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Especial David Fincher: O Curioso Caso de Benjamin Button

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sexta-feira, 30 de julho de 2010

Lawrence da Arábia

Lawrence da Arábia
Lawrence of Arabia, 1962
Dirigido por David Lean
Roteiro de Robert Bolt e Michael Wilson
Com Peter O'Toole, Omar Sharif, Alec Guinness, Athonny Quinn

"Nunca haverá, em tempo algum, um homem como ele. Seus feitos entrarão para a história, e seu nome viverá para sempre nas lendas da Arábia"
-- Winston Churchill

Realmente. O nome de Lawrence da Arábia, sem dúvida nenhuma, será eterno, não só pelo filme que será discutido aqui, mas também pelos próprios feitos do Lawrence da Arábia real, Thomas Edward "T.E." Lawrence. O inglês que teve um sonho, o de ver o povo árabe poder ter sua própria nação. Não mediu esforços para ver seu sonho realizado, ver os Turcos Otomanos irem embora das areias das Arábias.

Lawrence da Arábia conta a história deste homem, T.E. Lawrence. Arqueólogo, espião, militar e escritor. Durante a Primeira Guerra Mundial Lawrence é enviado para o deserto como concelheiro militar por dois motivos:
  1. Seu enorme conhecimento da cultura árabe.
  2. Seu enorme conhecimento estratégico.
Então as quase quatro horas de filme são as aventuras e desventuras de Lawrence pela Arábia. Seu envolvimento com os beduínos e como ele entrou com o movimento da Revolta Árabe. Como já dito, um dos sonhos de Lawrence era que os árabes tivessem soberania em sua própria nação.

(O que seria de Lawrence sem a Arábia?)


Um épico dessas proporções não poderia cair em mãos melhores que as mãos do gênio David Lean, que havia ganhado o Oscar pelo premiado A Ponte do Rio Kwai (1957). Todo mundo sabe que Lean tem um gosto especial por épicos. Por isso o orçamento e o calendário de filmagens foram enormes. Se por um lado Lean tinha uma enorme elasticidade de prazos e orçamento por parte do estúdio, por outro o deserto não deu trégua para sua equipe. À começar pelo diretor de fotografia Freddie Young. Se ele já estava quebrando a cabeça com as dunas, tendo que encontrar um jeito de filmar na areia sem perder o foco, o sol ainda fazia o favor de derreter o filme dentro da câmera. Robert Bolt sempre clamou a autoria do roteiro para si, dizendo que Michael Wilson apenas o ajudou a concluir a história. Segundo ele, Wilson deveria ser creditado apenas como "assistente de roteirista". Wilson acabou sendo creditado como co-autor. Por fim, os atores sofriam com o sol intenso, com desidratação. Os produtores terminaram por ter que filmar apenas um take por dia, esticando o prazo para quase 300 dias de filmagem.

Mesmo com um excelente diretor, um excelente roteirista e maravilhosas locações, o filme não seria nada sem excelentes interpretações. Peter O'Toole, em seu primeiro grande filme, nos entrega um maravilhoso Lawrence. Um sujeito culto e elegante. Sua interpretação com um leve toque de feminilidade o deixa ainda melhor, com um quê de classe. Omar Sharif faz um brilhante Sherif Ali, que realmente lhe valeu a indicação ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante. Sherif nada mais é do que a voz da consciência de Lawrence. Entretanto parecem que suas palavras de nada valem para El Aurens (era como Lawrence era chamado pelos beduínos). Suas palavras se perdem no ar seco do deserto. Alec Guinness, Anthony Quinn, Jack Hawkins e Claude Raine fazem todos também excelentes interpretações. A personagem de Raine, o Sr. Dryden, parece que foi escrita sob medida para ele. Um tipo concelheiro. Uma espécie de Sherif Ali de calças.


Entretanto a película peca na edição de Anne V. Coates. Não em como Anne edita, mas sim no running time. A viagem de Lawrence até o Faiçal (Guinness), logo no início do filme, toma 40 minutos de duração, quando poderia durar apenas 20. De fato, a primeira parte do filme, antes do intervalo, é quase toda tomada de viagens, indas e vindas de Lawrence. Entretanto, esse é o único pecado de Coates.

Freddie Young faz a melhor fotografia do deserto na história do cinema. É ele a idéia do clássico take de entrada do Sherif Ali, onde, em um plano muito, muito, muito longo, utilizando-se de uma lente de 70 milímetros (posteriormente chamada de "David Lean lens"), vemos a personagem sair das dunas tomadas por ondas de calor. O plano é tão distante que parece que o Sherif está flutuando, pois não conseguimos ver a areia que ele está pisando. Em termos claros, a fotografia deste filme é um orgasmo visual.

O filme forma um painel psicológico de Lawrence. Seu desejo de ser sobre-humano, passando por provações que ele mesmo se impõe, como atravessar o Sinai.

"- Você não pode atravessar o Sinai! Ninguém pode atravessar o Sinai!

- Moisés atravessou."

Lawrence se acha um Deus. Na cena em que ele diz que vai tomar Jerusalém, ele caminha e a câmera o flagra na frente de um painel com anjos, uma óbvia referência ao seu gênio extraordinário, um semi-Deus. Ele não está errado em pensar que é um Deus pois é como ele mesmo escreveu:

Todos os homens sonham, mas não da mesma forma. Os que sonham de noite, nos recessos poeirentos das suas mentes, acordam de manhã para verem que tudo, afinal, não passava de vaidade. Mas os que sonham acordados, esses são homens perigosos, pois realizam os seus sonhos de olhos abertos, tornando-os possíveis.
-- T. E. Lawrence, Os Sete Pilares da Sabedoria
Sem as Arábias, Lawrence seria um homem sem nome.

Nota: 5 estrelas em 5

Por Victor Bruno

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Talk Radio - Verdades que Matam

Talk Radio - Verdades que Matam
Talk Radio, 1988
Dirigido por Oliver Stone
Roteiro de Eric Bogosian & Oliver Stone (baseado no livro Talked to Death, de Sephen Singular e na peça Talk Radio, criada por Eric Bogosian e Ted Savinar, escrita por Eric Bogosian)
Com Eric Bogosian, John C. McGinley, Ellen Greene, Leslie Hope, Alec Baldwin

Um programa de "talk radio" é similar ao de um "talk show", como aqueles que o Soares faz. Vou dar um exemplo de como a coisa toda funciona:

"- Olá, eu sou Victor Bruno e estou começando o nosso programa preferido, Conversa de Cinéfilo. Já temos ouvintes na linha, é Alice Costa, do Rio Grande do Sul. Alô.

- Alô, Victor.

- Sim, é ele quem está, falando. Pode perguntar.

- Eu gostaria de saber qual sua opinião sobre a tecnologia Blu-Ray, e quando ela estará disponível para o grande público."

Um radialista de "talk show" em seu perfeito estado de consciência responderia:

"- Olha, acho que o Blu-Ray estará dentro de cinco, seis, anos, disponível para o grande público. Acredito que será como o DVD que, inicialmente, as pessoas achavam que era algo impossível. Agora é difícil de encontrar uma pessoa que -- pelo menos -- não tenha assistido um filme na tecnologia do DVD."


Um radialista de "talk show" no estado de consciência de Barry Camplain responde:

"- Olhe, minha filha, como você vem ligar para cá falando de porcaria de Blu-Ray quando o nosso país está tão ruim? Você sabia que ontem mesmo dois adolescentes drogados esfaquearam uma senhora de 72 anos? Sabia? Eu não ligo para o que você pensa! Estamos aqui para denunciar a bagunça que este país está!"

O tema de Talk Radio é perfeito para Oliver Stone (Entre o Céu e a Terra, Nascido em 4 de Julho). Aqui temos o caso de um radialista judeu chamado Barry Champlain (Bogosian) que apresentava um programa de rádio que procurava denunciar os (milhares, infinitos, colossais) podres da América. Ele tem um estilo corrosivo extremamente sarcástico irônico de apresentar seu "talk show", e não mede esforços para humilhar todos aqueles que discordam das suas opiniões (que são pra lá de controversas e polêmicas). Pelo programa ser apresentado na madrugada, aparecem vários tipos malucos insanos e drogados falando com Barry. Tudo muda quando a ex-esposa do radialista, Ellen (Greene), visita-o para sua primeira transmissão em rede nacional, e, teoricamente, o amor entre os dois é reacendido. Como se não bastasse Barry ter de lutar contra sua consciência e não se deixar levar pelo momento, um neo-nazista chamado Chet (Earl Hindeman, apenas na voz) anda ligando constantemente para o programa, ameaçando a vida do apresentador. Nada de mais, devido a natureza do programa e de Barry. Teoricamente, é claro.

Analisando bem a sinopse, não parece nada diferente de coisas que nós já não tenhamos visto anteriormente no cinema. Um exemplo bem claro de pessoas da mídia tentando mudar o mundo nas telas do cinema é no filme de Rede de Intrigas, de Sidney Lumet. Aqui, assim como no filme de 1976, também temos discursos longos e bate-bocas intermináveis com a produção do show. Tudo isso ficaria deslocado se não fosse uma ótima direção de Stone (quando ele ainda era normal e não era impressionado com teorias da conspiração e afins), e um excelente roteiro de Eric Bogosian (que estrela o filme, como já dito) e do diretor.


O filme, por te sido feito com um orçamento minúsculo (4 milhões de dólares) está cheio de atores desconhecidos, principalmente na época do lançamento. Mas "ator desconhecido" não significa "mal ator". O principal exemplo disso é justamente no protagonista: Eric Bogosian (em seu primeiro filme) nos entrega um Barry Champlain perfeito. O ator que já havia encarnado o radialista na peça que deu origem a esta película interpreta um homem que parece desalmado, à beira da insanidade e cheio de dúvidas, que, querendo ou não, leva para casa quando a manhã nasce, o peso de todas as ligações que recebeu. Barry é tão abalado emocionalmente que quando seu chefe Dan (Baldwin), liga-o num dia de domingo é obrigado a pedir desculpas, pois sabe que "domingo é o único dia em que você não se odeia." Alec Baldwin (hoje uma grande estrela) faz também um bom papel como Dan, o presidente da rádio onde Barry trabalha. John C. McDinley, como Stu, também faz uma ótima performance.

O maior pecado do filme, sem dúvidas, não estão nas atuações, nem na direção e roteiro, mas sim na edição. Diga-me, oh, pai celestial, para que colocar um flashback de quase dez minutos mostrando as origens de Barry e sua esposa?! Não há necessidade nenhuma! Nenhuma! Então para quê colocar?! Me parece que aconteceu aqui que o filme tinha de ter um running time X a produção resolveu entupir o buraco que faltava de tempo com esse flashback desnecessário, que quase mata o filme inteiro. Fora isso, o filme não tem nenhum grande pecado, ou falha (talvez um pouco na cinematografia de Robert Richardson (Kill Bill vol. 1 & 2, Neve Sobre os Cerdos), mas temos de levar em consideração que este é um dos primeiros filmes do diretor de fotografia).

Ao final dos maravilhosos 110 minutos de projeção, fica uma boa mensagem. Uma mensagem que Ernest Hemingway já havia nos dado em 1940:

"O mundo é um belo lugar, pelo qual devemos lutar."
-- Ernest Hemingway, de From Whom the Bell Tolls

Sim, com certeza, senhor Hemingway. Precisamos de mais Barry Champlains. Mas também não precisamos de mais gente como ele. O mundo também é ambíguo.

Nota: 4 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

quarta-feira, 28 de julho de 2010

In the Loop

In the Loop
In the Loop, 2009
Dirigido por Armando Iannucci
Roteiro de Jesse Armostrong & Simon Blackwell & Armando Iannucci & Tony Roche
Com Peter Carpaldi, Tom Holland, Chris Addison, James Gandolfini, Gina McKee, Mimi Kennedy, Anna Chlumsky

Tente encontrar uma saída quando você está no nó. Esta é a tagline do primeiro trailer do fantástico filme satírico-político In the Loop. Um filme seco, rápido e hilário que mostra a situação hipotética do mundo nas mãos de pessoas indecisas e nervosas.

Esperem, esta situação não é hipotética.

In the Loop, título não oficial no país, até por que o filme nunca esteou aqui, e é por que foi indicado ao Oscar, pode ser encarado como o novo Dr. Fantástico (1964 - Stanley Kubrick). Não estou dizendo que é o novo Dr. Strangelove, entretanto existem algumas semelhanças, principalmente na sinopse e no estilo do filme.


O filme conta a história de Simon Foster (Hollander), o Secretário Britânico para o Desenvolvimento Internacional. Ele está dando uma entrevista quando faz uma breve menção à guerra no Oriente Médio (difícil é saber qual). Ele diz que a guerra é imprevisível, em todos os sentidos. Isso desperta a ira do já esquentado Conselheiro do Primeiro-Ministro Malcolm Tucker (Carpaldi, em uma fenomenal interpretação), pois sabe que esta pequena palavra, imprevisível, pode botar todos os planos do governo -- que apóia a guerra. Por que pode ferrar com tudo? Se a guerra é imprevisível, por que mandaríamos os soldados para algo que não conhecemos? A partir daí o pobre Secretário de Desenvolvimento, tenta, desesperadamente, resolver o nó em que ele está metido, e, acalmar os ânimos de todos os que estão à sua volta. Imagine que o destino do mundo está por um fio. É difícil, não?

Você, como responsável pelo... destino do mundo, tem que tomar as decisões rapidamente para tudo não se perder. Esse é a premissa perfeita para o estilo de direção de Armando Iannucci, extremamente rápido, que pode, para quem não estiver preparado, dar um nó na sua cabeça. Sua câmera está sempre em hand-held, balançando. É muito delicado colocar sua câmera assim, pois pode incomodar o espectador (imagine-se olhando para uma imagem tremeliquenta durante uma hora e 40 minutos). Mas talvez seja justamente o ritmo acelerado do filme que dificulte um pouco a assimilação das coisas, mas, fora isso, In the Loop não tem nada que possa dizer que incomode ou que seja uma "falha".


O roteiro, escrito à oito mãos, é um primor. Piadas inteligentes e situações hilárias surgem a cada minuto. Aliás, vale mencionar que este filme é uma spin off de uma série do Reino Unido chamada The Thick of It, com uma sinopse parecida. A construção da história não é prejudicada em nenhum momento pelo seu roteiro. Como já dito, a falha do timing do filme -- em seu ritmo exageradamente rápido -- fica por conta da direção de Iannucci.

De longe a melhor interpretação do filme fica por conta de Peter Carpaldi, como o desbocado Malcolm Tucker. Seu enorme conhecimento clássico e pop lhe garante tiradas únicas no filme. Ele é o responsável pelo maior número de palavrões da projeção (e também é responsável pelo maior número de risadas). Tom Hollander faz uma boa atuação, e nos entrega um anestesiado e indeciso Simon Foster. Fora esses dois o destaque fica por conta de James Gandolfini (da série "Sopranos" (por que todo mundo sempre o identifica por esse trabalho? Me faz pensar que ele nunca fez nada diferente)). Sua cena onde ele usa um notebook infantil para calcular o número de tropas é impagável.

Eu particularmente me apaixonei pelo título. In the Loop, que em português significa "no nó" é algo tão comum, que toda vez que estou em algo sem saída eu passei a pensar "agora eu estou no nó." Não é muito difícil encontrar alguns "Simon Fosters" no dia a dia. Todo mundo já entrou em algum "nó" na vida. Não é legal. Imagine quando o mundo está por um fio por que você entrou num "nó". "Nó" este que alguns distribuidores entram constantemente. Parece que só o Oscar não é suficiente para trazer um bom filme para cá. Embora nem todos os filmes do Oscar sejam bons. Nada justifica um Avatar ser favorito e o In the Loop não seja. Ao invés de ficarem pressionando os distribuidores trazerem À Prova de Morte para cá, poderiam experimentar algo diferente e trazer este filme para cá. Mas parece que os distribuidores são todos Simon Fosters. Eles estão no nó. Encontrem uma saída.

(E em homenagem à eles meu dedo indicador está amarrado com um nó num fio de nylon.)

Nota: 4 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Quando o perfeccionismo atrapalha

Barry Lyndon
A Film by Stanley Kubrick

A história deste post é longa... muito longa. Inicialmente eu quis fazer um post sobre Michael Cimino e sua experiência pós-O Portal do Paraíso. Entretanto eu desisti. Depois eu quis fazer um "Galeria", só que não sabia sobre o que. Na pesquisa eu encontrei uma foto da famosa máscara de Tom Cruise em Eyes Wide Shut, De Olhos Bem Fechados. (Eu até descobri que cópias da máscara se encontram a venda em lojas (não lojas e R$1,99) especializadas.)

Eu parei e escrevi a crítica de O Brother, Where Art Thou?. Depois de refletir um pouco eu encontrei um ponto de encontro entre O Portal do Paraíso e De Olhos Bem Fechados: seus diretores perfeccionistas.

Até onde eu saiba, Cimino não tem a fama de perfeccionista. Ele tem fama de excêntrico, o que é diferente. Bem diferente. Entretanto, por algum motivo virou perfeccionista no que seria a obra da sua vida: Heaven's Gate. Há a lenda de que Cimino passou 5 dias filmando 25 % de uma frase. Cada take foi desenhado e redesenhado no storyboard para a frase fica impecável. Frase aliás que deve ser a mais repitida da história do Cinema: Is a dog. Em quantos filmes as pessoas dizem "É um cachorro"? Vários, com certeza.

Michael Cimino's
Heaven's Gate

Se o filme de Cimino era para ser um arrasa-quarteirão, acho que foi bem sucedido e arrasou um quarteirão. O quarteirão da United Artists, levando-a a falência no maior fiasco da história do cinema. Fiasco é pouco perto do que foi o fracasso histórico de Heaven's Gate. Perto de um orçamento equivalente ao PIB de um país pequeno, o filme que arrecadou míseros 3 milhões de dólares era para ser o definitivo filme de Western -- de Western não, de qualquer coisa que já foi feita ou que venha a ser feita. Cimino tentou criar um filme que bloqueasse todas as idéias.

"- Vamos fazer um filme?

- Sobre o que?

- Uma comédia pastelão.

- É! -- digo... não vai dar...

- Por que?

- O Portal do Paraíso já tem a cena definitiva de comédia pastelão."

Jogo da adivinhação. Qual dessas imagens é de um filme que não ferrou com um estúdio? Esta...

Isso me lembrou outra coisa. Stanley Kubrick. Particularmente seu trabalho em Barry Lyndon. Todo mundo sabe que a fotografia deste filme é um "orgasmo virtual". É o estilo de filme que, se fosse ruim, a gente poderia colocar o áudio em "mudo" e apenas contemplar as imagens.

Eu estou usando esse exemplo para mostrar uma coisa, e uma coisa apenas: perfeccionismo atrapalha. É um tópico que vale até para mim mesmo. Barry Lyndon, apesar de ter a melhor fotografia da história do cinema, do mesmo jeito que O Portal do Paraíso também tem uma das melhores, não é essa Brastemp toda. É um bom filme, tem uma boa história, mas mesmo assim é apenas um ótimo filme. Kubrick pode ter se dedicado inteiramente à obra -- e ele fez isso --, mas talvez seu desejo de colocar o espectador no período em que filme se passa atrapalhou-o para ver o filme como uma coisa toda. Cinema é áudio + imagens + história. Se um destes três alicerces "avacalha", tudo vai por água abaixo, o filme falha. Barry Lyndon falha no quesito "história". Não estou querendo dizer que o filme é ruim, mas, dentro de um parâmetro maior, Barry Lyndon não chega ao nível de um Dr. Fantástico, filme que, aliás, considero a segunda maior obra-prima do cineasta americano.

... ou esta?

Tomado este exemplo, voltemos para o filme de Michael Cimino. Seu desejo kubrickiano de fazer o melhor filme do mundo avacalhou completamente um filme de potencial enorme. Contar a história das infames guerras de Johnson County e cutucar a ferida dos americanos (mesmo que seja numa nota de rodapé histórica) é uma tarefa delicada, que Cimino, com apenas dois filmes no currículo (Tuderbolt and Lightfoot, The Deer Hunter) não soube administrar. Por isso, ao contrário de Barry Lyndon (e seu defeito único) Heaven's Gate não é uma obra-prima.

Mas acho que eu estou enganado em algo...

... preciso rever Barry Lyndon.

Por Victor Bruno

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Doutor Jivago

Doutor Jivago
Doctor Zhivago, 1965

Dirigido por David Lean
Roteiro de Robert Bolt (baseado no livro de Boris Pasternak)
Com Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Tom Courtenay, Rod Steiger, Alec Guiness

Eu tenho o livro de Boris Pasternak, da editora Best Seller. É uma edição de bolso, com a capa vermelha e lateral cinza. Eu fiz uma promessa para mim mesmo que não iria assistir o filme de David Lean (A Passagem para a Índia, A Ponte do Rio Kwai) até lê-lo completamente. Entretanto optei por ler o livro Suave é a Noite, de F. Scott Fitzgerald. Opção infeliz, devo dizer. Deixei de ler um grande livro. A obra do autor de O Grande Gatsby não está me dando satisfação, apesar de ser muito boa.

Eu posso estar enganado, é claro. Muito provavelmente não, por um simples motivo: foi com este livro que Pasternak ganhou um Nobel de Literatura, e se o livro for tão bom como o filme (e é, sem sombra de dúvida), foram os 25 reais mais bem gastos da minha vida.

Neste filme, o subsequente ao clássico Lawrence da Arábia, Lean nos conta a história de Yevgraf Jivago, um general do Exército Vermelho. Certa noite, vendo as trabalhadoras de uma represa saindo, ela pergunta se uma delas, Tonya sabe quem é seu pai. Tonya responde que não. A pergunta é feita por um simples motivo: Yevgraf está em busca da filha de seu irmão, Yuri Jivago. O Doutor Jivago do título. Yevgraf começa, então, a contar a história de seu irmão para tentar fazer a garota recordar suas origens.

É uma premissa talvez simples, mas carrega algo muito interessante. A história se passa nos anos 10-20, nas vésperas da Revolução Bolchevique (1917). Como todos nós sabemos, os operários venceram e tomaram o poder do Kremelin, massacrando a família do czar. As intenções dos Vermelhos eram, obviamente, transformar a Rússia numa Utopia (a obra de Thomas More). Não deu certo e a Revolução Russa foi um desastre que afogou a nação numa completa terra de miséria e desolação.


Lean, em seu filme, através de um grande roteiro (285 páginas) de Robert Bolt (Lawrence da Arábia, O Homem Que Não Vendeu Sua Alma) uma grande peça. Diálogos primorosos. Bolt é um grande escritor do teatro, mas, se em O Homem Que Não Vendeu Sua Alma o roteiro é a peça principal, o mesmo não acontece em Doctor Zhivago, aliás, é no roteiro onde se encontram as falhas do filme. Ou melhor. A falha.

Num filme com cerca de três horas e 10 minutos de duração, o processo de crescimento e desenvolvimento do filme é muito seguro. Lean dirige com a elegância de um lorde inglês (aliás, ele era um lorde inglês. Na verdade um sir. Sir David Lean). Isso fica provado na belíssima fotografia do filme. Mas ainda não vamos falar disso.

A falha do roteiro de Bolt é não saber que a revolução dos bolcheviques deveria ser apenas uma moldura. --

A falha do roteiro de Bolt é não saber que a revolução dos bolcheviques deveria ser apenas uma moldura? Não, não é isso. A vida de Yuri Jivago está no meio do furacão da Primeira Guerra Mundial, Revolução Bolchevique de 1917 e a Guerra Civil Russa. Vermelhos contra Brancos na imensidão que vai do Leste Europeu até os confins da Sibéria. Não há paz para Jivago, o amor sua esposa Tonya, seu filho Sacha e o seu amor nos tempos de guerra e paz, Lara. Não vejo como a vida de Jivago deveria ter como moldura o painel político russo/soviético daqueles tempos. A decisão foi acertada, e a vida de Jivago está no meio daquele turbilhão de acontecimentos. É Jivago não só é o alter-ego de Boris Pasternak, autor do livro, que sofreu na pele os mesmos sofrimentos do povo russo naquela época; como também é a transfiguração de todos os russos, ricos ou pobres daqueles tempos de violência. Talvez alguns acontecimentos do filme sejam um pouco enrolados. Principalmente na parte antes do intervalo do filme (estamos falando de um roadshow de Lean de 1965, tem abertura e intervalo).

A direção de Lean é elegante, como já disse. Lean fez um trabalho extremamente perfeccionista, construindo uma pequena Moscou do início do último século com mais de 10 acres. Gravado quase todo em locação, com um gordo orçamento (15 milhões de dólares, na época), e um gordo prazo de filmagem. Lean faz um ótimo trabalho de câmera e na direção dos atores. Uma direção impecável, utilizando-se também de metalinguagem, como na cena em que dois personagens terminam a relação. A medida que discussão que o casal briga, a vela vai gradativamente derretendo o gelo na janela. Isso faz um perfeito simbolismo do que estamos vendo aos poucos. Lean também faz uma das primeiras experiências com a técnica do whipe. Alie essa direção primorosa com uma fantástica fotografia de Freddie Young (Nicholas e Alexandra, Lawrence da Arábia) que se utiliza de uma forma genial das cores do cenário (normalmente brancas por causa da neve).


Omar Sharif faz o papel da sua vida neste filme. Geraldine Chaplin (adivinhem o pai), em seu primeiro papel no cinema, fazendo a interpretação de um dos principais papeis, da esposa de Yuri Jivago, não se sai mal. Aliás, achei sua performance morna, indiferente ao resto dos atores. Julie Christie faz uma grande performance, sem entrar num melodrama completo, entretanto não é insossa como Chaplin (Geraldine, lógico). O único americano do trio, Rod Steiger, faz um papel de um fanfarrão bêbado com cheiro de vodca russo, similar aos exemplares que encontramos nos livros de Dostoiévski. Apesar de algo tão caricatural, Steiger faz uma boa participação.

Falar de Doutor Jivago e não falar da sensacional trilha sonora de Maurice Jarre é um pecado punível com a morte. O famoso Lara's Theme (Tema de Lara) é o maior hit das paradas de sucesso de formaturas, bailes e festas regadas a champanhe dos últimos 100 anos. Sem exageros. Minha mãe reconheceu o tema de cara. Infelizmente não me surpreenderia se não ganhasse o Oscar de Melhor Trilha. Estamos acostumados à erros e crimes por parte da Academia.

Todavia, uma coisa ainda me incomoda após tudo isso. O filme não teve boa aceitação da crítica na altura do seu lançamento. Mas foi um sucesso tão grande que se nós somarmos todas as receitas dos filmes de Lean, juntas, ainda não cobriria os lucros deste filme. agora eu estou preocupado se eu estou achando que Doctor Zhivago é um O Poderoso Chefão quando na verdade é um Avatar.

Não... não é. É genial. Dane-se Pauline Kael. Não tenho culpa se Lean é maravilhoso.
I wouldn't take the advice of a lot of so-called critics on how to shoot a close-up of a teapot.
Perfeito Sir Lean, perfeito.

Nota: 5 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?

E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?
O Brother, Where Art Thou?, 2000
Dirigido por Joel Coen (e Ethan Coen, não creditado)
Escrito por Ethan Coen & Joel Coen (baseado na Odisséia, de Homero)
Com George Clooney, Tim Blake Nelson, John Turturro, Chris Thomas King, John Goodman, Holly Hunter

Uma rápida pesquisa na Wikipédia sobre humor negro nos dá a seguinte resposta:

O humor negro é um subgênero do humor que utiliza situações consideradas por muitos como de mau gosto ou politicamente incorretas, usualmente de natureza mórbida, para fazer rir ou divertir o público menos susceptível. Entre os temas retratados pelo humor negro estão a morte, o suicídio, o racial, as doenças e a violência entre outros.

É realmente muito difícil conseguir conciliar elegância e humor negro sem parecer algo gratuito, ou mesmo pervertido. Usar algo como morte para fazer as outras pessoas rirem é -- no mínimo -- algo muito difícil. Mas faz parte da tarefa de alguém que quer fazer as outras pessoas rirem. No mundo, só existem duas pessoas que conseguem fazer o humor negro com elegância e qualidade, aliás um deles nem é uma pessoa, mas um grupo: o famoso Monty Python (O Sentido da Vida, A Vida de Brian). A outra pessoa... também não é uma pessoa, mas sim uma dupla: Os Irmãos Coen (Fargo, Na Roda da Fortuna). Claro que eu estou esquecendo de citar -- digo, eu não estou citando muita gente, como Hugh Laurie (não só pela sua participação na série House, mas como pelo seu livro O Vendedor de Armas, que é muito bom).

O filme dos Coen em questão é O Brother, Where Art Thou?. No Brasil, o filme se chama E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?. Não é uma má tradução, mas é um tanto vulgar. O título do filme, na sua língua original é mais poético. Uma tradução "mais acertada" seria "Oh, Meu Irmão, Onde Estás?". O "Art Thou" do título original é arcáico, e só é utilizado quando se quer fazer algo bem formal. Chamar um título tão poético de "Cadê Você" me parece um crime contra a língua portuguesa e contra a língua inglesa. E contra os Coen. E contra a produtora que autorisou o título, e contra qualquer pessoa que goste do título original. Mas, pelo menos, os tradutores do título não cometeram o crime que cometeram com Shutter Island.


O Brother começa com a fuga de três prisioneiros -- Everett (Clooney), Pete (Turturro) e Delmar (Blake Nelson) -- cuja a única função que tinham era quebrar pedras (aquelas clássicas cenas de prisioneiros americanos quebrando pedras com camisetas parecidas com as dos Irmãos Metralha). Eles só faziam isso: quebrar pedras. No calor escaldante, semi-infernal do meio-oeste americano. Eles fojem sem ter nada a perder (salvo a vida, se os guardas pegarem-os no flagra). O objetivo da fuga não é só a busca pela liberdade, mas um baita tesouro que Everett supostamente escondeu. Só que muitas surpresas que lhes aguardam no caminho.

A direção dos Coen é a habitual. Eles são adeptos do estilo de direção invisível. Não movem muito a câmera, entretanto, não mexer na câmera não significa que não tenham cuidado com a fotografia. Aliás, a fotografia é um dos melhores aspectos neste filme, ao lado, é claro do afiado roteiro e da belíssima trilha sonora. Aspectos que veremos mais à frente na crítica, após os comerciais.

...

O roteiro. O roteiro de O Brother é uma maravilha do cinema. Por mais que Joel e Ethan insistam em dizer que não se basearam na Odisséia de Homero, está na cara que se basearam. Dizer que... a liberdade é vermelha, quando você sabe que é branca (sim, foi uma referência ao filme de Zrzisztof Kieslowski). Inclusive cada personagem no filme tem seu exato correspondente no poema de Homero. Por exemplo: Everett é o correspondente de Ulíssis (aliás, o nome completo de Everett é Ullysses Everett McGill), o Xerife Cooley é o correspondente de Posseidon, etc.


George Clooney (Conduta de Risco, Queime Depois de Ler) arrasa como Everett McGill. Por algum motivo sua performance -- e até mesmo sua personagem -- me recordaram outro filme dos Coen: O Amor Custa Caro (Intolerable Cruelty - 2004). A personagem que Clooney me recorda é Miles Massey. Os dois tem obsessão por alguma parte do corpo. (Miles é louco pelos dentes. Everett pelo cabelo.) Os dois são espertos. Os dois são apaixonados perdidamente pelas suas amadas. Fora Clooney, as atuações de Tim Blake Nelson, John Turturro, Chris Thomas King e Charles Durning também são dignas de nota.

Fora o roteiro dos Coen, o filme tem outro trunfo. Um grande trunfo, aliás. Um não, dois. T-Bone Brunett é o responsável por uma das melhores trilhas sonoras dos últimos anos. (Quem gosta das trilhas sonoras dos filmes do Taran -- gasp! gasp!, rrgghhhh, arf!, hum - hum... desculpem. Eu não consigo dizer "Tarantino" sem me engasgar. Nâo sei o que vêem nele.) O soundtrack de Brunett é artístico, e tem hisória por trás das músicas. Todas elas são grandes ícones do country e da música negra do meio-oeste. Aliás, as músicas são de uma sonoridade muito agradável. (Eu mesmo não consigo de escutar In the Jailhouse). O outro trunfo é uma impecável fotografia de Roger Deakins (Kundun, O Assassinato de Jesse James Pelo Covarde Robert Ford (eu adoro esse título)), que varia entre o verde e o sépia do meio-oeste.

No final, O Brother se torna mais um grande filme dos Coen que não é reconhecido. Por alguma razão os filmes deles não tem alcance. (Tudo bem, O Brother não é um Fargo da vida.) Acho que é a multidão anestesia de todos as pessoas de hoje. Alguém viu os números da bilheteria de Um Homem Sério? Pesquisem. Isso só me faz pensar que quanto menor a bilheteria, melhor é o filme...

Isso não é uma regra, mas façam uma tentativa.

Nota: 4 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

terça-feira, 13 de julho de 2010

Grandes Cenas - Nixon

Nixon está conversando com um grupo de hippies-pacifistas no meio da noite no Memorial Lincoln. Seu templo. Sua igreja. Uma jovem estudante está lhe fazendo algumas perguntas. Perguntas que Dick Nixon não consegue responder com facilidade.

Nixon - Entenda. Mudanças... vêm devagar. Eu também quero acabar com a guerra.

Estudante - Você quer o fim da guerra, nós queremos o fim da guerra. Qual o problema, então?

Imagens de Nixon sozinho com Lincoln em seu Memorial, fotos da guerra, filmes de arquivo e o próprio Lincoln são passados rapidamente pela tela.

A estudante parece ter um insight e responde pelo próprio Presidente.

Estudante - É por que você não pode. Mesmo que você quisesse. É por causa do sistema. É por que o sistema não deixa você parar.

Nixon - Isso é maior do que o que você ou eu queremos.

Estudante - Então qual é o problema? Qual é o problema de ser presidente. Você é o poder.

Um momento.

Nixon - Não! Não, eu não sou o poder. Por q -- Por que eu entendo o sistema. É... é -- uh... Eu controlo-o. Talvez... uh -- uh... Talvez não totalmente, mas eu posso tirar algo bom disso.

Um outro momento.

Estudante - Você faz parecer como se estivesse falando de um animal selvagem.

Nixon - Talvez eu seja.

Nixon retorna ao seu carro, que aguarda-o aos pés da escadaria do Memorial Lincoln, onde existe um mar de hippies dormindo.

Nixon - Ela entendeu, Bob. Uma colegial de 19 anos entendeu.

Bob - O que?

Nixon - Ela entendeu algo que eu demorei 25 anos de vida política para entender. Ela entendeu a CIA, a Máfia, os bastardos de Wall Street. Ela chamou isso de animais selvagens.

Bob - Sim, senhor.

Por Victor Bruno

sábado, 10 de julho de 2010

Bastardos Inglórios

Bastardos Inglórios
Inglourious Basterds, 2009
Dirigido por Quentin Tarantino
Escrito por Quentin Tarantino
Com Christoph Waltz, Brad Pitt, Mélaine Laurent, Daniel Brühl, Eli Roth, Til Schweiger, Michael Fassbender, Diane Kruger

Bastardos Inglórios... o que dizer sobre este filme? Nós podemos dizer muitas coisas. Nós podemos dizer que uma grande prova de amor de Quentin Tarantino (Pulp Fiction, Jackie Brown). Nós podemos dizer que é um grande entretenimento para um fim de semana. Mas nós podemos principalmente dizer que é uma experiência maçante.

A sinópse do filme: de um lado temos Shosanna (Laurent). Em 1941 sua família foi massacrada pelo cínico Coronel Hans Landa (Waltz), e agora ela está em busca de vingança (muito original vindo de Tarantino). Do outro temos o esquadrão semi-suicida do Tenente Aldo "O Apache" Raine (Pitt). A missão do esquadrão é simples: matar e escalpar o maior número de nazistas possíveis.

É uma trama boa. Você pode tirar várias coisas daí. O problema do filme é Tarantino e seu ego do tamanho da loucura de Hitler. O cinema de Tarantino não permite, de forma alguma nenhum tipo de evolução. É o cinema do quase. Você quase tem bons diálogos, você quase tem uma boa direção, você quase tem um bom filme. Aliás, Tarantino tem algo em seu tempero que eu não posso dizer se é bom ou ruim: seu estilo é tão emaranhado, tão confuso sem confusão que é impossível não escrever uma crítica sem que você automáticamente fale do roteiro e da direção. Se há algum mérito para o diretor será justamente aí: ele consegue casar roteiro e direção muito bem.


É importante dizer que Tarantino não tem um estilo de direção claro. Ora ele gosta de fazer um cinema que lembra Truffaut (que fique claro que eu não estou pondo Tarantino num pedestal e elevando-o ao nível de Truffaut. Fata muuuito para o Taranta chegar ao nível de francês Truffaut), ora Tarantino gosta de mexer um pouco na câmera. Nisso seu trabalho é muito bom. Em suma, o problema de Tarantino é um só. Seu cinema nunca deixa o espectador mergulhar. Tudo em seu filme é superficial, intocável. Parece que Tarantino constrói uma parede invisível entre os seus personagens e o espectador, como se seus personagens fossem meras peças, e que temos que nos limitar a assisti-los. Isto é errado, no meu ponto de vista. O cinema não deve ser meramente contemplativo. Cinema é sentimento, e Tarantino, mesmo com pilhas de filmes assistidos, não compreendeu isso. Entretanto, isso é refletido em seus...

...roteiros. A platéia pode colaborar comigo e levantar os braços para a seguinte questão: quem gosta dos diálogos dos filmes de Quentin? Mmm... a suprema maioria, obviamente... isso se não tiver alguns mentirosos aqui no meio com medo de serem massacrados pelos fãs do diretor. Eu não vou mentir dizendo que não gosto do estilo de longos diálogos que Tarantino adota em seus filmes. Entretanto, se há alguma coisa que me irritou demais em seu novo filme é: o exagero de diálogos quase desmedido. Não é mal usar um certo número de diálogos, como ele gosta de fazer, mas é realmente necessário colocar uma cena de quase 15 minutos apenas para apresentar um jogo de cartas? Tudo bem, o errado não é mostrar o jogo de cartas, mas fazer a redundância de reexplicar uma coisa que acabamos de ver. E não é apenas uma vez que Tarantino comete esse erro. Vejamos a cena em que a personagen Bridget von Hammesmark (Kruger) diz que Hitler estará na premiére do filme "O Orgulho da Nação", do seu braço direito Joseph Goebbels. Ela dá a informação e, em seguida, temos um insert com Hitler falando exatamente o que acabamos de escutar. Sem contar nas enormes cenas em que as personagens discutem cinema. O que?! Cinema?! Pessoas no meio da guerra discutindo cinema?! Ah, francamente, Quentin... isso não existe em lugar nenhum. É certo que Bastardos é um grande ode ao cinema, mas... não deveria ser nas entrelinhas? Tarantino parece ter uma ânsia incontrolável de exibir todo seu conhecimento cinematográfico aqui, assim como um pavão exibe sua masculinidade para as fêmeas com seu rabo invejável (então nós somos as fêmeas).


Os atores. Estão todos bons. Pitt faz um engraçado (não hilário, apenas engraçado) Aldo Raine. Chega a ser incomodativo suas caretas, que remetem à Marlon Brando em O Poderoso Chefão. E seu sotaque enjoado, arrastado e rouco de um bom nativo do Tennesse, ao mesmo tempo que enriquece, caricatura ainda mais sua persona. E falando em personagens caricaturais, todos os alemães não são, nada mais, nada menos, que a visão de Quentin sobre os alemães nazistas: todos berram e são fanfarrões. O que dizer da cena em que Goebbels aparece fazendo sexo? Gritando e berrando? Estava doendo, Goebbels? É Tarantino, nobre leitor, ele não tem capacidade de criar uma persona verdadeira. Todos são caricaturais, é como se estivéssemos assistindo a um desenho animado, lendo uma tirinha do Dik Browne. (Aliás, foi exatamente o que um crítico judeu chamado Liel Liebowitz disse. OK, não com essas palavras, mas ele disse que Tarantino desenha um Terceiro Reich como se fosse um cartunista (caso você pesquise na Wikipédia americana, você encontrará essa citação).)


Christoph Waltz. Eu deveria escrever um post só para ele. Nunca mais, não recentemente, encontraremos uma atuação tão boa. Sensacional, beneficiado por bons diálogos -- ou pelo menos boas tiradas. Parece que Tarantino, em alguns lampejos de criatividade, ou quando alguém apontava uma arma para sua cabeça (provavelmente os irmãos Weinstein) e o lembrava que é um filme -- não uma coletânea de outros filmes (OK, eu não achei exemplo melhor).

Pensando melhor, Bastardos Inglórios não é um grande ode de Quentin ao cinema, mas sim um grande ode de Quentin a si mesmo. O ego de Tarantino é visível na tela. Ele quase invade a cena. E isso deve ter dado um trabalho enorme para a pobre Sally Menke (editora de todos os filmes de Quentin). E também trabalho para David Wasco, Robert Richardson, e toda produção do filme. Se todos dizem que o filme também é uma homenagem ao spaghetti western, que revelou Sergio Leone, não era melhor ter feito logo um spaghetti western, assim como fez com Kill Bill?

"Sabe... eu acho que. Espera. Garçoenete. Mais café. Enfim. Como eu ia dizendo: esse novo filme do Tarantino. Até que eu gosto de Pulp Fiction, sabe?, mas toda vez... é direto a mesma coisa que ele faz. Blá, blá, blá, tiro e morte. Se ele quer fazer filme no estilo dos filmes que ele assistia quando era um reles balconista, vai fazer logo, bichão! Todo mundo vai gostar. E isso me irrita."

Mais o que irrita mais é a sua arrogância, por que você só saberá o que é a guerra quando a ver pelos olhos de Quentin Tarantino. Ele já esteve numa guerra para saber? Ou será que ele esteve e o que viu foram soldados falando sobre Leni Riefenstahl?

Nota: 3 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

terça-feira, 6 de julho de 2010

Eclipse... cinematográfico

Alguém tem algo à comentar? Não? Não? Pois é...

Eu sou um bom observador. Apesar de não prestar muito bem atenção nas coisas (chegando ao ponto de procurar algo que estou segurando -- olha!, achei meus dedos!), eu sei fazer muito bem a distinção de diversos aspectos, reações e olhares do ser humano.

Por que esta introdução? Bom, isso é bem interessante. O texto que você está lendo é o resultado de algumas observações feitas por este que vos fala. Sinceramente eu não consigo entender por que diabos as adolescentes de hoje choram, se esperneiam, cortam os pulsos e se mata em nome de algo que elas nem conhecem? Não, eu não estou falando de adolescente-bombas que trabalham para o Hizbollah, eu estou falando de milhares de adolescentes que choram ao ponto dos dutos lacrimais saírem olho afora por Robert Pattinson e Taylor Lautner, os astros da "saga" Crepúsculo.


Alguns dias atrás, mais precisamente dia 30 de junho, estreou Eclipse, a terceira parte da franquia Crepúsculo. Desta vez quem se sentou na cadeira de diretor foi David Slade. Todo mundo se lembra que ele é o diretor do poderoso MeninaMá.Com (Hard Candy - 2005), um grande filme independente. Mais importante ainda, ele disse que não gostava da série dos vampiros-sem-capa. Então, por que ele dirigiu o filme? E por que ele chamou Howard Shore, o grande compositor de Dúvida (2008) e Os Infiltrados (2006) para compor a trilha sonora de um filme como esse? E por que ainda fazem esse tipo de filme?! Meu Deus, quantas perguntas sem respostas!

Calma. Com certeza alguém como Slade tem uma carta na manga. Com certeza ele deve estar preparando algum filme impactante e monumental. Enfim. Acho que esse é o único motivo das produtoras ainda fazerem esse tipo de filme. Dinheiro. É tudo dinheiro (como diria Ace Rothstein de Cassino (Martin Scorsese - 1995)). Convenhamos, a causa disso não é o dinheiro. O dinheiro deve provir de algo maior -- o público. Público esse formado por milhões... um exército monumental... de adolescentes paranóicas com nossos amigos vampiros bonitões e lobisomens sem camisa. Não vou jogar toda a culpa em cima das adolescentes, tadinhas, elas não têm culpa de nunca terem pego num livro de verdade. E também não vou dar uma de Kafka (será que elas sabem quem é Franz Kafka?) e jogar tudo na educação "jogada" em cima delas). Se eu for botar a culpa em alguém será em J.K. Rowling.

Eu me lembro como se fosse ontem. Entra em cartaz Harry Potter e a Pedra Filosofal -- não, não, vamos voltar um pouco no tempo. Retrocedam a fita.

...
...
...

Sim, agora está bom. Eu não me lembro quando foi que aconteceu, mas foi um "boom" imediato. Harry Potter estava em todos os lugares. Você olhava para a esquerda, Harry Potter. Para a direita, Harry Potter. Se não visse por onde andava, bateria num menino vestido de bruxo. Você, se não for deste planeta, estaria se perguntado "What the fuck is this?". Era a febre Harry Potter. Esse foi o marco da decadência intelectual dos adolescentes. Foi neste momento, aliado a febre dos animes japoneses (aqueles desenhor recheados de violência que não fazem sentido algum, mas que são a sensação dos adolescentes) marcou o início de tudo o que o cinema comercial é hoje: história sem roteiro e cheio de efeitos especiais.


E o tempo passou... as febres foram indo e vindo. E chegamos ao presente com Crepúsculo e as adolescentes semi-Hizbollah. Não estou falando de todas, obviamentes. Existem exceções. E existem aquelas que acham que podem conciliar inteligência e The Twilight Saga (saga é algo mais épico. Deveria ser "The Twilight Franchise", ou, para ser honesto, "The Twilight Bullshit"). Pode até existir, mas não tenho certeza se encontrei. A diferença entre Potter e Swan é que Potter evoluiu um pouco, se tornou mais adulto. Swan continua falando baixo e rouco (quem viu a aparição de Kirsten Stewart no Oscar sabe do que eu estou falando).

Agora, acham que eu estou inventando? Basta olhar a conta bancária das produtoras, ou mesmo das autoras. J.K. Rowling tem mais de 200 milhões de euros em caixa.

Mas... eu tenho fé que isso não será eterno. Filmes como esse formam uma onda e passam. Os verdadeiros filmes ficam para eternidade.

(Sem contar que filmes como esses deveriam nem ter diálogo. Como Filipe Tostes do Cineplayers diz: Quanto menos diálogos este filme tiver, melhor fica. Quem pode dizer o contrário?)

(Elas podem. Salve o Hizbollah.)

Por Victor Bruno

Galeria - Jeremy Blake






Jeremy Blake (1971 - 2007)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

"House, MD" - Broken Fall

"House, MD" - Broken Fall
"Dr. House" - Broken Fall, 2009
Dirigido por Katie Jacobs
Criado por David Shore
Escrito por Russel Friend & Garrett Lerner & David Foster & David Shore
Com Hugh Laurie, Franka Potente, Lin-Manuel Miranda, Andrew Leeds, Andre Maugher, Ana Lenchantin, Robert Sean Leonard

Eu estava preparando dois posts antes deste, um sobre Michael Cimino, o outro também seria sobre uma série de TV a cabo: CSI e o episódio dirigido por Quentin Tarantino: Perigo à Sete Palmos. Mas nada foi tão avassalador comigo quanto este episódio da série House, MD. Episódio não, telefilme. Custou-me duas horas.

Eu eu tenho um certo orgulho em dizer algumas coisas, algumas delas: sou repleto de manias, tenho obsessões e sou extremamente... "House". Não são raras as vezes que não tenho a menor decência em esconder minhas opiniões e fazer delas piadas. Todavia... eu pago um preço parecido com o preço que Gregory House paga na série (viram?, a vida imita a arte). Isso é tão forte que eu não consegui me conter e passei a colocar essas observações e piadas nos meus textos aqui (dêem uma olhada nos meus comentários na lista dos piores filmes brasileiros).


Talvez por isso eu tenha me identificado tanto com o sofrimento de House no episódio em questão, Broken Fall. Claro, eu poderia ter feito o comentário de Perigo à Sete Palmos, da série CSI. Eu não vou nem discutir qual das duas séries é mais profunda: House, que estuda o ser humano em frente à doença, o sofrimento e um pé-no-saco misantropo, ou a série policial que é puro entretenimento (apesar de também tentar demonstrar o lado escuro do homem em seus crimes). Mas a diferença básica é que House é interessante e CSI deixou de ser algumas temporadas atrás.

O telefilme é um especial de abertura para a 6ª temporada de House. Após brigar com os médicos, Gregory House (Laurie) tem sua licensa de medicina caçada e é mandado para um hospital psiquiátrico. Como qualquer um que viu pelo menos um episódio da série, sabemos que seu espírito de convivência em um hospital "cheio de queridos doentes" não é muito expansivo, imagine então dentro de um hospital psiquiátrico, hã? Onde o convívio com os outros é obrigatório. Depois de vários planos para escapulir de lá, House é vencido é vencido pelos médicos e tem que se conformar em viver à norma deles. Por imersão, House acaba se envolvendo com a alemã Lydia (Potente), que visitava uma antiga amiga, a Muda (sim, muda, ela não fala) (Lenchantin). Assim, House tem que consiliar as suas emoções (sim ele tem!) e admitir que precisa de ajuda.


O roteiro assinado a oito mãos, é forte e potente. É visível que no início assistimos a uma comédia dramática e, a medida que o episódio avança nas suas duas horas ele se torna mais profundo, introspectivo e dramático. Quem estava tão absorvido como eu (que em diversos pontos senti vontade de chorar), vai achar o episódio genial. Quem não assistiu e está lendo isso vai me chamar de tendencioso, mas a minha função aqui é mostrar minha opinião. Se não gostou, azar o seu (nem todas minhas tentativas de humor funcionam).

(Eu vou pular a parte da direção de Katie Jacobs. É uma série, ué, tem que ser discreto.)

Uma das coisas que eu mais acho bacana nas séries é que o ator tem que ser perfeito em todas as suas aparições. Manter a regularidade. Hugh Laurie faz um House perfeito. Franka Potente (Corra, Lola, Corra, A Identidade Bourne) faz sua aparição na série em grande forma num papel muito difícil. Os atores que fazem os pacientes e médicos não estragam o episódio. Destaque para Andre Maugher, fazendo um ótimo Dr. Nolan.

Por ser uma série a edição deve ser rápida e contar tudo com o mínimo de imagens possíveis. E não falha. Mas em alguns momentos em que deveríamos ver um pouco mais nós somos privados disso. (Azar nosso, agora.)

É importante saber que House não é uma série médica. É uma série humana com fundo médico. É como Solaris (Solyaris - 1972), de Tarkovski. Poderia se despir daquela bagagem de ficção científica e poderíamos ficar só com o grosso. Aqui poderíamos ficar só com o humano. E isso é o mais interessante. Seus temas (e grosseirias).

Agora acabou. Rápido como um filme de TV.

Nota: 4 estrelas em 5.

Por Victor Bruno

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