Com George Clooney, Meryl Streep, Jason Schwatzerman, Eric Anderson, Wallace Wolodarski, Bill Murray, Michael Gambon, Williem Dafoe, Hugo Guiness e Robin Hurlstone
(4/5)
O cineasta Wes Anderson tem uma carreira interessante. Desde seu primeiro sucesso comercial,
Três é Demais (
Rushmore, 1998), Anderson vem batendo num tema constante em sua carreira: relações familiares. Se naquele filme de 98, o aluno da Academia Rushmore Max Fischer tinha vergonha de ser filho de um barbeiro, mentindo a todos que era filho de um neurocirurgião, para escapar da tachação de fracassado -- rendendo assim uma das melhores
gags do filme, lá pelo seu final --, o cineasta de cabelos loiros, quase um sósia do Win Butler, vocalista do Arcade Fire, parece ter visto ali um tema que lhe interessasse. Repetiu o enredo de "família problemática" no não-tão-bom
Os Excêntricos Tenenbaums. Arrancou outro sucesso de público e da crítica num filme que, antes de mais nada, rouba um gancho de
Rushmore.
Mas roubar ganchos e repetir temas não é, como pode parecer, um problema. Um cineasta pode se repetir, e repetir, temas e estilo tantas vezes quanto achar melhor. O problema real surge quando ele não sabe mais tratar este tema de forma interessante. Surge aquela problemática do "mais do mesmo". Aquele ar de "já vimos este filme antes". Nos últimos anos este vinha sendo o problema de Wes Anderson. Já em seu quarto filme,
A Vida Aquática com Steve Zissou, Anderson já sabia que estava começando a cansar crítica e público com seus temas repetidos, e seu cinema geométrico. Aliás, neste mesmo filme, Steve Zissou é o alter-ego de Wes Anderson. Um homem que tem um certo prestígio, mas passa a ser renegado por todos. Steve Zissou, tal como Wes Anderson, é um cineasta. Ambos gostam de falas poéticas, quase como recitadas. Ambos gostam de enquadramentos precisos. Ambos acham que cinema, ao seu modo, "é uma aventura".
Mas não se engane. Steve Zissou também tem como tema relações familiares. E as repetições continuam no filme seguinte de Anderson,
Viagem a Darjeeling. Troque um submarino por um trem e,
voilá, temos o novo filme de Wes Anderson. Aliás, o filme seu filme mais açoitado pela crítica. Já era tempo de Anderson parar e refletir. Anderson precisava de algo novo, mas que se encaixasse no seu "velho eu".
Então surge este
O Fantástico Sr. Raposo, baseado num livro de Roald Dahl (chamado
Raposas e Fazendeiros). O filme conta a história de Raposo, (voz de George Clooney) um ex-ladrão de galinhas que agora, por força das circunstâncias, e da sua mulher, Felicity (voz de Meryl Streep), é um colunista de jornal. Raposo não tem certeza da sua natureza, se a vida que segue é a que ele realmente quer. Isso fica claro e notório quando, num certo café da manhã, ao ver uma pilha de panquecas, abandona sua postura sempre refinada e culta, agindo de forma selvagem, animalesca, devorando em milésimos as panquecas.
Para a situação de Raposo ficar levemente complicada, ele resolve assaltar os três mais cruéis e sanguinolentos fazendeiros do mundo, Bunco, Boque e Bino. Por que ele faz isso? Para revistar sua natureza animalesca? Por que raposas são, naturalmente, animães ladrões. É disso que o novo filme de Wes Anderson trata, a natureza do ser. O que você é. O que você não é. O que você quer e poderia ser.
Mas isso pode por tudo a perder, ser o que você é. Quando os três fazendeiros descobrem que foram furtados, não medem esforços para matar o Sr. Raposo. A luta contra o animalzinho elegante torna-se desgastante e destruidora. A colina onde Raposo e sua família moravam é destruída e isso põe em risco a vida de
todos os animais da fauna local. Inclusive, claro, a da sua própria família. Raposo e seus amigos (?) têm que lidar com a situação. Paralelo a isso acompanhamos a história do filho do casal Raposo, Ash (voz de Jason Schwatzerman), que é... diferente. Ele sente inveja do seu primo Kristofferson (voz de Eric Anderson, irmão do diretor), que é o melhor em qualquer coisa que faça. Sem contar que ele está namorando sua amada, Agnes (voz de Juman Malouf), o que o deixa ainda mais furioso.
Mas isso tudo logo tem que acabar. Com a caçada dos três fazendeiros todos têm que enfrentar seus problemas e fraquezas por um bem maior.
A trama é inegavelmene infantil, principalmente nesta última parte de "enfrentar os problemas e fraquezas", blá, blá, blá. Se não fosse isso, seria tema de um livro de auto-ajuda. Entretanto temos que levar em consideração que
Sr. Raposo tem origem num livro infantil, e tem (teoricamente, ao menos) como publico alvo as crianças.
Mas o truque de Anderson é simples. Como aplicar isso ao seu estilo? Fácil, fácil. Roald Dahl tem em seu histórico de livros infantis histórias bizarras, humor grotesco (quase sempre) e vilões (às vezes até heróis) com habitos quase cruéis. Ele é o autor de
A Fantástica Fábrica de Chocolate, e sejamos francos -- Willi Wonka não é um exemplo de serenidade e sanidade mental. Combine esta bizarrice com os filmes de Wes Anderson e temos a lasanha pré-cozida.
Naturalmente um dos pontos fortes do filme é o roteiro, escrito à quatro mãos: Noah Baubach e o próprio diretor Anderson. As falas, assim como as de todos os outros filmes do diretor são certeiras, rapidas e bem encenadas. Na verdade, tão bem encenadas que beira o teatrismo. Mas isso é um cacoete cinematográfico do próprio diretor. E é exatamente este cacoete que serve de base para a construção da excelente personagem principal, o Sr. Raposo. Seu pensamento lógico, matemático. Sua arrogância que põe todos em risco e sua inteligência monumental cabem com perfeição no estilo único de Anderson para construção de roteiros (uau!). Sua inteligência é tão grande e bizarra que ele faz questão para mostrar a todos que sabe o nome científico dos animais de cor. Aliás, uma das melhores
gags deste filme encontra-se nesta cena:
Raposo - Texugo! Meles meles! Qual sua especialidade!
Texugo - Especialista em demolição!
Raposo - (Confuso) O que?! Desde quando?
Texugo - Explosões, chamas... coisas que queimam!
Raposo - OK, Linda, anote isso.
O filme ainda abre espaço para outros cacoetes filmicos do diretor Anderson, como, por exemplo, a utilização de músicas da Invasão Britânica e rock dos anos 60-70. Temos a presença de, por exemplo, Beach Boys, Rolling Stones (melhor sequencia do filme acontece ao som de Street Fighting Man). Ainda falando de música, a trilha sonora composta por Alexandre Desplat é sensacional. E olha que esta é a primeira vez que Desplat trabalha com Anderson. Antes as músicas dos filmes do diretor texano eram compostas apenas por Mark Mothersbaugh, fundador do lendário grupo
new wave, Devo.
De todas as formas, o fantástico Sr. Raposo não está imune a erros. Ele é arrogante, como dito. Prepotente e, conforme aponta sua própria esposa "não dá ouvidos a ninguém". A convivência com ele é tão difícil que, em dado momento do filme, Felicity chega para ele -- numa cena extremamente tocante, mas clichê em sua composição -- e diz "Não deveria ter me casado com você". A busca do eu perdido de Raposo coloca todos em cheque. A busca do ser, na vida, é difícil. Raposo poderia ser um personagem de Franz Kafka, em busca de algo que não está mais disponível.
Assim como nas outras famílias compostas por Wes Anderson, os Raposos são neuróticos. Se o pai tem seus problemas existenciais, Felicity tem um passado nebuloso (que rende outra
gag genial), o filho Ash quer ser o que não pode ser, e nem sabe quem é (há a sugestão que ele possa ser homossexual, ou andrógeno). O sobrinho de Raposo é excelente em tudo o que faz, mas ainda sente o pai com quem perdeu o contato. Esmiuçando um pouco mais, O Fantástico Sr. Raposo é um
reboot de
Excêntricos Tenenbaums. As semelhanças começam no próprio Raposo e seu pensamento metódico. Estendem-se até mesmo às roupas da personagem. Conforme aponta o crítico Rodrigo Carreiro, até os robes (roupões) dele são parecidos com os de Royal Tenenbaum.
Mas algumas coisas no filme são extremamente mal explicadas, ou inúteis. Qual a real importância de ficar colocando inserts sobre a vida de Ash e seus problemas com as garotas e sua inveja para com Kristofferson? Nós já sabemos que Ash é um inútil despreparado com pretenções de, um dia, ser tão bom quanto seu pai nos esportes. Se isso tinha a intenção de ser uma sub-trama na história (e, na verdade, é construída como tal), a tentativa fracassou. (Outra hipótese que tenho é que Andeson e Baumbach colocaram isso no roteiro simplesmete para encher linguiça, já que o filme é bem curtinho, 84 minutos.)
Outra coisa extremamente desnecessária é a inclusão da personagem Rato (voz de Williem Dafoe). Ela aparece só duas vezes na trama, não faz absolutamente
nada. Não inclui simplesmente porcaria nenhuma na história (salvo a menção sobre o passado nebuloso de Felicity). De verdade, a única importância de Rato na trama é para ser escada de piada e, mais tarde, incluir um momento dramático.
O Fantástico Sr. Raposo é fantástico, sim. Ao contrário do que a maioria da crítica pensou, o filme não é
apenas para crianças. Há um preconceito para com animações. As pessoas têm um pensamento que funciona no automático: "É uma animação, logo, é para crianças." Isto é errado.
Toy Story 3, da Pixar, mostra isso bem. Stop-motions, computações gráficas, são apenas um meio de contar histórias. Histórias podem ser contadas de qualquer forma. Anderson faz um excelente trabalho ao mostrar uma busca existencial com humor (por mais bizarro que seja) e drama. Isso é coisa para gente grande. Mas não necessáriamente para adultos. O Fantástico Sr. Raposo é um filme para todos. Merece ser assistido.
Anderson parece, finalmente, ter se re-encontrado. Vamos ver o que ele nos reserva à seguir.
Por Victor Bruno