
Em linhas gerais, o objetivo de Na Época de Ragtime é montar um painel que mostre como funcionavam os costumes e as mentes da América no início do século XX. Em New Rochelle vive uma típica família de classe média-alta norte-americana – gramado mais-que-verde no jardim, uma hortinha no quintal, cerca, uma empregada, etc. Papai (James Olson) é o homem que tem o sagrado dever de manter a família funcionando. Na casa ainda vivem Mamãe (Mary Steenburger), Irmão Mais Novo (Brad Dourif), sem contar com o filho e o vovô e a empregada, Brigit. Não demora muito para percebermos que as coisas não são assim tão agradáveis nesta residência de New Rochelle: o Irmão Mais Novo é obviamente lunático, Mamãe tem seus direito de pensar revogado por Papai (são incontáveis as vezes que ela diz “Eu acho que...” e Papai a corta com a frase “Eu acho que minha esposa quis dizer...”).
As coisas só pioram quando surge um bebê na horta do fundo do quintal. Não demora muito para Sarah (Debbie Allen), a mãe da criança. Ela é negra e rapidamente já é tachada de “criatura abominável”. Nas palavras do policial que a leva para a casa da família: “Não podemos compartilhar os mesmos pensamentos que essa gente [negros]. Não são cristãos como nós.” Não obstante, surge a figura mais importante da trama: Coalhouse Walker Jr. (Howard E. Rollins Jr.). Elegante, bem-educado, pianista especializado em ragtime (“Primeiro eu toco o que pedirem. Depois, ragtime”).
Ao mesmo tempo conhecemos a história de Evelyn Nesbit (Elizabeth McGovern, linda). Carismática, enigmática, interesseira. Ela está casada com “Henry K. Thaw, de Princeton!”. Mas Henry K. Thaw está muito aborrecido, pois Sanford White construiu uma estátua, com claros traços similares ao da garota. É um nu que está pendurado no alto do Madison Square Garden. Resultado: K. Thaw mata White com um tiro na cabeça e agora responde a processo. Pouco tempo depois Nesbit conhece Irmão Mais Novo e Tateh. Ela se apaixona pelo Irmão Mais Novo e aparentemente cria afeição por Tateh.
Por gostar tanto do livro (parafraseando Forman, Doctorow escreve como um anjo), acabo ficando com mais dificuldades do que imaginava. Entretanto, vou separar as duas coisas. Caso contrário, acabaria ficando tal qual uma fã de “Harry Potter”, aborrecida por que parte X do livro não foi para o filme. Não, o problema não é este. O problema é que o roteiro do filme não consegue criar uma trama uniforme para o longa. Apesar do roteirista Michael Weller (e do roteirista Bo Goldman, de Um Estranho no Ninho, que teve participação não creditada) cortar grande parte das narrativas paralelas (por exemplo, no livro, acompanhamos a depressão do mágico Harry Houdini após a morte da mãe, e a trajetória de Tateh depois de deixar Nova York e ir tentar vida nova na Filadélfia), jamais conseguimos nos sentir totalmente envolvidos por aquela trama, que parecia tão promissora. Como Irmão Mais Novo conseguiu se envolver amorosamente com Evelyn Nesbit? Ninguém sabe. O roteiro de Weller salta de um segmento para outro de forma tão louca que a narrativa torna-se incompreensível. A personagem de Tateh é totalmente esquecida pelo roteiro, assim como Nesbit. Weller prefere dar mais atenção à personagem de Coalhouse Walker Jr., que – não por acaso – transforma-se na figura mais interessante do filme. Entretanto, se no livro, Walker era uma vítima das circunstâncias, Weller transforma-o numa figura arrogante e prepotente, que age com requintes de loucura e insanidade. Não à toa, a melhor cena do filme, quando Walker conhece Brooker T. Washington, foi copiada letra por letra do livro.
Mas se o roteiro é falho, não podemos falar o mesmo da direção de Forman. O homem filma como um lorde. Com uma elegância impressionante. Um exemplo? Repare na tensão que o diretor estabelece na cena do assassinato de Stanford White. Numa série de cortes ágeis e secos (mostrando, assim, um dos maiores trunfos do filme: a montagem precisa de Anne V. Coates), Forman mostra o estado de nervos de Henry K. Thaw, a ignorância de White sobre o que está para lhe acontecer e – ironicamente – o objeto que criou toda aquela situação: o nu de Evelyn Nesbit.
Além da ótima direção de Forman, o designer de produção de John Greysmark e a excelente trilha sonora de Randy Newman (sim, o mesmo Randy Newman da Pixar) marcam presença no filme. Inclusive a música One More Hour, que toca durante os créditos finais do filme, composta por Newman, foi indicada ao Oscar do ano de 1981.
No fim das contas Na Época do Ragtime prova-se um filme médio, que caiu no limbo do esquecimento, dentro da carreira de seu diretor. Forman, diretor de poucos filmes, escorregou feio com esta obra. Fazer o que? Nada. De toda forma, Na Época do Ragtime, com suas boas atuações (destaque para Elizabeth McGovern, que apenas alguns anos mais tarde estrelaria a obra-prima de Sergio Leone, Era Uma Vez na América, interpretando um papel similar), serviu de preparação para Forman produzir seu filme mais poderoso: Amadeus.
Por Victor Bruno
3 comentários:
Não lí muita coisa da literatura norte americana, mas me parece que o livro que originou este filme é muito bom.
Estou conhecendo o blog agora, Victor, e gostando bastante. Sou muito fã do Forman, e tenho curiosidade quanto ao RAGTIME. Seu texto me animou por um lado, mas as críticas quanto a irregularidade da narrativa me fizeram pensar um pouco antes de assisti-lo. Mas como é Forman, acho que vai valer a pena de qualquer forma.
Não lí muita coisa da literatura norte americana, mas me parece que o livro que originou este filme é muito bom.
O livro é excelente. Recomendo a leitura. Ele está disponível na coleção Best Seller, por um preço bem acessível -- cerca de 12 reais, se não estiver enganado.
Wallace,
Eu recomendo. Não é uma obra-prima, mas diverte e serve como bom entretenimento.
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