sábado, 18 de dezembro de 2010

Serenity

Serenity, 2005 / Dirigido por Joss Whedon

Com Nathan Fillion, Summer Glau, Adam Baldwin, Sean Maher, Morena Baccarin, Gina Torres, Alan Tudyk, Jewel Staite e Chiwetel Ejiofor


(3/5)

Em 2007, a revista SFX Magazine decidiu fazer uma eleição. A eleição decidiria qual era o melhor filme de ficção científica da história. Os favoritos eram óbvios -- Star Wars, 2001: Uma Odisséia no Espaço, talvez até -- quem sabe -- Matrix? Mas um filme de 2005, fracassado na bilheteria, surpreendeu todo mundo. Este filme chama-se Serenity.

A obra do diretor Joss Whedon (criador da série Buffy - A Caça-Vampiros) tem suas qualidades. Muitas até. Mas será que pode ser chamada de "melhor filme de sci-fi de todos os tempos"? Definitivamente não. E nos meus critérios, isso não deveria nem ser discutido. 2001 é a obra máxima de qualquer gênero na história da humanidade, e sua superioridade é inquestionavel. (Ou ao menos deveria ser, maldita liberdade de expressão.)

Mas eu não estou aqui querendo discutir esta decisão infame. Eu estou aqui para analisar a obra. Serenity é um spin-off da série (que não vi) Firefly, também do diretor/roteirista Joss Whedon. O filme conta a história dos cinco tripulantes da nave Serenity: o capitão Mal (Nathan Fillion), Zoë (Gina Torres), Wash (Alan Tudyk), Jayne (Adam Baldwin), Kaylee (Jewel Staite). O universo está em guerra, com três grupos definidos: os rebeldes, grupo do qual Mal e seus comandados fazem parte, a Aliança, que tem como objetivo "impor a paz" no universo, mesmo que com métodos duvidosos, e os Reavers, grupo independente e canibalista. Sabe-se lá por que eles apresentam este comportamento.
Certo dia uma garota chamada River (Summer Glau) é raptada do centro de pesquisas da Aliança, onde estava sendo preparada para adotar um comportamento condicionado. O raptor é seu irmão, Simon, que na verdade é médico. Juntos os dois são hospedados por Mal e sua equipe. A partir daí todos têm que fugir de um estranho assassino da Aliança, enquanto River apresenta um estranho comportamento.

Serenity tem seus momentos. A começar pelo seu título extremamente irônico. "Serenidade" é algo que não é visto em nenhum momento do filme. Aliás, "Serenity "também é o nome da tempestuosa nave comandada por Mal Reynolds, que por sua vez é um homem egocêntrico, frio e indiferente a todos que os cercam (seguindo esta linha de pensamento, o seu apelido Mal, que vem de Malcolm, pode ser um trocadilho). E mais interessante acerca do nome "Serenity" é ela vem de uma batalha muito sangrenta -- que é citada durante todo o filme. Ou seja, em Serenity, serenidade zero.

Mas é um filme de um cineasta talentoso. De fato, esta é a primeira incursão de Joss Whedon pelo mundo do cinema. Especializado em TV, nascido e criado no mundo da proporção 4x3, Whedon tem nítida dificuldade para tocar seu filme no mundo do 2:35.1. Mas isso não é barreira para ele. O diretor investe em ângulos ousados, planos sequências, batalhas explosivas e lutas feitas em um take só. Mas ainda assim tem grande dificuldade para lidar com a megalomania do seu projeto. Tem um início extremamente didatico -- a impressão que dá é que Whedon tem preguiça para desenvolver as personagens para o público que não assistiu Firefly, como eu -- ainda que surpreendente.

Acima de tudo, Whedon tem dificuldades para lidar com o roteiro que concebeu. Serenity originalmente se chamaria The Kitchen Sink ("A Pia da Cozinha"). Tinha 190 páginas, ou seja, filme para mais de três horas. Seria algo megalonâmico (essa palavra existe?), de proporções nababescas... algo faraônico. A Universal foi lá e cortou o sonho de Whedon pela metade. Esse corte, levando um filme de três horas para 1h50 minutos, deixa tudo muito fragmentado, principalmente durante o primeiro ato da película, mais didática. E com certeza o desenvolvimento das personagens fica mais enfraquecido. É mais fácil crescer do que cortar. Serenity sofre com isso. Por exemplo: o relacionamento de Mal com Inara (a brasileira Morena Baccarin, da série V) por mais que tenha seu passado comentado, não tem suas engrenagens funcionando 100%. Não nos comovemos pela situação dos dois. Se esse relacionamento, da personagem principal, não é bem desenvolvido, imagine um outro affair amoroso mostrado na trama, entre Kaylee (apagadíssima) e Simon.
Os efeitos especiais são preguiçosos durante boa parte do filme. As naves espaciais, logo no primeiro take do filme são ridiculamente mal construídas. Sabe? É óbvio que o que estamos vendo é CGI, um ar falso... parecendo que tudo aquilo foi feito às pressas. No decorrer do filme melhora (até por que muitas das lutas são corpo-a-corpo, sem toda aquela pirotecnia de Avatar, ou Star Wars), mas volta a ficar ruim no final. (OK, tenho que levar em consideração que Whedon teve um orçamento bem apertado para os padrões hollywoodianos -- 40 milhões.)

Whedon é um mal diretor de atores, além de desenvolver diálogos altamente clichês, e situações também. Ele é um cara que não exita em dar alívio cômico numa sequência de ação.

"Nós viemos pegar o cofre!" "Só com autorização." Jayne solta uma rajada de balas com a metralhadora. "OK, podem entrar!"

É engraçado? Sim, mas não condiz com a postura que o filme quer adotar. (Ou ao menos deveria.) Outra coisa que Whedon não exita em fazer é dar aos diálogos inúmeras frases de efeito. São incontáveis. Filosofia de botequim existe aos montes no filme.

E os atores entram na canastrice de Whedon. E até estão bem. Se Adam Baldwin faz um caricaturado durão -- Jaynes -- e Nathan Fillion faz um comandante Mal linha-dura, a única interpretação relativamente realística (coisa que eu sempre prezo nos filmes) é a Summer Glau. É óbvio que o tom do filme cabe realismo em seu bojo, ninguém está discutindo isso. Mas nas interpretações sim. Ali cabe, e Glau faz isso com brilhantismo. Sua River, uma pessoa psicologicamente quebrada, por ter servido como cobaia para experimentos científicos, em busca de um universo melhor (Joseph Mengele rondando por aí?) está excelente. Ela é daquelas típicas crianças (adolescentes, na verdade) depressivas. Glau está ótima em Serenity.

O filme tem vários aspectos interessantes, fotografia boa, colorida (a utilização do multi-color é algo particularmente difícil para os cineastas, eu penso), a edição é certeira, principalmente nos dois últimos atos. Mas o mais interessante de tudo é a influência do Western aqui. Observe as roupas de Mal e tente não se lembrar dos grandes cowboys dos filmes e dos quadrinhos. Tom Mix, Tex Willer. Ele é um verdadeiro desbravador. Até os equipamentos têm denominações faroeísticas (adoro neologismos). E.g. Mula. Outras referências à períodos históricos podem ser encontradas em Serenity, como a supracitada referência ao nazismo. Também não deixe de notar as referências a cultura e língua chinesa e russa feitas durante o filme.

Alguém uma vez disse que "Serenity é tudo o que Star Wars sempre quis ser." Talvez, talvez não. É uma comparação esquisita, por que Star Wars é, no máximo, um preview de Avatar. E serenity é mais inteligente, esperto, ousado (mas isso é relativo). O fato é que a pia da cozinha está suja. Limpe-a quando puder, Whedon.

E o leitor que não entendeu o que eu quis dizer no último parágrafo, releia tudo.

Por Victor Bruno

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