Candy, 2006 / Dirigido por Neil Armfield
Com Heath Ledger, Abbie Cornish, Geoffrey Rush, Tony Martin e Elaine Hazlehurst
(3/5)
O Cinema adora repetir histórias já contadas. Adora contar história de pessoas e carros. Adora contar histórias de vampiros e aberrações. Adora contar histórias sobre o nada. E adora contar histórias sobre drogas. Está cheio de exemplos. Scarface, Os Bons Companheiros, Trainspontting, Medo e Delírio, Spun – Sem Limites, Contraponto... são muitos. E há, também, aqueles casos em que as histórias – mesmo indiretamente – acontecem por consequência, direta ou indiretamente, por causa das drogas, como Magnólia e Boogie Nights, ambos do respeitado e talentoso Paul Thomas Anderson, ou Os Donos da Noite, de James Gray.
O problema é que essas histórias são exploradas à exaustão. Os maneirismos são clássicos. Os personagens são sofridos, têm que conciliar a sua vida normal com o vício. Muitos querem sair, mas têm problemas com a abstinência e acabam se ferrando. Aí, quando o diretor quer jogar o espectador dentro desse universo de onde poucos conseguiram escapar, ele filma tudo do modo mais surrealista e bizarro possível, assim como Terry Gilliam faz tradicionalmente (vide os já citados Medo e Delírio, ou Contraponto), ou como Oliver Stone fez no terrível e grotesco Assassinos por Natureza.
Por isso, é admirável que um filme como Candy, que tem na sua premissa o vício em drogas, tenta ser diferente. Baseado num livro semi autobiográfico escrito por Luke Davies, o roteiro – do próprio Davies, mais o diretor Neil Armsfield – conta a trágica história de Dan (Heath Ledger) e Candice “Candy” (Abbie Cornish). Dan é um poeta e Candy é uma artista talentosa. Além de um estilo de vida absolutamente boêmio, os dois compartilham um inerente vício em drogas. Injetáveis, inaláveis... qualquer uma. Não é preciso dizer que, assim como aconteceu com as personagens de Scarface e Trainspotting, os dois não têm um destino muito promissor pela frente.
Partindo desse princípio, Armfield e Davies dividem o roteiro em três segmentos, cada um com cerca de trinta minutos, devidamente – e poeticamente – intitulados de “Céu”, “Terra” e “Inferno”. Cada um contendo um conteúdo mais e mais pesado. Se no segmento “Céu” nós passamos boa parte do tempo vendo o casal beijando-se e mergulhando numa piscina (de onde essa piscina sai, meu Deus?), no segmento “Terra” temos as sequências mais perturbadoras do filme.
Só que esta divisão do roteiro trás um gravíssimo problema: o filme não consegue se equilibrar em cima de si mesmo. Se o primeiro segmento é um porre melodramático e pseudointelectual (aguentar a narração “poética” malickiana de Ledger é de um sofrimento inenarrável), o terceiro deveras cansativo, já que, como dito; o casal chegou no fundo do poço no meio do filme. O clímax (ou a parte mais angustiante/interessante/perturbadora) do filme ocorreu bem na sua metade. O resto soa como a mais pura encheção de linguiça. Todavia, eu estaria mentindo se dissesse que o filme é desinteressante. Eu disse Candy tem uma narrativa que não consegue se sustentar. Desinteressante é Medo e Delírio.
Apesar deste roteiro falho, Candy apresenta algumas qualidades notáveis. Salvo em algumas exceções, Armfield adota um estilo de direção bem teatral e sóbrio, o que é muito bom. A frieza com que ele filma algumas cenas (como, por exemplo, o aborto que acontece na segunda parte do filme) ajuda a acentuar o clima pesado do inferno em que os dois vivem. Armfield não tem medo de, logo na segunda cena do filme, logo após os créditos iniciais, mostrar Dan (interpretado magistralmente por Heath Ledger) preparando uma carreira de cocaína e, em seguida, mostrar Candy nua, numa banheira, tendo uma overdose.
Mas é verdade que, por vezes, essa “frieza” ou “crueza” com que Armfield insiste em investir em seu trabalho torna-se incomodativa. Falta forma. Apenas em uma cena Armfield mostra algum interesse em compor um plano bonito, que nos cative – e esse plano surge justamente no momento mais desinteressante possível: na primeira vez em que vemos Dan e a família de Candy, logo após o jantar, quando ele conversa com a namorada e vemos apenas sua silhueta.
O problema dessa falta de plasticidade no estilo de Armfield – mais conhecido por seus trabalhos teatrais, lá na Terra de Baixo, a Austrália – é que ele não permite que nos comovamos, ou nos aproximamos emocionalmente, vai do gosto do freguês, com a situação das personagens. Parece que há uma barreira invisível entre nós e os personagens. “OK, eles estão ferrados, não há escapatória, mas... sim, e?” Não me surpreendi quando achei que Armfield estava fazendo um filme aborrecido. Todo o conjunto soa aborrecido. A montagem (fraca, por sinal) de Dany Cooper, a fotografia (feia, por sinal) de Garry Phillips e até mesmo a trilha sonora desinspirada de Paul Charlier: Tudo soa aborrecido.
E é de se impressionar que no meio de toda essa suposta falta de vontade dos realizadores, surjam atuações tão consistentes quanto as do casal princiapl: Candy e Dan. Claro que aqui o nome que mais chama atenção é, inegavelmente, o de Ledger, mas somos apresentados a uma química perfeita. Um resultado homogêneo. Abbie Cornish faz um papel corajoso e bem pesado. Dos três, ela é a que mais sua a camisa, ou melhor, a jaqueta (ela usa uma jaqueta azul durante quase todo o filme): tem uma overdose logo na primeira cena, aparece nua em três cenas, se prostitui, sofre um aborto e tem um esgotamento nervoso. Aliás, Cornish tem a fala mais cativante do longa, dita quando o auditor da Receita visita a casa. (“Olhe, nós estamos numa fase difícil. Eu sou uma prostituta e não ganho muito, mas também trabalho como artista plástica. Esse aqui é um desgraçado.”)
Já Ledger, para variar, interpreta com uma soberba incrível. Observe a maturidade que ele ganha durante o filme, quase que imperceptivelmente. No início ele era um jovem sonhador, sem muita pretensão. O cara só queria ficar no barato dele. Entretanto, ele é o primeiro a perceber que precisam parar com esse vício maldito. Ele, lentamente, passa de “desgraçado” para homem de responsabilidades. Ao seu modo, claro. Geoffrey Rush como Caspar, o “mentor” do casal pouco pode fazer para mostrar sua habilidade. De fato, sua personagem soa totalmente desnecessária: tem a importância de um traficante, e olhe lá.
De um jeito ou de outro, Candy é uma obra respeitável. Vindo de um diretor que não tem muita experiência com as câmeras (é o primeiro filme de Neil Armfield em dezesseis anos), é admirável. Não se pode deixar passar um filme que tenta dar um fôlego novo num gênero que, acreditem-me, já está bastante desgastado. Mas, infelizmente, respeitável não significa bom. Uma pena. Eu gostaria de gostar mais de Candy.
Por Victor Bruno
17/04/2011
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