domingo, 12 de dezembro de 2010

O Escafandro e a Borboleta

Le Escaphandre et le Papillon, 2007 / Dirigido por Julian Schnabel

Com Mathieu Almaric, Anne Consigny, Emmanuelle Seigner, Marie-Josée Croze, Max von Sydow


(3/5)

Normalmente eu tenho a impressão que filmes sobre superação ou que mostram pessoas com alguma limitação física, cujo no filme elas têm que aprender a lidar com a situação que foram postas, bastante nojentos. E além de nojentos são extremamente desonestos para com quem assiste. São nojentos por que colocam estes indivíduos numa posição de "olha que coitadinho, mas que coisa aconteceu com ele". São desonestos por que, a partir de uma situação irreversível na vida dessas pessoas, tais filmes tentam comprar o apego do espectador num chantagem emocional barata. Então é admirável quando surge um filme que não trata nem o protagonista, nem o espectador, desta maneira. É o caso deste interessante O Escafandro e a Borboleta.

Em 1995, o editor da respeitada revista de moda Elle, Jean-Domenique Bauby, (Mathieu Almaric) sofre um derrame. Ao acordar, 20 dias depois, descobre que a sequela deixada pelo derrame foi terrível: ele se tornou prisioneiro do próprio corpo; sofre de uma condição raríssima chamada Síndrome do Encarceramento. Todos os membros do seu corpo estão paralisados, salvo os olhos. No caso de Bauby, apenas o olho esquerdo. O direito foi costurado para evitar uma úlcera na córnea. A partir desta terrível verdade, o filme se foca no desenvolvimento e na aceitação do protagonista da sua nova condição. Além disso a personagem reflete longamente sobre as ações que tomou em vida.

É realmente uma sinopse muito interessante. Aliás, um tema bem interessante. A partir deste ponto nós temos podemos ter um deselvolvimento espetacular da personagem, desde que honesto. O Escafandro e a Borboleta poderia ter sido um filme extremamente reflexivo, utilizando-se desta nova condição da protagonista para se reavaliar. De certa forma o filme faz isso, entretanto o diretor (e pintor) Julian Schnabel -- que só havia dirigido dois outros filmes, até então --, prefere mostrar a nova vida do personagem. O que não é de todo mal. O problema é que ele também quer mostrar como a personagem chegou até ali. Então existe aí um paradigma: ou o filme vai para o passado, ou fica no presente. Julian não sabe o que fazer, fica perdido no meio do caminho. Mal para o filme.
Para dar um exemplo: nós só conhecemos como (e quando, e onde) Jean-Domenique sofreu o AVC que o deixou nesta condição, no final do filme. Se o diretor tivesse montado uma ordem cronológica um tanto mais acertada, mostrando o fato um pouco mais ao início, certamente teria sido muito melhor, já que o público não teria a necessidade de ficar montando um quebra-cabeça na mente para o filme fazer sentido. Até por que esse nem é o tipo de filme que propõe este jogo mental (para começar, não é um filme do David Lynch).

Isso atrapalha bastante o filme, mas felizmente O Escafandro e a Borboleta tem seus prós, conforme discutiremos mais tarde. Foquemos agora em um aspecto bastante importante para o filme: o desenvolvimento.

A película tem um ritmo bastante lento e arrastado, mas que, estranhamente, muda nos seus últimos dez minutos. O terceiro ato do filme, é rápido e rasteiro, afetando quase todo o filme. Veja, o filme tem uma hora e 40 minutos, sendo que são extremamente longas e não apresenta um só momento de drama real. Talvez eu possa até estar sendo insensível, mas, dane-se. Não comprei a idéia do filme, justamente pela já citada confusa direção de Julian Schnabel. Momento "x": estamos vendo Jean-Domenique querendo escrever um livro e falando com a sua editora. Momento "y", Domenique está falando com sua amante. Termina que o público fica no meio do caminho.

Mas o interessante mesmo é que a maioria das pessoas gostaram do filme. Muitas delas, com certeza, não se ligaram nessa parte mais crítica da coisa toda. Talvez exista uma justificativa boa: o ser humano gosta de ver os outros sofrerem. Por que você acha que a violência vende tanto filme? Ora, todo mundo gosta de ver o outro num momento difícil, e gosta ainda mais quando esta violência é vista em tempo real. O cinema foi inventado para isso. Quentin Tarantino diz que "Thomas Edison inventou a câmera cinematográfica para mostrar duas coisas: gente se beijando e gente se matando". (Tudo bem, mas não foi Thomas Edison quem inventou a câmera cinematográfica. Ele apenas aperfeiçoou o projeto dos Lumière.) E ainda mais quando há uma história de superação no meio. É o caso de O Escafandro e a Borboleta.

E o filme merece alguns elogios, por que tem seus prós. O maior dele, sem dúvidas, é a ótima fotografia de Janusz Kaminski, fotógrafo oficial de Steven Spielberg desde o maniqueísta A Lista de Schindler. Kaminski faz um excelente trabalho, no desenvolvimento de imagens poéticas, usando e abusando de ângulos tortos, imagens desfocadas e cores bastante vivas. O fotógrafo utiliza-se tanto desse estilo lisérgico, que em alguns momentos a fotografia caminha perigosamente pelas imagens esquizofrênicas dos filmes de Kar Wai Wong.
Além da fotografia, temos belíssimas atuações. Mathieu Almaric está excelente como Bauby, apesar de vermos seu rosto poucas vezes durante o filme (acertada decisão do diretor) e trabalhar muito mais com a sua voz (irônico pensar que uma personagem que não fala tenha mais falas do que qualquer outra no filme), Almaric atua muito bem. E nas raras ocasiões em que é mostrado saudável podemos notar grande versatilidade -- ele interpreta a mesma pessoa, mas são quase que duas personagens distintas. (Outra coisa que podemos notar é que ele parece com o David Duchovony.) Outro ponto que merece destaque é na cena do AVC, perto do final do filme (acredite, não é spoiler). A transformação de um ser humano normal, para o Bauby que conhecemos durante o filme é realizada diante dos nossos olhos, simplesmente impressionante. Ponto para Almaric.

Existe uma outra ótima atuação no filme: Max von Sydow, é óbvio. Com não mais que duas cenas neste filme, ele quase toma o posto de Matheu Almaric como melhor atuação. Mas estamos falando aqui de um gênio, Sydow. Isso é claro e notório: ele não precisa de muito tempo para mostrar que está acima da média. Qualquer um que já trabalhou com Bergman não precisa de muitas outras credenciais. Ainda nos prós, o filme tem uma grande galeria de belas mulheres, mas isso é irrelevante, claro. O importante é que além de belas, sabem atuar. Emmanuele Seigner e Anne Consigny lideram os papéis femininos, e com grande competência, aliás.

É um filme interessante, claro. Tem boa fotografia, boas atuações, direção esquisita. Mas requer paciência. Durante os primeiros 40 minutos nós vemos apenas pelo ponto de vista de Bauby. Não que isso incomode, mas pode criar uma crise de labirintite se você não estiver preparado. Como se já não bastasse, você precisará de paciência dupla se não for muito fã de maniqueísmo. Mas num filme como esse, essa prática é quase obrigatória. O Escafandro e a Borboleta não é uma excessão. De todo modo, é um filme bacana e que tem seus méritos, mesmo que às custas de muito, muito melodrama.

Por Victor Bruno

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