Dias de ParaísoDays of Heaven, 1978Dirigido por
Terrence MalickEscrito por
Terrence MalickCom Richard Gere,
Brooke Adams, Sam
Shepard, Linda
ManzAssistir qualquer filme de
Terrence Malick (
Além da Linha Vermelha,
O Novo Mundo) e não sair com a sensação de completa anestesia é completamente impossível. Mesmo tendo gostado ou não. Conheço nenhum outro cineasta que consiga filmar a natureza de forma tão perfeita. Ao lado de
Barry Lyndon, de Stanley
Kubrick seus filmes merecem milhares de
snap shots se assistidos num computador (de fato a primeira foto que ilustra esta crítica é o papel de parede do meu computador) .
Aliás, como dito na minha crítica de
The Thin Red Line,
Malick é um filósofo que ministra aulas em forma de filmes. Ele consegue pegar o homem e mostra-lo como pode ser louco e completamente indiferente as suas
ações (
Terra de Ninguém). Aliás,
Badlands é um filme completamente afastado da sua filosofia.
Após finalmente terminar de assistir todos os seus quatro filmes, eu posso dizer que
Terrence Malick é um verdadeiro misantropo. Vive isolado, não dá entrevistas e nunca filma mais de dois filmes na mesma década. (Na verdade eu ia escrever "Raramente faz um filme na mesma década", mas raro mesmo é ele fazer um filme.)
Uma das
caracteristicas de um misantropo é seu ódio pelo ser humano. Não, ódio não, mas um certo rancor (
OK, é
exatamente a mesma coisa). Na visão de
Malick, o homem e suas máquinas, sua violência, ou sua própria presença estraga a perfeição da natureza, natureza esta que nos olhos de
Malick é uma santidade, algo com vida própria que mexe com nossos sentidos, podendo ser perfeitamente escrita com "N" maiúsculo.
Se a natureza mexe com os nossos sentidos, não poderíamos ser responsáveis pelos nossos
atos. Talvez nem mesma mexa com os sentidos, mas tem vida própria. E nossas
ações que ferem podem ser crimes
hediondos. Uma morte na natureza, observado na
ótica de
Terrence Malick é a coisa mais solitária que pode existir, e assistindo este
Dias de Paraíso ele pode estar completamente certo.
O filme tem a seguinte
sinopse: Bill (Gere), após ter arrumado uma briga com o chefe da fábrica onde trabalhava e ter ferido-o, tem de fugir com sua irmã menor
Abby (Adams). Eles saem de Chicago, e vão de trem para o Texas. Bill leva junto sua namorada Linda (
Muniz). Após a viagem Bill consegue um emprego como
ensacador de trigo numa fazenda. É a época da colheita. Na fazenda, o agricultor que administra a fazenda (
Shepard) se apaixona por Linda. Sabendo que ele está morrendo, Bill encoraja sua namorada a se casar com o Agricultor, para que quando ele morrer os dois possam ficar ricos. Está formado o painel para uma tragédia.
Nas mãos de qualquer outro
diretor,
Dias de Paraíso seria somente mais um filme sobre um triângulo amoroso. Nas mãos de
Malick é um retrato extremamente bem-feito sobre o amor e o homem na natureza.
Eu não considerava-o um cineasta cru. Principalmente depois dos 20 primeiros minutos do filme. A obra é um orgasmo virtual. Um banquete para os olhos. Assim como sabiamente o
pôster da obra diz, "
Your eyes...
your ears...
your senses...
will be overwhelmed" (ou seja, "Seus olhos... seus ouvidos... seus sentidos... serão completamente esmagados"), filmada
belamente por Nestor
Almendros (
Contos de Nova York) nas horas mágicas (embora o
cinegrafista Haskell Wexler clame o crédito de fotógrafo), o filme nos trás uma beleza estética inigualável.
Malick é cru por que mesmo tendo como suporte a beleza da natureza, ele faz questão de mostrar a natureza humana e suas
ações.
Richard Gere faz um excelente Bill, um homem que possui boa índole,
protege a irmã custe o que custar, mas mesmo assim ambicioso. A bela
Brooke Adams faz uma
Abby eficiente. Completando o elenco, Sam
Shepard faz um bom Agricultor. Já a não tão bela Linda
Muniz faz uma Linda morna, apesar de ser uma das personagens chave da trama, por tanto deveria ter feito um papel melhor.
Uma das sacadas mais geniais do filme, além da bela fotografia é o fato da obra ser narrada por uma criança, portanto estamos desprovidos de maldade, contendo apenas sua ingenuidade. Como uma criança atravessa uma crise que desmancha os alicerces da sua ingenuidade? Ela é capaz de atravessar isso sem se ferir? Acho que o último
take do filme é bem simbólico (atenção:
spoiler):
Abby caminhando com uma amiga fumando um cigarro com seus 16 anos (apesar dela fumar em toda a
projeção, mas nunca tragando um inteiro como nesta última tomada).
Aliás a trama é cheia de simbolismos: quando ela começa as cenas são filmadas no sol nascente, simbolizando o início de uma época. Quando as atribulações começam a casa do patrão está com uma nuvem nublada gigantesca. Quando o está findando o sol está se pondo.
Numa certa altura do filme
Abby diz: "Não existe e nunca existiu ninguém perfeito. Todos temos uma parte de anjo e outra de um
demônio dentro de nós." Acho isso simbólico, principalmente dentro do contexto do filme. Bill, apesar de boa índole é capaz de matar, ou de dar um golpe só para ganhar dinheiro. Linda, apesar de ser cobiçada por dois homens não é tão bonita (eu pelo menos não acho ela bonita). E o filme, apesar de todas as suas
perfeições, tem pecados. Sua trama demora muito para começar e muitos dos fatos narrados no filme parecem perdidos no
tempo. Mas acho que não havia outra maneira de filma-lo. Então ele consegue ser um perfeito imperfeito.
Certamente
Terrence Malick precisava de mais 20 anos para esmagar nossos sentidos novamente.
Nota: 4 estrelas em 5
Por Victor BrunoP.S.: É realmente uma pena os
DVDs da
Criterion Collection não serem
legendados em português. Imagem e som totalmente
remasterizados, comentário em áudio com o editor
Billy Weber, o desenhista de produção Jack
Fisk, a desenhista de figurinos
Patricia Norris e o
diretor de elenco
Diane Crittenden, entrevista em áudio com Richard Gere, entrevistas em vídeo com
Bailey, Sam
Shepard e o
co-
diretor de fotografia
Haskell Wexler, mais um livro com um ensaio do crítico
Adrian Martin e um capítulo da
autobiografia do
diretor de fotografia Nestor
Almendros. Na edição em
Blu-
Ray o áudio é em
DTS Master. Temos de engolir essa.