sábado, 4 de dezembro de 2010

Zelig

Zelig, 1983 / Dirigido por Woody Allen
Com Woody Allen, Mia Farrow

O camaleão. Todos nós conhecemos o camaleão, certo? Todos nós sabemos que o camaleão é aquele réptil que, quando necessário, muda sua cor para se adaptar ao ambiente. Porquê ele faz isso? Para se adequar ao ambiente ao seu redor e passar despercebido pelo seus inimigos. É uma função natural, biológica, que demorou milênios para ser desenvolvida, no camaleão. O camaleão é um animal que nasceu para passar-se despercebido na natureza.

Não é à toa que Leonard Zelig foi chamado em vida de “O Homem Camaleão”. O sujeito era um grande camaleão humano. Aliás, na descrição do camaleção, no parágrafo acima, eu usei palavras e termos que são utilizados durante os 74 minutos do ótimo documentário de Woody Allen, Zelig. Documentário não – mockumentary. Explicarei esta ratificação mais tarde.

Leonar Zelig é um homem que vive a vida querendo ser todo mundo, menos ele mesmo. Se está perto de chineses, assume a aparência de um, se está perto de negros, muda de cor (!) e se está perto de obesos, fica gordo imediatamente. Suas metamorfoses são impressionantes, e chamam a atenção de pessoas notórias, como, por exemplo o escritor F. Scott Fitzgerald (o símbolo máximo da Era do Jazz). Zelig é mandado para um hospital onde, sob os cuidados da Dra. Eudora Nesbitt Fletcher, será investigado e tentará ser curado do seu “mal”. A partir daí o mockumentary narra a história deste homem... multifacetado, digamos assim.

Zelig é brilhante desde a sua concepção. Para começa, o tal Leonard Zelig nunca existiu. Nem a tal Dra. Eudora Fletcher. Tudo não é mais que um produto genial, por sinal da mente – até então – brilhante de Woody Allen. Só por isso o filme mereceria palmas de pé. Quem mais teve essa ideia? Ninguém, é claro, mas nós não paramos por aí. Zelig é um interessante tour de force pela mente do personagem-título. A obra quer investigar porquê Zelig vive a vida sem personalidade, fingindo ser todo mundo. Aceitação social? Insegurança? Sim. De tudo um pouco. Mas, acima de tudo, o filme é uma análise crítica sobre a farsa. Para começar, o próprio filme é uma farsa. Zelig, o filme, é uma ficção travestida de realidade. Uma escolha de mestre por parte de Woody Allen, que planejou cada frame do filme para ficar o mais fiel possível de um documentário.

Allen, e seu diretor de fotografia, o mestre Gordon Willis, filmaram com todo equipamento possível: Super8, câmeras de TV, câmeras de 35mm, tudo. Depois, para ficar o mais envelhecido possível, pisaram em cima dos negativos, jogaram-nos na água, colocaram na geladeira. Enfim, eles repetiram exatamente o mesmo processo que Orson Welles fez 42 anos antes em Cidadão Kane (que tem cenas de um pseudo-documentarismo também).

Mas é óbvio que Zelig não sobrevive só só das suas qualidades técnicas. A direção e o roteiro de Allen são “puro ouro. O diretor conduz o projeto com maestria. Apesar de ser um “documentário”, a película consegue passar emoções, coisa que documentários convencionais não conseguem fazer, em virtude da frieza com que os temas são tratados. Aqui Allen consegue estabelecer momentos hilariantes (a cena da hipinose com Leonard falando sobre as panquecas da Dra. Fletcher é de rachar de tanto rir), com momentos de pura tensão (a gravação da voz de Leonard contando quando começou seu medo de não ser aceito na sociedade é uma delas, por exemplo).

Como se não bastasse, Zelig ainda é uma ode de Allen para os anos 20, uma época que, certamente, Woody queria ter nascido. O jazz estourava nas caixas de som das boates americanas, era o tempo da Lei Seca, e era um tempo onde Leonard Zelig (ou Woody Allen?) poderia ter sido rei. Em dado momento do filme nós conhecemos que a popularidade da personagem principal era tão grande que músicas foram compostas em sua homenagem (como a dançante “Leonard the Lizard”, a simpática “Doin' the Chamaleon”, interpretada por Mae Questel, que fazia a voz da espevitada Betty Boop, ou ainda a romântica “You May Be Six People, But I Love You”), danças foram feitas inspiradas em Zelig, bonecos, etc. Eu cheguei a pensar que Allen estaria aí criticando a utilização de pessoas em momentos determinados de sua vida para fins lucrativos. Mas não creio que seja esta a intenção do diretor. Acho que Allen só queria mesmo mostrar como as coisas eram no tempo do jazz.

O filme conta ainda com as interpretações fantásticas de Woody como a personagem título, brilhante. Sua interpretação como Zelig está tão boa que ele encontra lugar para interpretar a si mesmo (a gagueira, a fala apressada de um bom nova-iorquino, etc). Mia Farrow como a Dra. Fletcher está irreconhecível, e toda uma enorme galeria de intelectuais, psicólogos, e pessoas que teriam conhecido o “real” Leonard Zelig povoam os coadjuvantes do filme.

Agora que terminamos, por favor, levantem-se para dançar “Doin' the Chamaleon”. Mas antes:

Leonard, quando você começou a ser outras pessoas?

Eu entrei num bar irlandês num dia de São Patrício. Eu não estava vestido de verde. Daí comecei a agir como um irlandês... nasceram cabelos vermelhos... e eu comecei a falar da falta de batatas e de duendes.

Agora, com vocês; Mae Questel!

Nota: 5 estrelas em 5

Por Victor Bruno


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