Bande à Part, 1964 / Dirigido por Jean-Luc Godard
Com Anna Karina, Sami Frey e Claude Brasseur
(4/5)
Sabe a produtora de Quentin Tarantino, Bande Apart? Releia o título do filme, já dá para descobrir de onde o nome surgiu. Tarantino, cinéfilo como poucos, enquanto devorava os filmes do catálogo da Video Archives, assistiu Banda à Parte, gostou do que viu e, anos mais tarde, homenageou Godard e sua obra. E ele tem motivos para isso. O filme é tudo o que Tarantino quis ser na primeira fase da sua carreira, mas nunca conseguiu. Até por que não dá para colocar Godard e o americano no mesmo patamar, mesmo que os dois bebam da mesma fonte. Godard é um (ou costumava ser) ntelectual, qualquer filme seu prova isso, enquanto o outro nem almeja o estatus. Mas isso é efêmero na nossa discursão.
A trama do filme é baseada num livro da escritora Dolores Hitchens, chamado Fools' Gold ("Ouro de Tolo"). Arthur e Franz (Claude Brasseur e Sami Frey, respectivamente) conhecem Odile (Anna Karina) num curso de inglês. Os dois rapazes são verdadeiros enfant terribles, que não estão nem aí para nada, gostam mais é de curtir a vida adoidado. Acham trabalhar um destino terrível -- isto é citado durante o filme. Em suma, estão procurando pura adrenalina. No contra-ponto, a moçoila é delicada, meiga, que não sabe na confusão que está entrando. "Mas que raio de confusão é esta que esse cara está falando?", o nobre leitor pergunta. A confusão é que Franz e Arthur resolvem roubar uma grande quantia de dinheiro que está em posse de um tal de Sr. Stolz. Provavelmente eles não fariam isso, caso não soubessem que esta quantia é furtada (saque a ironia) do governo. "Ele furtou do governo! Merece pagar por isso", exclama um dos dois. Aqui está sendo posta em prática a famosa sentença "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão." Ao mesmo tempo em que isso acontece, os dois homens amam a mesma mulher, e ela tem de se dividir em duas para que tudo dê certo.
É interessante notar a simetria da dupla principal. Enquanto Arthur é um homem sedutor, quase um Alfie da vida, sem muitos problemas existenciais, Franz é um Kafka (Franz = Franz Kafka?), por sua vez. Cheio de problemas existenciais, pensa que tudo está desmoronando ao seu redor, que as pessoas lhe evitam e que dorme em sua cama sozinho à noite enquanto seu amigo dorme com a mulher que ama por ser sociável. E estes pensamentos tristes são ilustrados numa sequência extremamente triste e melancólica, dirigida soberbamente pelo mestre Godard.
O interessante do filme é como o triângulo amoroso formado pelas personagens principais influi diretamente nas ações tomadas por eles e, consequentemente no furto que está sendo planejado. Mesmo com os dois principais sendo melhores amigos, um se rói de ciúme e inveja quando o outro está mais próximo de Odile. Tome por exemplo a sequência fantástica dentro do café. Observe como Franz empurra Arthur para trás para que possa se sentar próximo a Odile. O truque não funciona e ele é resignado a sentar distante de seu amor. Entretanto, quanto Arthur sai, Franz imediatamente toma o lugar do seu amigo.
(Bom, amigos, amigos. Amores à parte.)
Godard com sua falta de elegância habitual, capta sua ex-amada Anna Kar(en)ina com leveza de espírito incomparável. Há um longo close em seu rosto, sensacional, utilizando-se de um cliché largamente usado (o soft focus), em que o cineasta praticamente diz ao público "Olhem como ela é linda!" E nós somos obrigados a admitir. Não se surpreenda quando você vir Anna Karina apenas com uma saia e a roupa de baixo.
Falando em "falar ao público", Godard mais uma vez emprega truques para se aproximar da platéia e ser compreendido. A primeira coisa que Godard quer dizer para quem assiste seu filme é que: Isto é cinema, não é realidade, aprenda isso! Para o cineasta, realidade e irrealismo se misturam em celulóide. Um exemplo (spoiler à frente), a morte do tio de Arthur, repare quantos tiros são necessários para o cara começar a se debater.
A segunda coisa que o cineasta quer dizer é: irrealidade pode deixar tudo mais real. Observe na cena em que Arthur e Franz brincam de duelar como se fossem dois cowboys. Quando um deles "atira" no outro, Godard não exita em colocar um som de tiro, para deixar a coisa toda mais "real".
E quando alguém corta todo o áudio da cena para que o público entenda o que as personagens querem dizer? Já não é mais Godard falando aqui, mas sim Arthur, Franz e Odile. A notória cena do um minuto de silêncio talvez tenha sido o máximo que um cineasta conseguiu se aproximar o seu filme, do público. 3D o caramba, nós temos Godard. E continuam as cenas fantásticas, a cena em que o trio dança o madison enquanto o narrador (o próprio Godard) ilustra seus sentimentos interrompendo o áudio externo (Godard diz, "Parem as máquinas, pessoal, escutem o que ele/eu tem/tenho para dizer") é um excelente exemplo da manipulação que um cineasta pode fazer da misce-en-scene à favor do seu filme. Como já dito, mas em outras palavras, agora, realidade é relativa.
Apesar de todos esses prós, e são muitos, Banda à Parte tem seus tropeços, igualmente. O filme é confuso, não segue uma estrutura clara (mesmo na bagunça estrutural que a Nouvelle Vague impõe), e mesmo com a sua edição rápida (mais uma imposição do estilo que é imposto pela Vague, forçando Godard a desistir dela anos mais tarde), Banda à Parte tem sérios problemas de ritmo (paradoxal, não?).
Falando em paradoxo, temos o tal do Sami Frey, fazendo Franz, a encarnação de Franz Kafka. Ora, se o cara tem problemas existenciais, e sofre de uma série depressão, é extremamente pegajoso e infeliz... digamos apenas que Sami disfarça isso na sua personagem muito bem. Para falar a verdade, Sami é mais elegante e charmoso do que seu parceiro Arthur, que tem na própria descrição feita pelo narrador, estas características. Esquisito, não? Bom, Sami é o elo mais fraco do trio de protagonistas. Não que sua interpretação seja ruim, mas este detalhe me incomodou bastante durante o filme. Claude Brasseur está ótimo com seu Arthur, enquanto Anna Karina arrasa, com seu jeito de ninfeta. Ótimo.
Jean-Luc disse certa vez que Banda à Parte é o "encontro de Alice no País das Maravilhas com Franz Kafka". Nem tanto, nem tanto. Kafka não precisa de uma história lisérgica como Alice. Kafka não precisa de ninguém na verdade. E não vai ser Godard quem vai mudar isso, principalmente com um filme irregular como esse. Mas apesar da sua irregularidade, imperdível. É Godard para quem não gosta de Godard.
Aliás, JanLuc Cinéma Godard, como ele assina aqui. E, nossa, que ridícula essa invenção. Tudo bem, ele é um contestador, e o que podemos fazer nós contra isso? Nada. Ele é um homem à parte.
Por Victor Bruno
(4/5)
Sabe a produtora de Quentin Tarantino, Bande Apart? Releia o título do filme, já dá para descobrir de onde o nome surgiu. Tarantino, cinéfilo como poucos, enquanto devorava os filmes do catálogo da Video Archives, assistiu Banda à Parte, gostou do que viu e, anos mais tarde, homenageou Godard e sua obra. E ele tem motivos para isso. O filme é tudo o que Tarantino quis ser na primeira fase da sua carreira, mas nunca conseguiu. Até por que não dá para colocar Godard e o americano no mesmo patamar, mesmo que os dois bebam da mesma fonte. Godard é um (ou costumava ser) ntelectual, qualquer filme seu prova isso, enquanto o outro nem almeja o estatus. Mas isso é efêmero na nossa discursão.
A trama do filme é baseada num livro da escritora Dolores Hitchens, chamado Fools' Gold ("Ouro de Tolo"). Arthur e Franz (Claude Brasseur e Sami Frey, respectivamente) conhecem Odile (Anna Karina) num curso de inglês. Os dois rapazes são verdadeiros enfant terribles, que não estão nem aí para nada, gostam mais é de curtir a vida adoidado. Acham trabalhar um destino terrível -- isto é citado durante o filme. Em suma, estão procurando pura adrenalina. No contra-ponto, a moçoila é delicada, meiga, que não sabe na confusão que está entrando. "Mas que raio de confusão é esta que esse cara está falando?", o nobre leitor pergunta. A confusão é que Franz e Arthur resolvem roubar uma grande quantia de dinheiro que está em posse de um tal de Sr. Stolz. Provavelmente eles não fariam isso, caso não soubessem que esta quantia é furtada (saque a ironia) do governo. "Ele furtou do governo! Merece pagar por isso", exclama um dos dois. Aqui está sendo posta em prática a famosa sentença "ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão." Ao mesmo tempo em que isso acontece, os dois homens amam a mesma mulher, e ela tem de se dividir em duas para que tudo dê certo.
É interessante notar a simetria da dupla principal. Enquanto Arthur é um homem sedutor, quase um Alfie da vida, sem muitos problemas existenciais, Franz é um Kafka (Franz = Franz Kafka?), por sua vez. Cheio de problemas existenciais, pensa que tudo está desmoronando ao seu redor, que as pessoas lhe evitam e que dorme em sua cama sozinho à noite enquanto seu amigo dorme com a mulher que ama por ser sociável. E estes pensamentos tristes são ilustrados numa sequência extremamente triste e melancólica, dirigida soberbamente pelo mestre Godard.
O interessante do filme é como o triângulo amoroso formado pelas personagens principais influi diretamente nas ações tomadas por eles e, consequentemente no furto que está sendo planejado. Mesmo com os dois principais sendo melhores amigos, um se rói de ciúme e inveja quando o outro está mais próximo de Odile. Tome por exemplo a sequência fantástica dentro do café. Observe como Franz empurra Arthur para trás para que possa se sentar próximo a Odile. O truque não funciona e ele é resignado a sentar distante de seu amor. Entretanto, quanto Arthur sai, Franz imediatamente toma o lugar do seu amigo.
(Bom, amigos, amigos. Amores à parte.)
Godard com sua falta de elegância habitual, capta sua ex-amada Anna Kar(en)ina com leveza de espírito incomparável. Há um longo close em seu rosto, sensacional, utilizando-se de um cliché largamente usado (o soft focus), em que o cineasta praticamente diz ao público "Olhem como ela é linda!" E nós somos obrigados a admitir. Não se surpreenda quando você vir Anna Karina apenas com uma saia e a roupa de baixo.
Falando em "falar ao público", Godard mais uma vez emprega truques para se aproximar da platéia e ser compreendido. A primeira coisa que Godard quer dizer para quem assiste seu filme é que: Isto é cinema, não é realidade, aprenda isso! Para o cineasta, realidade e irrealismo se misturam em celulóide. Um exemplo (spoiler à frente), a morte do tio de Arthur, repare quantos tiros são necessários para o cara começar a se debater.
A segunda coisa que o cineasta quer dizer é: irrealidade pode deixar tudo mais real. Observe na cena em que Arthur e Franz brincam de duelar como se fossem dois cowboys. Quando um deles "atira" no outro, Godard não exita em colocar um som de tiro, para deixar a coisa toda mais "real".
E quando alguém corta todo o áudio da cena para que o público entenda o que as personagens querem dizer? Já não é mais Godard falando aqui, mas sim Arthur, Franz e Odile. A notória cena do um minuto de silêncio talvez tenha sido o máximo que um cineasta conseguiu se aproximar o seu filme, do público. 3D o caramba, nós temos Godard. E continuam as cenas fantásticas, a cena em que o trio dança o madison enquanto o narrador (o próprio Godard) ilustra seus sentimentos interrompendo o áudio externo (Godard diz, "Parem as máquinas, pessoal, escutem o que ele/eu tem/tenho para dizer") é um excelente exemplo da manipulação que um cineasta pode fazer da misce-en-scene à favor do seu filme. Como já dito, mas em outras palavras, agora, realidade é relativa.
Apesar de todos esses prós, e são muitos, Banda à Parte tem seus tropeços, igualmente. O filme é confuso, não segue uma estrutura clara (mesmo na bagunça estrutural que a Nouvelle Vague impõe), e mesmo com a sua edição rápida (mais uma imposição do estilo que é imposto pela Vague, forçando Godard a desistir dela anos mais tarde), Banda à Parte tem sérios problemas de ritmo (paradoxal, não?).
Falando em paradoxo, temos o tal do Sami Frey, fazendo Franz, a encarnação de Franz Kafka. Ora, se o cara tem problemas existenciais, e sofre de uma série depressão, é extremamente pegajoso e infeliz... digamos apenas que Sami disfarça isso na sua personagem muito bem. Para falar a verdade, Sami é mais elegante e charmoso do que seu parceiro Arthur, que tem na própria descrição feita pelo narrador, estas características. Esquisito, não? Bom, Sami é o elo mais fraco do trio de protagonistas. Não que sua interpretação seja ruim, mas este detalhe me incomodou bastante durante o filme. Claude Brasseur está ótimo com seu Arthur, enquanto Anna Karina arrasa, com seu jeito de ninfeta. Ótimo.
Jean-Luc disse certa vez que Banda à Parte é o "encontro de Alice no País das Maravilhas com Franz Kafka". Nem tanto, nem tanto. Kafka não precisa de uma história lisérgica como Alice. Kafka não precisa de ninguém na verdade. E não vai ser Godard quem vai mudar isso, principalmente com um filme irregular como esse. Mas apesar da sua irregularidade, imperdível. É Godard para quem não gosta de Godard.
Aliás, JanLuc Cinéma Godard, como ele assina aqui. E, nossa, que ridícula essa invenção. Tudo bem, ele é um contestador, e o que podemos fazer nós contra isso? Nada. Ele é um homem à parte.
Por Victor Bruno
2 comentários:
Queremos mais Godard e cinema francês no blog
Sugestão anotada, Pitta.
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