sábado, 22 de maio de 2010

Dias de Paraíso


Dias de Paraíso
Days of Heaven, 1978
Dirigido por Terrence Malick
Escrito por Terrence Malick
Com Richard Gere, Brooke Adams, Sam Shepard, Linda Manz

Assistir qualquer filme de Terrence Malick (Além da Linha Vermelha, O Novo Mundo) e não sair com a sensação de completa anestesia é completamente impossível. Mesmo tendo gostado ou não. Conheço nenhum outro cineasta que consiga filmar a natureza de forma tão perfeita. Ao lado de Barry Lyndon, de Stanley Kubrick seus filmes merecem milhares de snap shots se assistidos num computador (de fato a primeira foto que ilustra esta crítica é o papel de parede do meu computador) .

Aliás, como dito na minha crítica de The Thin Red Line, Malick é um filósofo que ministra aulas em forma de filmes. Ele consegue pegar o homem e mostra-lo como pode ser louco e completamente indiferente as suas ações (Terra de Ninguém). Aliás, Badlands é um filme completamente afastado da sua filosofia.

Após finalmente terminar de assistir todos os seus quatro filmes, eu posso dizer que Terrence Malick é um verdadeiro misantropo. Vive isolado, não dá entrevistas e nunca filma mais de dois filmes na mesma década. (Na verdade eu ia escrever "Raramente faz um filme na mesma década", mas raro mesmo é ele fazer um filme.)

Uma das caracteristicas de um misantropo é seu ódio pelo ser humano. Não, ódio não, mas um certo rancor (OK, é exatamente a mesma coisa). Na visão de Malick, o homem e suas máquinas, sua violência, ou sua própria presença estraga a perfeição da natureza, natureza esta que nos olhos de Malick é uma santidade, algo com vida própria que mexe com nossos sentidos, podendo ser perfeitamente escrita com "N" maiúsculo.

Se a natureza mexe com os nossos sentidos, não poderíamos ser responsáveis pelos nossos atos. Talvez nem mesma mexa com os sentidos, mas tem vida própria. E nossas ações que ferem podem ser crimes hediondos. Uma morte na natureza, observado na ótica de Terrence Malick é a coisa mais solitária que pode existir, e assistindo este Dias de Paraíso ele pode estar completamente certo.


O filme tem a seguinte sinopse: Bill (Gere), após ter arrumado uma briga com o chefe da fábrica onde trabalhava e ter ferido-o, tem de fugir com sua irmã menor Abby (Adams). Eles saem de Chicago, e vão de trem para o Texas. Bill leva junto sua namorada Linda (Muniz). Após a viagem Bill consegue um emprego como ensacador de trigo numa fazenda. É a época da colheita. Na fazenda, o agricultor que administra a fazenda (Shepard) se apaixona por Linda. Sabendo que ele está morrendo, Bill encoraja sua namorada a se casar com o Agricultor, para que quando ele morrer os dois possam ficar ricos. Está formado o painel para uma tragédia.

Nas mãos de qualquer outro diretor, Dias de Paraíso seria somente mais um filme sobre um triângulo amoroso. Nas mãos de Malick é um retrato extremamente bem-feito sobre o amor e o homem na natureza.

Eu não considerava-o um cineasta cru. Principalmente depois dos 20 primeiros minutos do filme. A obra é um orgasmo virtual. Um banquete para os olhos. Assim como sabiamente o pôster da obra diz, "Your eyes... your ears... your senses... will be overwhelmed" (ou seja, "Seus olhos... seus ouvidos... seus sentidos... serão completamente esmagados"), filmada belamente por Nestor Almendros (Contos de Nova York) nas horas mágicas (embora o cinegrafista Haskell Wexler clame o crédito de fotógrafo), o filme nos trás uma beleza estética inigualável. Malick é cru por que mesmo tendo como suporte a beleza da natureza, ele faz questão de mostrar a natureza humana e suas ações.

Richard Gere faz um excelente Bill, um homem que possui boa índole, protege a irmã custe o que custar, mas mesmo assim ambicioso. A bela Brooke Adams faz uma Abby eficiente. Completando o elenco, Sam Shepard faz um bom Agricultor. Já a não tão bela Linda Muniz faz uma Linda morna, apesar de ser uma das personagens chave da trama, por tanto deveria ter feito um papel melhor.

Uma das sacadas mais geniais do filme, além da bela fotografia é o fato da obra ser narrada por uma criança, portanto estamos desprovidos de maldade, contendo apenas sua ingenuidade. Como uma criança atravessa uma crise que desmancha os alicerces da sua ingenuidade? Ela é capaz de atravessar isso sem se ferir? Acho que o último take do filme é bem simbólico (atenção: spoiler): Abby caminhando com uma amiga fumando um cigarro com seus 16 anos (apesar dela fumar em toda a projeção, mas nunca tragando um inteiro como nesta última tomada).


Aliás a trama é cheia de simbolismos: quando ela começa as cenas são filmadas no sol nascente, simbolizando o início de uma época. Quando as atribulações começam a casa do patrão está com uma nuvem nublada gigantesca. Quando o está findando o sol está se pondo.

Numa certa altura do filme Abby diz: "Não existe e nunca existiu ninguém perfeito. Todos temos uma parte de anjo e outra de um demônio dentro de nós." Acho isso simbólico, principalmente dentro do contexto do filme. Bill, apesar de boa índole é capaz de matar, ou de dar um golpe só para ganhar dinheiro. Linda, apesar de ser cobiçada por dois homens não é tão bonita (eu pelo menos não acho ela bonita). E o filme, apesar de todas as suas perfeições, tem pecados. Sua trama demora muito para começar e muitos dos fatos narrados no filme parecem perdidos no tempo. Mas acho que não havia outra maneira de filma-lo. Então ele consegue ser um perfeito imperfeito.

Certamente Terrence Malick precisava de mais 20 anos para esmagar nossos sentidos novamente.

Nota: 4 estrelas em 5

Por Victor Bruno

P.S.: É realmente uma pena os DVDs da Criterion Collection não serem legendados em português. Imagem e som totalmente remasterizados, comentário em áudio com o editor Billy Weber, o desenhista de produção Jack Fisk, a desenhista de figurinos Patricia Norris e o diretor de elenco Diane Crittenden, entrevista em áudio com Richard Gere, entrevistas em vídeo com Bailey, Sam Shepard e o co-diretor de fotografia Haskell Wexler, mais um livro com um ensaio do crítico Adrian Martin e um capítulo da autobiografia do diretor de fotografia Nestor Almendros. Na edição em Blu-Ray o áudio é em DTS Master. Temos de engolir essa.

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